Por que falamos tão pouco (e tão difícil) sobre meio ambiente?

SOS Mata Atlântica
SOS Mata Atlantica
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6 min readMar 17, 2016

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Na noite da entrega do Oscar, o prêmio de protagonista da zoeira na internet já tinha um vencedor antes mesmo de começar o desfile de estrelas pelo red carpet: Leonardo DiCaprio. Considerado um azarão da premiação, o ator concorria pela sexta vez, motivo mais do que suficiente para a internet explodir com memes na linha “será que ele leva dessa vez?”.

Que ele saiu de lá com a estatueta embaixo do braço a gente já sabe. Que a internet levou segundos para se recuperar da notícia e eleger uma nova rainha a gente também já sabe… não é Gloria?

Agora, legal mesmo foi ver como o ator aproveitou aquele momento em que todos os olhares estavam voltados a ele para mandar um papo reto:

“A mudança climática é real e está acontecendo agora.”

E emendou com uma chamada para a ação:

“É a ameaça mais urgente à nossa espécie. Precisamos trabalhar coletivamente e parar de procrastinar. Precisamos apoiar os líderes do mundo todo que não falam pelos grandes poluidores e grandes corporações, mas que falam por toda a humanidade, pelos povos indígenas do mundo, pelos bilhões e bilhões de pessoas desamparadas que serão as mais afetadas por isso, pelos nossos netos, e por essas pessoas que tiveram suas vozes afogadas pela ganância política.” Leonardo DiCaprio

Estava no rolê e perdeu o discurso do Leo? Então assiste aqui:

Leonardo DiCaprio é um ativista conhecido por seu envolvimento em causas ambientais, então não surpreende o seu comportamento. O que surpreende é como ele soube aproveitar a oportunidade para abordar de uma maneira clara, direta e envolvente, num discurso em um momento cheio de emoção, um assunto complexo e que, apesar da relevância e urgência, aparece bem menos do que deveria no nosso dia a dia.

Se a gente fizer agora uma enquete para saber os temas mais discutidos nas rodas de conversa da semana, sejam virtuais ou na mesa de bar, vai ter de tudo, de política a BBB e futebol. Aquecimento global, certamente, não estará entre eles. Afinal, por que falamos tão pouco sobre meio ambiente?

Um dos motivos, sem dúvida, é o sentimento de boa parte das pessoas de distância do tema, apesar dele estar mais próximo de nós do que muita gente imagina. Para muitos, meio ambiente é assunto de índio ou de gente que vive “lá longe” nas florestas. Pouca gente percebe que mesmo morando numa grande cidade depende e está o tempo inteiro conectado com ele.

Vamos pensar, por exemplo, nas cidades da Mata Atlântica, floresta que a gente na SOS Mata Atlântica trabalha diariamente para conservar e recuperar. Mais da metade das cidades brasileiras, incluindo boa parte das capitais e regiões metropolitanas mais habitadas, estão em áreas de Mata Atlântica. Com isto, 145 milhões de pessoas, o que dá 72% da população brasileira, dependem dessa floresta para questões essenciais para a qualidade de vida, como a regulação do clima e o abastecimento de água. Mesmo assim, a Mata Atlântica está longe de ser unanimidade, né?

Quer saber se a sua cidade é da Mata Atlântica e o quanto restou de floresta nela? Então, vai lá no “Aqui tem mata?” para tirar a dúvida: aquitemmata.org.br

A gente escolhe a opção 4!

Recentemente, um dos maiores comunicadores do planeta, o cineasta Fernando Meirelles, aproveitou sua fala num congresso voltado para especialistas e cientistas da área ambiental para fazer um alerta sobre como a comunicação sobre o tema tem sido “biodesagradável e ecochata”, afastando ao invés de aproximar as pessoas de temas como a biodiversidade, conservação ou mudanças climáticas.

“Cientistas precisam aprender a se comunicar com o público por meio de histórias e não de estatísticas. Não adianta falar que um sapo está ameaçado de extinção se a pessoa que está ouvindo não sabe nada sobre a história daquele bicho. O cara não está nem aí pro seu sapo. O que pega as pessoas é o recado emocional. Se o sapinho não tiver nada a ver comigo, não me interessa. O único jeito (de engajar as pessoas) é contar histórias.” Fernando Meirelles

Se o Leo trocou uma ideia com o cineasta antes de subir ao palco do Oscar a gente não sabe, mas que ele fez direitinho ele fez, hein?

