conto do assassino
eu fecho os olhos e sinto o calor que desce molhando meu corpo.
se abro, ele está em minha frente, me olhando com o mais doído dos amores.
eu sei, foi tudo sem querer. mas cá estou, já não consigo respirar bem.
por mais que exista, agora, um perdão a ser dado, já não tenho mais forças.
é só o beijo da morte, o beijo do assassino, que vem tocar minha pele.
o beijo do amor que deu errado. o beijo errante que demos no outro.
o desespero dele ao me ver indo, me mata um pouco mais devagar.
a dor é o resto de vida que me resta.
ele abraça meu corpo, mas já não sinto o toque.
nós dois já sabemos que só assim isto terá fim.
a poeira ao redor, no quarto escuro, o chão de taco já úmido.
o fim do meu sufocamento vai chegando ao fim.
o lamentar do choro já é silencioso.
eu estou morta, eu sei, ele sabe.
meu assassino se levanta, vai embora, meu amor vai junto.
agora podemos seguir nossos caminhos.
meu corpo lá continua, pálido, perdendo as últimas centelhas de calor.
até que aos poucos vou fazendo parte daquele cenário, apenas como objeto.
vou me pertencendo àquela cena de horror, àquela mobília.
enraizada no fundo desse quarto cheio de lembranças e esquecimentos.
é tudo só memória, assim como eu. e ele sabe.