Editorial | O poder da mulher incomoda

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por Jerônimo Feitosa

Também publicado no site do SP Norte, em março de 2018

É um tanto ridículo chegarmos perto da terceira década do século XXI ainda falando sobre luta por direitos. O direito de não apanhar de um homem fisicamente mais forte; o direito de não sofrer abuso no transporte público; o direito de casar-se com quem bem entender; o direito de ter um salário melhor; o direito de expressar no corpo a própria religião (ou abster-se de ter que acreditar em qualquer coisa sobrenatural); o direito de ocupar cargos diretivos; o direito de vestir-se como queira; o direito de ser dono do seu corpo, o direito de fazer trabalho braçal.

Embora esses “direitos” sejam para todos os cidadãos, hoje o foco é nas mulheres. Ontem foi seu “dia”. Seu dia? Por que é preciso ter uma data marcada para lembrar a sociedade que é preciso bater no peito o orgulho de ser mulher? A resposta é simples e pode ser equiparada ao racismo. Ele nunca deixará de existir até o dia em que não precisemos mais falar sobre isso.

Outro dia, ouvi, em tom de brincadeira, uma piada sobre o empoderamento feminino. “Não sei o que elas querem. Para que mudar uma tradição de tantos séculos?” Tantos séculos de submissão, abusos ferrenhos dentro da própria casa e uma constante omissão para preservar a imagem do agressor perante a sociedade. Além disso, e talvez o pior, superar a incredulidade sobre sua força intelectual (até mesmo de outras mulheres) perante o mundo.

O compositor Douglas Germano escreveu a emblemática canção “Maria da Vila Matilde”, em que aquela Maria eleva sua voz sobre os desmandos do agressor com quem ela se relacionava. Na canção, Germano replica a violência doméstica que viu em sua própria casa. “Você vai se arrepender de levantar a mão para mim. Cadê meu celular, eu vou ligar pro 180” é o verso principal e que deve ser o grito de guerra das mulheres de todo o país contra o machismo velado que persiste em escorar-se em nosso cotidiano, mostrando suas perigosas garras ao menor descuido.

A quem acredita na falsa afirmação de que somos um país tolerante, sinto dizer. É hora de pensar fora da sua caixa. O Brasil tolera o que convém. Nos bastidores, a coisa é bem diferente. As estatísticas apontam nosso país como um dos mais violentos do mundo em questão de raça, gênero e religião.

Quinhentos mil estupros por ano, com cerca de 70% das vítimas tendo como agressores pessoas próximas; dez estupros coletivos diariamente; somente 15,7% dos acusados presos; quase 5 milhões de denúncias na Central de Atendimento à Mulher, desde sua implantação em 2005 (fone 180, não é por acaso que está na música).

Tudo isso gera vergonha, omissão, medo de assassinato, medo de encarar a sociedade. O que vão pensar de mim? Eles vão pensar que o poder feminino incomoda, então é melhor você ficar calada para não abalar as estruturas de uma sociedade com números medievais em meio a tantos avanços.

O que nos dá um alento é que, em meio a toda essa banalidade, há para quem gritar. Seja a voz que tantas mulheres gostariam de ter.

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