Horseless Carriage: Cavalo Manco Mecanizado

Israel Fonseca
Spiel des Djows
Published in
6 min readJul 10, 2023

Horseless Carriage é o novo jogo da famosa Splotter, o primeiro jogo em 8 anos depois do hit internacional do Food Chain Magnate (nosso review AQUI). Eu amo o design teórico dos jogos da Splotter, e sempre tenho muito interesse em jogar tudo que é deles, porém como vocês bem sabem, não é um investimento barato. Como me mudei para Holanda, me dei o luxo de comprar esse novo lançamento, e literalmente pagar pra ver, até porque eles são Holandeses. Nada mais justo. Será que é bom?

A caixa é bem imponente.

O Contexto

Li o manual e como sempre achei muito interessante já que curto jogos de Tetris e a magia Splotter sempre me fisga: regras simples que de alguma forma geram um jogo ultra pesado. Fui fisgado. Como vocês bem sabem, FCM pra mim é apenas uma Nota 6, e fiquei na dúvida forte se arriscava de novo, ainda mais por que não é qualquer público que encara o jogo. Como arranjei um grupo que joga até High Frontier, consegui achar público para fazer um teste.

O Bom

  • O primeiro Splotter artisticamente profissional. Já vou polemizar, pois muita gente acha feio, coisa que de fato discordo (acho bonito mesmo) mas estou entrando num mérito não só subjetivo, mas objetivo mesmo. O tabuleiro modular do FCM realmente parece sacanagem, de fato tem cara de protótipo, agora o resto das coisas (arte das cartas, capa do jogo, itens) na verdade é muito bom. Aos demais jogos, basta abrir para ver que parece que foi algo feito in-house (e foi mesmo). Nesse caso, de fato temos um jogo que parece que foi feito profissionalmente, caixa bonitosa, com detalhes dourados, as artes dos componentes individuais são bem coerentes e ajudam no visual "planta-baixa, projeto" que o jogo se propõe a ser. É uma arte chata? Pode até ser, mas o jogo temáticamente se propõe a ser isso. Diga-se de passagem, os designer começaram o protótipo com a ideia de fazer um jogo sobre burocracia, eventualmente ele mudou para o que acabou sendo o HC, então o tédio faz parte do core.
Até as miniaturas de madeira dos carros, token de relógio, artes das trilhas. Não da pra negar que dessa vez está harmonioso. Mas fique livre para não curtir o estilo.
  • Talvez o melhor puzzle de Tetris que já joguei. Existe uma sacada muito interessante em como o jogo funciona, todas as peças estão disponíveis no momento 0 (você só precisa evoluir a tecnologia apropriada), e elas não tem custo algum. O único porém é que sua fábrica tem um espaço limitado, então se você sair pegando um monte de coisa para atochar na fábrica, certamente o espaço vai fazer falta depois. Parece básico, mas o puzzle de montar a fábrica (com todas as regras que não vou explicar aqui), é muito desafiador, e extremamente delicioso. Eu gostei tanto, que estou agora tentando projetar um jogo focado apenas nesse aspecto, em que o jogador planta os seus próprios problemas num Tetris de espaço bem confinado. Excelente demais… até que alguém começa a fazer perguntas sobre regras de alocação e você não lembra mais nada do que estava fazendo.
Que massaroca.

O Ruim

  • Fiddly até o talo. Pode até ser inerente a mecânica do polinômios, mas como aqui tem peça a rodo, e algumas bem pequenas (1x1), se você tiver algum problema motor, certamente vai ser um mini-inferninho. Some isso aos constantes upkeeps entre rodadas para atualizar níveis de tecnologia, repor carros, as janelas de venda que são BEM difíceis de tirar do tabuleiro e você verá que é um baita trampo.
Retirar essas janelas de venda (e até colocar) é um trampo bem chatinho…
  • Péssima diagramação do tabuleiro principal. O tabuleiro é gigante e o que realmente importa é o lado esquerdo onde os carros são vendidos. Do outro lado, são só marcadores de pontuação, ordem do turno e afins. Não consigo imaginar como não poderia ser possível deixar separado para facilitar a disposição nas mesas ou tentar incorporar esse tracks ao redor do board principal. O jogo ocupa tanto espaço, que quando joguei em 5p eu tive que juntar 4 mesas, algo simplesmente inviável para 99% da civilização humana (Fonte: Arial 14).
Parece que esta sobrando espaço, mas se estivesse só em 2 ou 1 mesa, ia faltar muito espaço para as fábricas que vão crescendo para qualquer lugar. Note como 50% do board principal é tracks que poderiam estar separados.
  • Não é viável jogar sem um insert. Sério, basta olhar a chuva de componentes desse jogo. É tanta coisa, que a caixa do jogo (que é grandinha) demanda bastante técnica pra poder ser fechada depois do unpunch de tudo. Durante a partida ter as peças agrupadas por tipo é essencial (até para remover algumas peças em função do número dos jogadores). Eu não consigo imaginar alguém jogando o jogo guardando tudo em zip-lock, simplesmente não consigo. Talvez tu vá fazer isso 1x na primeira partida, mas precisa de MUITA força de vontade pra fazer isso. Esse jogo me motivou comprar uma impressora 3D para fazer meus próprios inserts. Depois disso, melhorou 1000%, e ainda assim não tava BOM MESMO.
Só para chocar um pouco.
  • Quem explica vai ter péssimas partidas. As regras são simples, de fato, mas é tanta coisa ao mesmo tempo que é um baita desafio cognitivo, e vai gerar um caminhão de dúvidas de alocação de peças. Para o cara que está ensinando o jogo, vai ser impossível projetar sua fábrica enquanto tem que ajudar os demais com as regras, e depois ainda ver que algo passou batido de uma forma que teoricamente quebra duramente as regras do jogo. A chave de ouro vai ser o pessoal dizendo que você está demorando demais no seu turno depois de passar 20 minutos ajudando todo mundo a fazer suas jogadas.

O Cinza

  • Pesadíssimo e Longo. Cabeça vai sair frita, e vai ser 3 horas de fritura pelo menos.
  • Interação pesada, mas não é óbvia. Pra quem espera aquela facada no buxo que nem FCM, talvez não venha nas primeiras partidas. Saber como usar a tecnologia ao seu favor, ou a ordem do turno, é bem mais obtuso que FCM.

Veredito

Em um review passado comentei como Free Ride é uma produção vergonhosa, já que a comunidade no BGG em 1 semana de jogo sugeriu as melhorias que deveriam ter vindo de fábrica. Aqui é a mesma coisa. Esse jogo é impraticável sem um insert (mas meia boca se você tiver um) e tem um consumo de espaço que parece ser gigante por capricho. Infelizmente esse é mais um jogo que deveria ficar numa mídia digital (existem implementações no BGG).

Selo Spiel des Djows™ para "Exemplo de como não produzir um boardgame que até me faz esquecer que na verdade me diverti muito quando as pessoas não paravam de me interromper para tirar dúvidas."

Nota 6, me divirto mais que FCM (Sistema de Avaliação Spiel des Djows), na realidade até me diverti bastante, mas acho que poucos jogos no mundo me dariam mais preguiça de jogar do que esse aqui. É triste, mas é tanto ponto contra, principalmente o esforço do setup/desetup que simplesmente não acho que valha a pena. Se eu for convidado por um grupo que sabe jogar, e o AP estiver liberado, to dentro.

PS: Tive apenas 2 partidas, mas simplesmente prefiro investir meu tempo em outros jogos do que explorar esse aqui.

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