Editorial | O jornalismo neste Brasil varonil e racista

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por Jerônimo Feitosa

Também publicado no site do SP Norte, em novembro de 2017

Tão grande quanto as dimensões geográficas do país e o contingente populacional é o racismo no Brasil. Outrora velado, com o advento das mídias sociais, explicitou-se. Uma massa de usuários de redes sociais expõem opiniões e conteúdos de cunho difamatório dignos do nazismo e fazem as vezes de tribunal da inquisição, não medindo esforços para desonrar a vida de qualquer pessoa que não caiba dentro de seus valores — recalcados.

E essas pessoas não estão distantes de você ou de mim. Muitas vezes são amigos ou parentes acima de qualquer suspeita, profissionais respeitados de ampla visibilidade na mídia ou pais e mães de uma família “perfeita”, dentro da “moral e dos bons costumes” — pelo menos no perfil da rede social.

E há poucos dias William Waack, um dos mais respeitados jornalistas brasileiros, viu sua carreira abalada por meia dúzia de banalidades ditas há cerca de um ano “em tom de brincadeira” no intervalo de uma transmissão ao vivo. Na “pegadinha” do microfone aberto, expurgou o que nós fazemos todos os dias em casa, no trabalho e nas rodas de amigos: inferiorizar os vulneráveis. E algum desafeto se vingou.

O caso Waack, porém, aponta um “racismo estrutural que compõe a sociedade e as instituições brasileiras, e que vende a ideia de que o racismo só é manifestado a partir de ofensas e xingamentos”, conforme afirmou a coluna Intervozes da Carta Capital on-line em 13 de novembro.

De acordo com a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º — inciso XLII, a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.

O historiador e professor da Unicamp, Leandro Karnal, levanta a hipótese: “Quando alguém me questiona e diz ‘mas não é muito, já que homicídio não é inafiançável nem imprescritível’, é para pensar que se o Brasil conseguiu pensar essa pena, que é a maior do mundo para racismo, é porque realmente nós estamos lidando com um país profundamente racista”.

Num momento em que o Presidente da Associação Paulista de Imprensa, Sérgio Redó, declara ao SP Norte que o jornalismo “vai se reinventar” e ressalta o poder de “algozes” que usuários das redes sociais podem ter — sem qualquer oportunidade de defesa do réu –, nós jornalistas precisamos repensar maneiras de utilizar o poder que temos como formadores de opinião pública.O mundo vê crescerem posições extremistas que propagam discursos de ódio e violência — que nitidamente já estão ultrapassando o campo ideológico e chegando às vias de fato.

Em quase duas décadas de século XXI, há gente que continua fazendo vítimas por achar que seu Deus é melhor que o do outro; questiona-se se abuso sexual é crime; e dias da Consciência Negra ou do Orgulho LGBT tentam pedir urgência em políticas por direitos de igualdade na sociedade brasileira — a qual, aos desavisados, nunca foi totalmente branca, nem puramente hétero, tampouco virtuosamente cristã.

Nós somos o país da pluralidade. Nesse processo de reinvenção, que os jornalistas não se esqueçam de se pautarem nos valores com os quais se comprometeram no rito de passagem da academia para a vida profissional. “Atuar dentro dos princípios universais de justiça e democracia, garantir principalmente o direito do cidadão à informação. Buscar o aprimoramento das relações humanas e sociais, por meio da crítica e análise da sociedade, visar um futuro mais digno e mais justo para todos os cidadãos brasileiros.”

foto: Marcos Santos/USP Imagens

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