O Observatório do Clima, rede que reúne entidades para discutir a mudança climática no Brasil, foi um dos primeiros a aproveitar a bola levantada pelo DiCaprio para dar mais repercussão a sua mensagem. Por isso, a gente foi conversar com eles sobre o desafio de comunicar temas ambientais.

Alerta textão! Respira e vai lá, porque vale a pena:

Explica, mas descomplica

Todo mundo acha que é muito fácil comunicar sobre meio ambiente — afinal, quem não é a favor da natureza? Só que falar sobre o meio ambiente vai bem além de ser o Capitão Planeta. A gente precisa atingir o público, e não tem um público limitado como um produto ou uma marca. Todos os dias a missão é explicar -> ser compreendido -> gerar mobilização. “Salvar o planeta” começa com a responsabilidade individual e vai até o nível de cobrança a governantes e legisladores. É aí que mora o problema.

O ideal seria vincular todos os temas que trabalhamos ao cotidiano das pessoas. Foi fácil falar da importância da preservação de mananciais e dos riscos de escassez de água num ano de crise hídrica que deixou muita gente com a torneira seca, por exemplo. Mas será que a gente só vai alcançar mais pessoas quando estiver diante das consequências mais graves do descaso?

A primeira providência a tomar ao comunicar uma causa ambiental deve ser definir um objetivo. Temos o vício de querer gerar uma ação, sem pensar no caminho que leva à mobilização. O primeiro problema é culpa nossa mesmo. Com o nosso nível de entendimento sobre o assunto, que vem com o tempo, nós (comunicadores da área) esquecemos que quando éramos “pessoas normais” e não conhecíamos termos técnicos nem sabíamos fazer uma relação lógica entre os assuntos ambientais e o nosso cotidiano — aqui eu coloco a culpa nos comunicadores anteriores a nós. Aí falamos nós para nós mesmos e expandir o alcance fica bem difícil.

O outro problema é o alarmismo, provavelmente uma estratégia que deu certo em algum momento, mas agora é ultrapassada. Afinal, o mundo não acabou até hoje, né? Muitas vezes as informações sobre meio ambiente servem apenas para indignar e não nos preocupamos em revelar o segredo para uma mudança acontecer de verdade. E nem sempre sabemos esse segredo, mas é bom pesquisar.

Por mais que notícias que alertam para riscos sejam mais compartilhadas (digo empiricamente, pelo que vejo nas redes do Observatório do Clima), não se pode abusar do alarmismo para fazer a informação virar ação. É claro que ninguém (tá, quase ninguém) é a favor de derrubar árvores, mas poucos sabem de fato o que podem fazer para contribuir com o fim do problema. Nem todo mundo vai ser ativista. Mas o que faz diferença de fato é a mobilização política, que muitas vezes só vem com pressão e fiscalização da sociedade.

Trabalhando com mudança climática, são vários os desafios. Primeiro fazer entender que já é um consenso científico que o aquecimento do planeta é causado pela atividade humana (97% dos cientistas no mundo já concluíram isso). Estamos em 2016 e ainda tem gente que perde tempo negando o aquecimento do planeta e espalhando desinformação (aqui alguns argumentos para usar contra esses chatos).

Depois, explicar o que causa esse aquecimento. Essa parte já não é fácil. Mas difícil mesmo é explicar o que pode ser feito para interromper esse aquecimento e o que já não é possível fazer e temos que enfrentar.

No Observatório do Clima, temos nos esforçado para deixar o tema mais acessível às pessoas além da comunidade científica e ativistas ambientais. Se quiser se divertir e ajudar a gente, dá uma olhadinha no manual “Como falar sobre clima”, publicado pelo Instituto Arapyaú. Ainda não tem fórmula mágica, mas estamos tentando.

Cíntya Feitosa
Jornalista do Observatório do Clima e especialista em Relações Internacionais pela UnB

Que a gente fala difícil e precisa mudar o tom já ficou claro. Temos muito o que melhorar e a gente quer aproveitar esse espaço no Medium justamente para aprender mais e com a ajuda de vocês. Dito tudo isto, agora a gente quer ouvir você. O que você pensa sobre isto? E mais: que histórias e assuntos você quer ver a gente contar por aqui?

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SOS Mata Atlântica
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Uma ONG que atua em favor das florestas, mar e cidades, trabalhando pela melhoria da qualidade de vida das pessoas :)