Innovation: Uma aula de ROI

Israel Fonseca
Spiel des Djows
Published in
7 min readDec 28, 2019

ROI, sigla inglesa para Return Of Investment, utilizado em finanças para avaliar qual a taxa de lucro recebido para determinado investimento. No mundo dos boardgames eu e o Cássio Nandi Citadin constantemente usamos esse termo para avaliar a qualidade de um jogo. No contexto dos boardgames, temos bastante investimento temporal até o jogo começar a brilhar:

  • Tempo para você vender a idéia do jogo para o seu grupo: O "Hype do bem" para deixar a galera engajada.
  • Tempo de setup do jogo: no Whistle Stop onde você precisa separar tiles específicos, em grupos específicos, para sortear e depois misturar tudo de novo é um exemplo.
  • Tempo de explicação do jogo: High Frontier, e seu peso 4.7, manda lembranças.
  • Curva de Aprendizado do jogo até ficar divertido: Muitos jogos não basta explicar e por na mesa para sair com aquele sorrisão na cara. Marco Polo e suas "viagens não óbvias", podem causar um gosto um pouco amargo numa primeira partida.
  • Relação Tempo de Partida x Divertimento: A interminável partida de Munchkin, que pode até não ser tão razo mecanicamente, acaba durando muito mais do que a diversão entregue.

Coloque na equação aquele R$ 700,00 de um jogo importado e é fácil ver como podemos acabar com uma bucha nas mãos. E, veja bem, ás vezes o jogo pode até ser barato, mas seu tempo é a coisa mais valiosa nessa vida, então aquele War com partidas intermináveis na promoção por R$ 60,00 pode ser uma cilada.

Tenho um jogo novo aqui, remake de um grande clássico. Se chama: WAR II.

E com isso tudo em mente, lhes apresento: Innovation. Um card game de R$ 60 que tem todas as características para um alto ROI.

Muito conteúdo para uma caixa tão pequena, e ainda cabe tudo sleevado, mesmo premium.

Innovation: Um Pseudo-Civ-Game que cabe no seu bolso

Este pequeno joguinho, do designer Carl Chudyk, criador do jogo mais pesado de todos os tempos: Mottainai, coloca os jogadores para serem os líderes de uma civilização que vai atravessas as eras desde a Pré-História até a Informação. Mecanicamente, isso é refletido em pilhas de cartas numeradas de 1 à 10 que refletem as eras da Humanidade, como Medieval, Renascimento e Iluminismo. O primeiro jogador que adquirir 6 conquistas vence o jogo, ou se acabarem as cartas da era 10, vence quem fizer mais pontos.

O jogo sugere esse setup, que com as cartas previamente ordenadas é muito rápido de se fazer. No meio desse “relógio das eras” ficam as conquistas, que são cartas aleatoriamente removidas das pilhas.

Vou resumir as regras gerais do jogo, já que são bastante simples: No início do jogo cada jogador ganha duas cartas da Pré-História e revelam simultaneamente uma para ser a carta inicial de suas civilizações. Aquele que escolheu a carta alfabeticamente mais próxima da letra A começa o jogo. Daí em diante você pode fazer duas ações entre às quatro diferentes no seu turno.

Comprar: Compra uma carta de um pilha de uma era menor ou igual à que você tem em sua mesa. Se não houver mais cartas naquela pilha, você compra da próxima era.

Baixar: Você baixa uma carta da sua mão e coloca na sua civilização. Não há custos, porém novas cartas de uma cor já existente sobrepõem a anterior formando uma pilha.

Conquistar: Você adquire uma das conquistas (que é a condição de vitória). Para isso, basta ter a quantia de pontos marcada na carta. Ou seja, para a conquista da Pré História, basta ter 5 pontos e uma carta da Pré-História (ou posterior) na mesa.

Dogmas: São os efeitos das cartas, e apenas por estes efeitos que você irá fazer pontos. Como nos outros jogos do Carl Chudyk, às próprias cartas são reutilizadas para vários fins no jogo e pontos nada mais são do que as próprias cartas cujo o valor é igual a sua era. Além de pontuar, as cartas servem em geral, para pegar mais cartas ou principalmente… atrasar o seu oponente.

Agricultura, uma inovação Pré-Histórica que pode ser usada com bons resultados até nos tempos modernos.

Peraí, você disse atrasar o seu oponente? Seria isso um eufemismo para… UM MALDITO TAKE-THAT PARTY? MUNCHKIN? LI ATÉ AQUI PRA ISSO?

Você está exaltado, segure-se uns instantes.

Nada de Não Me Toque: Tiro, Porrada e Bomba

É, o jogo tem muito Take-That. Confesso que apesar de ser um Euro Gamer, curto aqueles que são bem maldosos então isso me enche de alegria, mas imagino que possa incomodar quem realmente gosta de um puzzle solitário. No entanto o número de jogadores recomendado é 1x1 ou 2x2 e por causa dessa simetria, o sentimento de "estou sendo injustiçado" é bem menor, já que é um conflito direto entre os jogadores ou times. Se você não acredita em mim, fique tranquilo, o Rahdo aprova, e ele é um jogador “não-me-toque”.

