Cuzco Vs Bora-Bora

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Israel Fonseca
Spiel des Djows
7 min readMar 18, 2024

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Batalha de Titãs.

Hoje não é review, hoje é comparação ácida como ha tempos não fazia. Como sabem (ou não), adquiri o Cuzco (retheme do clássico Bora-Bora) que vem nessa nova série City Collection da Queen Games. A ideia foi boa: jogos esgotados como Macao agora são acessíveis novamente além de terem um upgrade nos componentes e uma revisada nas regras pelo mestre Stefan Feld. A pergunta que fica é: são realmente upgrades? No evento de hoje, vou destilar o meu veneno, com spoiler antecipado: uma das piores produções já feitos em um jogo de todos os tempos.

Micro Overview

Bora-Bora é um clássico da alocação de dados, considerado por muitos o melhor Feld depois do mitológico Castles of Burgundy. O jogo, que tem uma pesada marcação, basicamente se baseia na seguinte premissa: existem 7 ações, que são mais fortes em função do valor do dado alocado, porém se já houver algum dado ali, você só é permitido usar aquela ação se seu valor for menor. E aí a maldade ta feita: com uma ordem de turno variável, é bem possível (e desejável) minar a ação do amiguinhos, com aquele delicioso Dado 1 na ação que ele queria fazer. Esse é o core da dinâmica do jogo, daí em diante é salada de pontos EURO™ e mais:

  • Contratinhos clássicos: você sempre tem 3 contratos em que você "deve" resolver apenas um por rodada, porém se não conseguir, deixa de ganhar pontos e descarta um deles. Punitivo, e que abre mais espaço pra marcação.
  • Controle de área no templo: o jogador mais a frente, ganha benefícios dos deuses (cartas que permitem quebrar regras do jogo, como a regra básica da alocação), e aqui você pode chutar o amiguinho que estava no templo com o número certo do dado.
  • Controle de área na ilha: essa até bem estranha, você pode construir cabanas em regiões na ilha, mas só o último a ter construído irá pontuar os peixes no final do jogo. Ou seja, é um modo velho-oeste em que cada um tem que esperar o momento certo para "sentar nos peixes".
  • Toda uma mecânica de adquirir mais homens e mulheres para a sua tribo (e que moram nas casas construídas da ação acima), para gerar ações extras em cada rodada (explicação hiper superficial, mas é onde o jogo de fato é vencido/perdido).

Basicamente é isso. No original o tema, com uma apresentação MUITO ACIMA da média típica vista nos antigões da Ravensburger, é sobre os habitantes das ilhas ao redor de Bora-Bora que estão tentando adquirir pontos de vitória através da pesca e artesanato, ao mesmo tempo que rezam para os Deuses dos Dados abençoarem as rolagens (ou quebrarem as regras do jogo). Nada demais, mas até simpático (e bem diferente do clássico comércio na Europa [que eu adoro. {risos}]).

A nova versão é quase exatamente o mesmo jogo, com algumas pequenas mudanças na forma que se pontua, alguns balanceamentos diferentes em outras contagens de jogador, um tabuleiro modular para maior variabilidade (mimimi) e a diferença mais relevante: mais cartas de poderes dos deuses, indo de 5 poderes diferente para 15 (3 por Deus). Essa sim uma mudança bem-vinda.

Cuzco: Me imagino embriagado, jogado no chão.

Mas vamos deixar claro: o novo jogo é um design melhor, acho que praticamente tudo em termos de regra é melhor, e mesmo a modularidade do mapa, que ao meu ver é desnecessária, mal não faz. O adendo de mais cartas de Deuses é bom, e agrega um tempero extra ao jogo. Dito isso, não é nada revolucionário, pensa que você tem um design no máximo, 20% melhor (Fonte: Arial 14). Mas por que estou falando tanto em design melhor? Por que é um produto horroroso, e impraticável para a maioria dos grupos. E agora, o veneno começa, pode pegar o café:

Esse é o setup mínimo, na minha mesa de 220x90 (muito maior que a maioria das mesas por aí). Efetivamente, usando 160 de largura.

"Ah, mas esta muito espaçado verticalmente"- Você me indaga. Veja bem:

Versão compactada, porém fica pior.

Bom, ainda não cabe, e a situação é pior: nessa nova versão, por causa do tema, estamos coletando penas e colocando no nosso cocar (tabuleiro individual). Então isso ocupa ainda mais espaço. Acompanhe no replay:

Só aí, para os jogadores de cada lado da mesa, vai mais 15cm de espaço INÚTIL.

