Nossa primeira aventura no espaço: o satélite Sputnik

Ricardo de Ávila Mesquita
Space Talks
Published in
6 min readApr 16, 2023

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Das narrativas que lemos aos roteiros dramáticos de filmes, toda boa história tem um começo, seja ele simples, ou desde o início já seja uma explosão de emoções. Não é diferente com a exploração espacial, que mesmo antes de existir já excitava o imaginário de toda a humanidade: o excelente autor francês Jules Verne escreveu, no século XIX, um livro em que homens vão à lua ao serem atirados de um canhão (“Da Terra à Lua”, do francês “De la Terre à la Lune”), e no ano 1902, saía o filme “Viagem à Lua” (também do francês, “Le Voyage dans la lune”), também com a humanidade alcançando a lua.

No entanto, a gênese de nossas aventuras no espaço não começou com a chegada à lua, feita pela missão estadunidense Apollo 11, em 1969. Claro, foi a primeira vez que uma pessoa chegou em outro corpo celeste, mas se essa foi a primeira vez em que pisamos fora da Terra, devemos nos lembrar quando estendemos nossos braços para fora do berço: o primeiro satélite artificial, o Sputnik 1.

Com seus simples beeps, o impacto deste satélite foi extraordinário em todos os sentidos. Seja política, ciência, tecnologia, senso comum, não é absurdo dizer que nada foi o mesmo depois de seu lançamento. Como pôde um mero objeto, modesto aos padrões de hoje, ter causado tão grande comoção ao redor de todo o mundo?

Figura 1: réplica do Sputnik 1.

À época de sua concepção, a Guerra Fria ia a todo vapor, e os Estados Unidos e a União Soviética lutavam entre si pela supremacia militar e pela hegemonia política no globo. Então, quando os estadunidenses anunciaram planos de desenvolver um satélite artificial — o Projeto Vanguard -, os soviéticos não tardaram a segui-los, mas foi necessário trabalho para convencer os chefes de governo.

Para isso, o argumento usado pelos engenheiros que visionavam o plano soviético, Mikhail Tikhonravov e Sergei Koroliov, era de que seria impossível não pensar em desenvolver mísseis que poderiam ser usados durante tempos de guerra — uma ambição surgida do uso dos foguetes V2 pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Figura 2: os dois engenheiros que convenceram o governo a aprovar o desenvolvimento do Sputnik 1 e foram chaves para o projeto, Mikhail Tikhonravov e Sergei Koroliov, respectivamente.

Aprovado o programa, vários órgãos do governo foram encarregados com aspectos específicos da operação e da fabricação do satélite. No caso, a Academia de Ciências foi a responsável por definir a missão científica do satélite. Afinal, o que ele faria? Qual seria seu objetivo?

Inicialmente, outro design seria lançado, o denominado “Objeto D-1”. Contudo, por múltiplas razões, seu lançamento foi adiado. Ainda visando serem os primeiros a lançarem um satélite, optou-se por lançar um outro satélite, o “Objeto PS”. Este seria posteriormente chamado de Sputnik, o “Companheiro de Viagem”. Apesar de apenas emitir uma série de beeps, sua forma e capacidades permitiriam afirmar qual seriam os dados obtidos pelo mesmo: a recepção dos sons poderia servir para analisar a propagação de ondas pela atmosfera, e seria estudada a densidade do ar na atmosfera a partir da resistência que ele sofreria.

O Sputnik era relativamente leve, com quase 83,6 kg, sendo que sua fonte de energia era responsável por metade de sua massa, e era mais simples de ser montado. Tinha uma estrutura circular, pela qual é facilmente reconhecido até hoje, com um diâmetro de 58 cm. Seu exterior era encapado por um escudo térmico composto por uma liga de alumínio-magnésio-titânio.

Figura 3: visão interna do Sputnik (réplica).

Por fim, no dia 4 de outubro do ano de 1957, no território do Cazaquistão (usado até hoje para lançamentos de foguetes), um foguete modelo R-7 (também apelidado de Sputnik) decolou carregando o satélite. Com o Sputnik completando sua órbita ao redor da Terra a cada 98 minutos, baterias permitiram transmitir os beeps por 22 dias, e, após três meses do lançamento, ele voltaria à Terra, se desintegrando pelo atrito com a atmosfera.

Figura 4: o foguete R-7, que levou o Sputnik até o espaço.

O sucesso da missão repercutiu por todo o mundo instantaneamente. O sinal transmitido era captado e gravado por radioamadores de todos os países (áudios estão disponíveis no youtube, e é impossível não sentir algo com o som, tão simples mas tão significativo). Dada a época de tensões, era impossível não pensar que, afinal, ao invés de um satélite, os soviéticos poderiam armar o foguete com bombas nucleares, e, ao invés de atingir seus inimigos com aviões de bombardeio, seria possível usar um foguete, que poderia atingir qualquer ponto do planeta do espaço. Assim, foi deflagrada a Corrida Espacial.

Os Estados Unidos iniciaram uma série de experimentos pesados na área espacial e em outras áreas científicas e tecnológicas, e o sistema educacional foi revisto. Apesar do lançamento não ter sido uma surpresa para o alto escalão do governo, devido a informações fornecidas por aviões espiões, ficou claro que as capacidades da URSS foram subestimadas.

A União Soviética continuaria com a supremacia no espaço por um longo tempo, alcançando marcos como lançar o primeiro animal ao espaço (a cachorrinha Laika, que infelizmente faleceu durante o evento), o primeiro astronauta no espaço (o cosmonauta Yuri Gagarin), além de inúmeros outros. Apenas em 1969, com o pouso do primeiro astronauta na lua pelos EUA, a lendária missão Apollo 11, seriam decretados os estadunidenses vencedores da corrida (ainda assim, seria de má fé dizer que foi uma vitória total e fácil, já que, como dito, foram seus rivais que primeiro conquistaram vários marcos).

Figura 5: Laika e Yuri Gagarin, que viriam a se tornar, respectivamente, o primeiro ser vivo e o primeiro ser humano no espaço.

No âmbito da propaganda, é claro que foi uma vitória soviética, com o Sputnik celebrado como o triunfo de seus cientistas, e também, de seu sistema político comunista. O público dos Estados Unidos reconsiderou várias concepções que tinham sobre a URSS, porém menos em um sentido de admiração política. Por exemplo, como já foi mencionado, o sistema educacional foi transformado de modo considerável, com vista ao dos comunistas, com consequências que persistem até hoje.

Contemporaneamente, o Sputnik é celebrado mundialmente como o início da Era Espacial, e inspirou uma geração de cientistas e engenheiros. É impossível pensar em um modo de vida hoje sem satélites: do GPS à internet com a qual você está lendo este texto, seu legado persiste.

Figura 6: selo ucraniano de 2007, celebrando o Sputnik.

Fontes

https://history.nasa.gov/sputnik.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Sputnik_1

https://pt.wikipedia.org/wiki/Sputnik-1

https://en.wikipedia.org/wiki/Sputnik_crisis

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