Como funciona essas ações de interação com os oponentes? A primeira, mais agressiva, são as exigências, mas só podem ser realizadas em oponentes que tenham menos símbolos que você. O símbolo em questão é aquele que aparece no cantinho de cada bloco de texto.

A descoberta da Pólvora destruirá todos os seus castelos a menos que você se industrialize rapidamente. Você só pode exigir isso de jogadores com menos industrias que você.

A segunda interação, mais leve, são as que não são precedidas do termo EU EXIJO, nesse caso o único revés em ter a mesma quantidade, ou menos, dos símbolos é que os oponentes também irão usar esse efeito… e antes de você! Como consolação, você compra uma carta por eles terem usado seu efeito.

Dogmas devem ser realizados literalmente e não são opcionais. Com isso é possível obrigar seus oponentes a fazerem coisas que podem acabar sendo ruins. Vale arriscar?

E como conseguir mais símbolos já que as cartas ao serem jogadas sobrepõe as anteriores? Algumas cartas permitem que você deslize sua pilha de cartas de uma cor para direita, esquerda ou pra cima, e assim todas as cartas anteriores vão ter seus símbolos à amostra. Pronto, sua defesa está armada… ou seria seu ataque?

Se você quiser fazer role-play de Kim Jong-un ou Trump, sinta-se em casa. Note como as cartas deslizadas mostram os símbolos das cartas anteriores.

Conclusão

Com 105 cartas diferentes, cada uma com um Dogma distinto, é sempre um novo desafio tentar utilizar táticas inusitadas para virar uma situação ao seu favor. Outras tantas cartas, que são inúteis na maioria das vezes, volta e meia mostram o seu valor, lhe enchendo de orgulho ao conseguir fazer um bom uso delas. A medida que as eram passam, cartas mais poderosas surgem, sendo que o poder na era Informação é tão grande que você pode ganhar o jogo imediatamente ao utilizar alguns Dogmas. Isso já mostra as sutilezas da profundidade do jogo, como tentar ganhar o jogo cedo, enrolar pro fim e por aí vai.

Menção honrosa a carta I.A que é bem temática.

O tempo de jogo médio tem sido de 1 hora e 20 minutos tanto para 1x1 , 1x1x1 e 2x2 depois dos jogadores estarem calibrados. Nas primeiras partidas cheguei a levar incríveis 2:30, tempo de jogo grande, mas certamente esse não é o tempo usual, e vai ocorrer apenas nas primeiras partidas invariavelmente por causa da quantidade de texto nas cartas. O manual inclusive sugere que novos jogadores aprendam a jogar em partidas 1x1.

O aspecto de tableau building te da a sensação de que realmente você construiu algo, fazendo com que no fim do jogo você sinta que muita coisa aconteceu, ainda mais para um jogo tão "pequeno". O tema, como pode perceber pela sinergia dos nomes e efeitos, existe e agrega na experiência, mas não espere algo no nível de um Through the Ages. Longe disso. A arte no jogo, ou ausência dela, é funcional apenas, mas muito melhor que a versão original ou a cafoníssima versão da Iello, cujo só o verso era bonito. Confesso no entanto que para os padrões de hoje, acaba sendo um revés e que certamente afastará alguns jogadores por conta disso.

É impressionante como o modo em duplas é bom, praticamente no mesmo nível que o modo “recomendado” de 1x1, já que permite diferentes abordagens estratégicas, como um dos jogadores focar no suporte da equipe enquanto o outro corre atrás de fazer as conquistas. Jogos 1x1x1, funcionam quase tão bem, mas são um pouco pior. O lado positivo é que as exigências e efeitos afetam todos os oponentes, quando houver a maioria de símbolos conforme as regras normais, diminuindo a dor do "estou sendo visado pelos Take That de todo mundo".

Gostei muito do jogo, 9 fácil na metodologia BGG e só o tempo dirá se ele não merecerá um 10. Já tenho mais de 10 partidas em menos de 7 dias! Custando apenas R$ 60 reais, com um replayability lá no teto, uma portabilidade supimpa, setup de 3 minutos, explicação em 5 minutos, eu não poderia recomendar mais um jogo. O Return of Investment é tão alto que até tem gente do meu grupo interessado em comprar uma cópia repetida para a sua própria coleção. Vá sem medo e assim quem sabe a Ludofy traga as duas expansões que importam: Echos of The Past e Figures in The Sand. De qualquer forma, o jogo base é super sólido e vale muito a pena.

Wingspan, é assim que se faz um jogo com cartas "diferentes".

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P.S: Esse review não é pago, e me auto premio com o Prêmio Spiel des Djow de Melhor Jabá Gratuito Para Jogo Que Custa Menos que o Frete do Correios entre Sul / Nordeste para o Envio de Um Punhado de Feijões

P.S #2: Agradecimentos ao marcisufabiani por ter indicado mais essa pérola pra minha coleção, não é atoa que ele ganhou uma camiseta autografa do canal.

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