Cozinhando a sós

Natália Silva
8 min readJul 30, 2018

Minha história com a cozinha começou por um simples motivo: eu precisava comer. Não fui daquelas crianças que cresceu dentro da cozinha, ajudando a preparar receitas tradicionais da família que imigrou da Itália/Espanha/Alemanha ou qualquer outro lugar de onde as pessoas vieram para tentar a vida no Brasil. Não. A história é bem menos romântica do que isso.

Minha mãe sempre cozinhou bem, mas a cozinha era dela. Nem na decoração a gente opinava. A relação com a comida era bem prática boa parte do tempo e ela cozinhava para alimentar uma família de 4 pessoas sem muita invenção. Arroz, feijão, uma proteína, legumes e salada. De vez em quando surgia algo diferente, principalmente quando ela percebia que a gente gostava de um prato específico. Ou quando alguém ficava doente: aí todo mundo tinha que comer sopa.

Minha avó materna cozinha bem também, mas eu não comi muito a comida dela. Quando eu nasci, a maioria das refeições em família eram preparadas pela minha tia mais velha, que era minha cozinheira preferida naquela época. Eu adorava o torresmo e o charuto de couve flor com carne que ela preparava (isso vai soar esquisito mais pra frente). Minha avó paterna é baiana e, claro, faz comidas apimentadas e com ingredientes que paulistas não estão tão acostumados a usar, como carne de sol e amendoim, o que enriqueceu o meu paladar.

Foram essas três mulheres que mais me alimentaram conforme eu crescia. E muitas outras das os pratos eu não me esqueço e reproduzo sempre que posso com adaptações, já que aos 20 e poucos anos eu virei vegetariana. E foi aí que toda a minha relação com a minha alimentação e com a comida mudou.

Eu comecei a considerar o vegetarianismo quando decidi sair de casa. Há anos eu já tinha gradativamente reduzido a quantidade de carne que consumia e comecei a reparar que eu comia mais porque “estava ali” do que por realmente gostar. E eu não conseguia me imaginar preparando a carne, colocando a mão nela crua e temperando. Não gostava nem de ver minha mãe fazendo isso. Se eu sentia o cheiro do frango cru ou via algum passo da preparação, por exemplo, eu perdia o apetite. Então qual era o sentido de comer carne, se eu não teria coragem de prepará-la, muito menos de matar um animal? Não tem sentido. Eu não prego o vegetarianismo para toda a humanidade, mas foi isso que mudou minha relação com o que eu coloco no meu prato. Se eu não tenho coragem de matar, eu não como. “Mas Natália, você também não planta a batata que você come”. Não, eu moro em São Paulo, uma cidade onde grande parte da população não produz a própria comida por diversos fatores, mas juro que eu teria coragem de plantar e colher uma batata.

Quando me mudei, tive que aprender a cozinhar do zero. Eu tinha visto minha mãe preparando arroz, feijão, molho de tomate, omelete… essas coisas básicas para um ser humano médio sobreviver por algumas semanas. Mas foi minha vez de fazer as coisas. De aprender o tempo que o arroz demora para ficar pronto e não grudar. De entender que se eu cortasse alho iria lembrar disso por algumas horas. De conseguir cozinhar o feijão na panela de pressão sem ficar vigiando-a por 20 minutos com medo de explodir. Quanto mais eu aprendia a cozinhar, mais livre eu me sentia. Se tivesse um pouco de arroz, um ovo e algum legume em casa, eu conseguia me alimentar bem, sem depender de um delivery ou alguma comida plastificada ou enlatada.

Na minha casa nova, muitas noites de sexta-feira e sábado eu passei na cozinha, preparando algo com o meu namorado. Desde pratos rápidos, porque precisávamos sair ou estávamos com preguiça, até reproduções de pratos mais complexos que vimos em algum restaurante por aí. Cozinhar e comer é o nosso lance. Até nos nossos piores dias, comemos bem. Os domingos serviam para fazer marmita para semana inteira, o que fez com que a gente não só economizasse muito dinheiro, mas aprendesse a cozinhar pratos mais rápidos e práticos. Foi nesses dias que o que aprendi com a minha mãe, parando ao lado do fogão para contar sobre o meu dia enquanto ela cozinha, me ajudou muito. Não precisa preparar uma massa fresca com molho de tomates orgânicos e manjericão colhido na sua própria horta para cozinhar, não. Tem dias que a comida precisa mesmo ser prática, matar sua fome e te deixar de pé para chegar no final do dia bem, saudável e de bom humor (sim, não queira me ver com fome).

Mas, apesar de ter aprendido muita coisa do zero, eu tinha algo a meu favor: quando eu me mudei, ganhei todos os utensílios de cozinhas básicos. Eu tinha panelas boas. Frigideira. Facas que cortavam bem. Talheres, pratos e copos o suficiente para oferecer um jantar para 6 pessoas. 4 bocas de fogão. Um forno decente. Micro-ondas. Liquidificador. Processador. Isso facilitou muito as coisas e me tirou a desculpa de não ter como cozinhar. Mas, depois de mais um menos 1 ano e meio morando longe dos meus pais, decidi ir para longe da minha própria casa também. Passei 6 meses em Amsterdam, fazendo um intercâmbio. Quando eu sai do Brasil, a comida não me preocupava. Eu sabia que eu sabia cozinhar e a fome não me mataria.

