A bolha da Branquitude.
É falta de "empatia"? Só empatia basta?
Esse vídeo é lindo, mas eu prefiro mil vezes ver essa criança exercendo o direito dela de só brincar e estudar.
E isso revolta muito! Eu não quero um futuro com crianças negras guerreiras e é por elas que a gente tem que guerrear hoje!
Postei isso no Facebook e algumas pessoas compartilharam, acredito eu que, na melhor das boas intenções. Esses compartilhamentos geraram comentários de pessoas que não me conhecem e eu também não conheço e que talvez por isso não tenham entendido o raciocínio do meu post (que talvez não se explique por si só também).
Um comentário que me chamou atenção foi esse:
Aparentemente uma pessoa muito sensata, né? De verdade mesmo. Ela entende que a rua quando ocupada por um protesto, uma manifestação, uma passeata não seja um local seguro para uma criança. Só que essa pessoa enxerga apenas na própria realidade. Como eu disse no post e repeti aqui "eu prefiro mil vezes ver essa criança exercendo o direito dela de só brincar e estudar". Ninguém gostaria que essa criança fosse pra rua. Eu não gostaria que houvesse essa necessidade de criar crianças conscientes de que a cor da pele influencia e condiciona muita coisa em sua vida. Eu sou negro e pretendo ser pai. Não é uma escolha, mas sei que vou ter que ter esse tipo de conversa com meus filhos e eles com meus netos. É horrível. É horrível isso ser necessário. E aí eu leio que os pais dessa criança (que provavelmente também são negros e se não são entendem a situação) são irresponsáveis. A culpa dessa criança ter que estar na rua é realmente dos pais ou da sociedade branca que não a permite ser criança? E essa conduta não é única dessa pessoa, é social.
Falta a branquitude se enxergar. Com certeza essa pessoa se considerou uma das pessoas mais bondosas, sensatas e bem intencionadas quando viu o vídeo, leu a situação e expos sua opinião. Houve empatia? Eu acho que houve. É triste ver uma criança na rua, realmente. Só que ela não pensou na realidade do outro. Ela se fechou na própria bolha. E se sentiu bem. É óbvio. Na nossa bolha a gente nunca está mal. E isso cria uma alienação gigante. Uma alienação que distancia as pessoas de todo cenário externo pra manter o seu conforto, ideias, convicções e o direito de se expressar.
As pessoas ficam tão por fora da realidade ao ponto de não perceberem o que acontece ao seu lado. Bem perto. E eu cito aqui novamente o comentário em questão:
"Ali não é lugar de criança os pais são irresponsáveis ela deveria estar protegida dentro de casa eu sou contra..."
"Ali não é lugar de criança" e eu concordo com isso, como já disse. "Os pais são irresponsáveis" ela exclui a responsabilidade dela enquanto indivíduo parte da sociedade (e fora da bolha) e baseada na sua própria realidade julga e condena os pais: errados. E se reforça o posicionamento "eu sou contra" diz. E aí vem a parte que eu queria apontar como ponto máximo da alienação do privilégio branco: "ela deveria estar protegida dentro de sua casa".
Aqui eu lembro de um caso que teve grande repercussão na mídia. No Complexo do Salgueiro, na Praia da Luz, em São Gonçalo-RJ, numa noite de um sábado, 18 de Maio (menos de um mês), João Pedro que tinha 14 anos foi baleado nas costas enquanto brincava protegido dentro da casa de seu tio. O caso é recente e aconteceu aqui no estado vizinho, bem mais perto do que Minneapolis, mas parece que a comoção já passou. A bolha faz isso também. Em busca do conforto pessoal ela te faz esquecer que você faz parte de um mundo onde coisas ruins acontecem próximas a você. Só que quando você esquece isso, você acaba cometendo esse tipo de injustiça. No caso a pessoa esqueceu que nem dentro de casa uma criança negra e pobre não tem a certeza de sua segurança.
Agora falando diretamente sobre a pessoa que fez o comentário: eu não a conheço, mas acredito que seja uma ótima pessoa com a família, com os amigos e com a sociedade. Acredito que seja alguém que ama e é amada com pessoa. Nesse texto não implico nenhuma opinião direcionada ao indivíduo, só quis através do comentário, falar um fenômeno social que enxergo nos dias de hoje. É um comportamento da sociedade, não só deste indivíduo que eu citei aqui. Não é nada pessoal e nem teria como ser.