Metamores - parte 1
É possível conviver com parceires de nosses parceires?
Há seis anos comecei a estudar e aprender efetivamente sobre não monogamia. Com isso, vieram questionamentos sobre o modelo em que eu vivia (Don’t ask, don’t talk) e sobre a vivência com as pessoas com quem meus parceires efetivamente se relacionavam. A essas pessoas eu chamarei de metamores (do inglês “metamour”: meta = com, amour = amor; a pessoa que se relaciona com sua relação, mas com quem você não possui uma relação afetiva ou sexual direta).
Por mais que se estude e se leia, nada prepara você pra começar a quebrar as paredes do que a sociedade te impõe como certo desde o começo da vida. Pessoas designadas como mulher ao nascer são expostas a toda sorte de estímulo à rivalidade com outras pessoas que possam, de repente, compartilhar o mesmo parceiro que você. Na sociedade falocêntrica machista, o mais importante é defender o homem que lhe deu a honra de poder validar a sua existência com seu pênis.
À medida que o tempo passa e a desconstrução continua, vamos entendendo sentimentos de posse tóxicos no nosso dia a dia e começamos a ressignificação destes pelo caminho da sororidade e da compersão. Infelizmente, às vezes nem tudo são flores. Mesmo em um lugar no qual toda fala e atitude deveriam ser, por definição, direcionadas a quebras de padrões da sociedade, ainda vemos pessoas que pensam que toda relação não mono deve ser regida pelo deboísmo e a total aceitação e convivência entre pessoas que possuem e mesme parceire. Baseada nas minhas experiências, vamos ver alguns exemplos de desfechos desse contato.
Eu e ela
A minha primeira experiência com relação a metamores não foi boa. No fim das contas, depois de um acontecimento que — neste momento — vejo como mal entendido, deixei as portas abertas para continuarmos conversando e ela preferiu não. Por essa reação e por uma sequência de outros fatos que não vou relatar neste momento, atualmente evito estar no mesmo local que ela. Prefiro preservar minha sanidade mental.
Muitas vezes podemos não concordar com posturas e comportamentos dos nossos metamores. Muitas vezes eles fazem o mesmo e a convivência não é algo saudável para nenhuma das partes, então é perfeitamente válido evitar situações que possam gerar desconforto desnecessário.
Nós quatro
Numa segunda situação, estava no mesmo local com duas crushes no mesmo lugar, A. e L. A pessoa parceira de A., M., também estava conosco e mais algumas amigas. Sentamos no mesmo sofá, A. estava de mãos dadas comigo e M, eu de mãos dadas com ela e L.
Pra uma pessoa cuja primeira vivência com metamores foi a citada acima, essa situação parecia surreal. Mas logo pude ver que tudo era bem palpável, e que todes nós pudemos expressar nossas emoções livremente. Conversamos, rimos, nos beijamos, fizemos carinho e tudo foi maravilhoso. Por mais utópico que pareça, existe também a possibilidade de que a relação entre metamores seja harmônica ao extremo, de formas que todes convivam nos mesmo espaços e estejam constantemente interagindo entre si.
A inspiração
Era um dia nublado e estranhamento quente quando a vi parada no metrô. T. já se mostrou uma pessoa doce e sensível desde a primeira vez que nos falamos pela internet, comentando em postagens comuns do G., a pessoa que amamos. Fomos almoçar juntos e foram horas maravilhosas que passamos rindo, contando coisas do cotidiano e encontrando coisas que temos em comum.
Passamos por lojas, falamos sobre maquiagem, roupas, carnaval… tudo em um clima muito tranquilo. E foi esse encontro que me fez escrever este artigo. Foi incrível conhecer uma pessoa tão importante pra alguém que amo tanto e ver que essa pessoa se encanta no bem que faço ao nosso amor comum, assim como me encanto pelo bem que ela faz a ele. E por esse estreitamento no nosso vínculo, acredito que possa surgir entre nós um sentimento forte de amizade, que pode florescer do respeito e da compersão.
Em se tratando de pessoas, tudo pode ser uma grande caixinha de surpresas (boas e ruins). O mais importante é manter-se firme e próxima dos seus princípios pessoais e não deixar as pressões sociais interferirem no seu julgamento e nas suas ações.
Por mais que possam haver diferenças entre as pessoas, elas podem ser tratadas com maturidade caso todas as pessoas envolvidas tenham inteligência emocional para tal.
Já passou da hora de mostrar ao patriarcado que sabemos que as inimigas não somos nós.