Beleza, então precisa ficar espalhado horizontalmente, mas aí temos vários problemas:

  • Os contratos, ficam no tabuleiro lateral, razoavelmente longe de quem esta na ponta, dificultando a visualização.
  • Idealmente, as cartas de Deuses ficariam também na ponta, dificultando a coleta.
  • Os tiles de homem/mulher (fazendeiro/universitário no novo tema), também ficam lá.
  • Ordem de turno, trilha do templo, mercadorias. Tudo longe dos jogadores do canto.

E a solução não é tão fácil, pois se você tirar o tabuleiro central (onde acontece a movimentação/construção de cabanas), os jogadores vão ficar então longe das posições de alocação do dado (talvez ainda pior).

Vou ser honesto, o jogo apresenta vários "componentes" opcionais, destacáveis, que você pode remover (e até nem usar), para tentar fazer alguma disposição menos pior, mas isso claramente é uma gambiarra. Acompanhe no replay:

Você pode não usar o board das cartas, e deixar elas em outro lugar. Você pode remover o fundo do board principal (onde ficaria os recursos). E você pode destacar as ações e mover para outro local.

Funciona? Até ajuda, mas o sentimento de que você não está usando parte do jogo caríssimo que você comprou, por pura incompetência de UX é revoltante.

Outra coisa interessante de se mencionar: aquelas grandes áreas verdes no board principal não são usadas. Sim. É espaço morto, só pelo visual. As quinas do tabuleiro (as montanhas), seriam lugares para você deixar os recursos do jogo. Espaço jogado no lixo, que poderia comportar tranquilamente para dos recursos que foram movidos para o tabuleiro adicional. Sério, chega a dar ataque de ansiedade pensar que ninguém se importou com isso.

E qual é a solução?

Numa Praia em Bora Bora: Agora!

80x80 é o bastante para acoplar o original (veja que o tabuleiro do Cuzco está por baixo). Pesquisei aqui e a famosa mesa Brahma de boteco até suportaria isso.

Ocupando efetivamente metade do espaço, com o board principal com todas as informações e a alcance de todos os jogadores, eu me pergunto: o que diabos passou na cabeça do pessoal na produção do Cuzco? Note ainda que 1/3 do tabuleiro dos jogadores, na verdade é um player aid, que idealmente eu até diria para ser separado, mas ainda assim, funciona de forma harmoniosa.

Um pequeno adendo que gostaria de mencionar, no original você coleta materiais para fazer fogueiras para os deuses (o pequeno quadradinho dentro dos tabuleiros de jogador). Na nova versão, isso foi um pouco alterado, para "aquisição de Penas no cocar". Eu particularmente acho que a versão nova, faz isso de forma tão abstrata (você precisa de penas de cores específicas, que depois te permitem virar um tile para ganhar pontos), que é até mais difícil de entender/explicar.

Verdade seja dita, talvez você não goste do tema, mas para um Euro de 2013 esse tava bem bonito. Fonte: BGG por maeddes maeddison.

Conclusão

Essa linha City Collection prometia trazer versões premium dos clássicos do Feld, mas a verdade é que vem errando duramente: Amsterdam e Hamburg (Macao/Bruges), vieram com inserts da Game Tray que eram menores que a caixa e que por isso acabavam abrindo/bagunçando os componentes. Os componentes da versão de luxo são em acrílico, que embora as vezes sejam interessantes (mercadorias do Amsterdam) muitas vezes só são feios:

Talvez até não seja um bom exemplo de feio, mas… é melhor que o papelão? E pior: vale 40 Euros (300 Reais) como extra?

Some isso ao incrível preço base de ~100 Euros (ou mais), cuja a razão é ter a fabricação completamente na Europa por motivos de "ecologia", você ficará ainda mais frustrado com uma produção tão porca. Infelizmente, quem esperava um novo Bora Bora, é melhor correr atrás da versão original. Para o grupo específico de pessoas com grandes mesas simétricas, circulares ou quadradas, talvez seja uma boa pedida caso consiga deixar os dois tabuleiros lado a lado. Porém, acho que isso não é a realidade de MUITA gente. Quanto ao jogo em si, ainda preciso jogar mais, mas eu diria que por enquanto é…

Nota 8, chamo a galera pra jogar. (Sistema de Avaliação Spiel des Djows)

…em função da boa dose de interação e uma pegada mais punitiva, diferente dos Euros fofinhos de hoje em dia. Porém, para o nosso amigo Cuzco só me resta então:

Selo Spiel des Djows™ para Melhor pior, dowgrade para um upgrade caro de um jogo que não tinha como sair errado.”

E para finalizar: provavelmente O Paralamas do Sucesso, grandes jogadores de Euro na década de 80, já profetizavam:

"Já não sou mais tão menino
Prá aceitar
um tabuleiro desse tamanho

Se vira
Queen Games! Ah!…"

Ou algo parecido.

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