Me mudei para uma acomodação estudantil, um espaço de menos de 30m² divididos entre cama, armário, mesa, cozinha e banheiro. De todas as coisas que podem assustar pessoas que mudam de país nos primeiros dias, as minhas com certeza não estão entre as mais frequentes:

  • Ir no supermercado
  • Ter somete os seguintes utensílios de cozinha: um fogão elétrico com duas bocas. Uma faca minúscula, mas afiada. Duas facas com serra. Um garfo. Uma colher pequena e uma colher grande. Uma colher de pau. Uma espátula. Um prato grande. Um prato pequeno. Uma panela. Uma frigideira. Um copo.

Eu conhecia o supermercado perto de casa no Brasil como a palma da minha mão. Eu sabia exatamente o que comprar, a quantidade que precisava para alimentar duas pessoas durante uma semana, como escolher as frutas e os legumes. A primeira vez que eu entrei num supermercado em Amsterdam, saí chorando. Não sabia por onde começar a comprar as coisas, nem o quanto eu devia comprar para que nada estragasse. Eu não conseguia encontrar coisas que estava acostumada a comer no Brasil.

Chegando em casa e encarando aquelas duas bocas de fogão elétricas, que eu aprendi a desgostar menos com o passar das refeições que tirei ali, eu tinha vontade de chorar de novo. Comida, para mim, precisa de fogo. É tudo calor, eu sei. Mas controlar a temperatura em um fogão elétrico não é tão simples assim. E a quantidade limitada de utensílios domésticos, comparado ao que eu tinha no Brasil, também me assustava. Eu comecei a me questionar se eu realmente sabia cozinhar no final das contas.

O tempo longe do Brasil me ensinou muitas coisas valiosas, que eu poderia dividir em textos sobre temas diferentes, desde as vantagens da solidão até como nós devíamos valorizar mais o clima do nosso país. Mas, nesse texto aqui eu quero compartilhar o que eu aprendi cozinhando para uma pessoa só com poucas ferramentas. Isso pode ajudar aqueles que usam a falta de utensílios como desculpa para depender do delivery, ou quem não cozinha porque “fazer comida para um só é ruim”.

1) Poucos ingredientes, muitos pratos

Quando eu cozinhava com o meu namorado, nós raramente repetíamos os mesmos ingredientes de um dia para o outro. Quando você está sozinho, os ingredientes que você compra demoram mais para acabar, então você tem que fazer escolher ingredientes versáteis para que nada estrague no armário ou na geladeira. Se eu comprava brócolis, por exemplo, sabia que podia fazer arroz com brócolis, macarrão alho e óleo com brócolis, omelete com brócolis, salada de brócolis e (insira aqui todas as possibilidades que existem com brócolis). Eu me acostumei a comer o mesmo ingrediente durante uma semana ou até que ele acabasse. Raramente algo estragou.

2) Uma panela, uma frigideira e todas as refeições

Eu decidi que não compraria mais utensílios domésticos, já que o tempo em Amsterdam era curto e eu queria me desafiar e cozinhar com menos. Minhas refeições eram pensadas para serem feitas com 2 panelas e duas bocas de fogão. Eu senti saudades todos-os-santos-dias do fogo, das 4 bocas e do forno e das minhas panelas, mas dá para se alimentar bem com menos do que isso também.

3) Tenha poucas coisas, mas boas

Depois desse tempo fora, minha relação com os meus pertences mudou muito. Eu trouxe poucas coisas para Amsterdam, então além de aprender a cozinhar com menos, eu também tinha menos roupas, por exemplo. Aprendi a viver com menos em diversos aspectos e entendi que, no final das contas, precisamos mesmo de coisas boas. Então, se você estiver pensando em comprar seus utensílios de cozinha agora, seja minimalista. Faça uma lista de coisas básicas que você precisa e procure comprar coisas de qualidade. Você vai usar muito e provavelmente pro resto da vida (no Brasil, eu uso panelas nas quais vi minha mãe cozinhar quando eu era pequena).

4) Você merece comer bem

Comer é uma atividade social. Eu não gosto de comer sozinha. Nas primeiras vezes que fiz isso aliás, assistindo uma série da Netflix ao invés de olhar um ser humano na minha frente comendo, chorei (repare que eu chorei um bocado). Quando eu precisava comer sozinha no Brasil, normalmente preparava algo rápido, que eu pudesse comer rápido também. Eu tinha vontade de cozinhar coisas realmente boas e elaboradas quando podia dividir com alguém. Mas não dava para passar 6 meses comendo rápido ou chorando. Aprendi a preparar coisas que eu realmente gostava de comer para mim mesma. Aprendi também que eu conseguia comer assistindo uma série ou um vídeo interessante no YouTube sem chorar. Mas se você tem a opção de comer com alguém, por favor, o faça.

5) Independência ou fome

Imagina só se alguém tivesse que respirar por você e, se essa pessoa resolvesse que não ia mais respirar, você morresse. Se você não souber cozinhar nem o básico, vai sempre depender de alguém. Seja de um outro ser humano disposto a cozinhar por amor ou por dinheiro, ou de grandes empresas que embalam coisas que parecem comida para você aquecer e comer. A Paola Carosella, em uma entrevista muito boa para o Nexo Jornal, disse que as pessoas não precisam aprender a cozinhar tudo (eu, por exemplo, não faço ideia de como preparar uma carne), mas aquilo que elas comem. Faça uma lista de algumas coisas básicas que você precisa aprender para se virar e dos pratos que você gosta de comer. Se você, assim como eu, gosta de cozinhar para os outros, tente descobrir o que (insira alguém querido) gosta de comer.

Aprender a cozinhar, mesmo que seja só o básico, vai mudar a sua relação com a comida. Você vai respeitar mais o que vai no seu prato, entender melhor os processos por trás daquilo que come e vai dar mais valor quando alguém preparar algo para você. Pode ser que isso mude a sua vida, como mudou a minha.

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