O Efeito Pottasch

João Pedro
eLab Started
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7 min readSep 17, 2018

O ano de 1975 até pode parecer uma data comum (para alguns talvez seja), porém, para a marca norte-americana de refrigerantes Pepsi, foi o ano em que o jogo virou.

Sofrendo de uma grave crise de identidade e da perda de grandes parcelas do mercado para sua maior competidora, a Coca-Cola, disputar diretamente com a gigante rival nunca foi suficiente. Ainda que seus refrigerantes de cola fossem quase quimicamente idênticos e uma Pepsi fosse vendida a praticamente metade do preço de uma Coca-Cola, a proporção de vendas se mantinha em 1 para 6. Continuar com a mesma estratégia não era suficiente para os novos planos da Pepsi e a simples propaganda já não funcionava mais, com cada campanha se provando menos eficiente frente às estratégias da Coca.

Em 1963, como tentativa de solucionar o problema, a Pepsi contratou Alan Pottasch, um jovem publicitário executivo encarregado com a simples missão de segurar a barra que é concorrer com você, uma das marcas de maior sucesso de todos os tempos, a Coca-Cola.

Derrubando todos os forninhos, Alan teve o brilhante insight — que mais tarde se tornaria icônico e não coincidentemente tema deste artigo — de que, em suas palavras:

“…é hora de parar de falar sobre o produto, e começar a falar sobre o usuário, focando na imagem daqueles que compram, ou que deveriam estar comprando.”

A campanha de Pottasch, chamada de Pepsi Generation, foi revolucionária e trazia Michael Jackson como estrela principal. A Pepsi tornou-se a primeira marca a convencer pessoas a comprarem seus produtos invertendo o foco da propaganda para o usuário e não para o produto em si. Foi a primeira marca a vender não só um produto, mas também uma versão melhor do consumidor, trabalhando diretamente em como este seria percebido pelos outros ao seu redor.

Fonte: https://vallieegirl67.com/2014/09/28/pepsi-the-day-michael-jackson-invented-the-pop-marketing-future/

Ainda que nos seus primórdios e engatinhando, a campanha de Pottasch acendeu a faísca que atrairia a atenção de muitos estudiosos e gigantes multinacionais para um novo e promissor campo, que nos anos seguintes viria a se tornar uma potência dos assuntos de negócios.

O conceito iniciado por Pottasch, mais tarde consolidado como Experiência do Consumidor, engloba todo tipo de percepção e associação que o mesmo tem em relação a uma marca através de cada interação, seja online ou offline, positiva ou negativa.

Etapas da experiência do consumidor. Fonte: https://wotsthebigidea.com/identify-customer-touchpoints/

A soma de todos esses fatores reflete a experiência geral de como o cliente se sente em relação à empresa e suas ofertas. Por isso, todo o processo de exposição da marca deve ser mapeado, pensado, discutido, organizado e usado estrategicamente.

O Relatório Global 2015 de Serviços para o Consumidor Multicanal da Parature/Microsoft apontou que 68% dos consumidores pararam de fazer negócios com uma marca devido a uma experiência digital que tenham considerado “pobre”, tamanha é a importância da interação do usuário.

“Até 2020, a experiência do cliente superará o preço e o produto como o diferenciador-chave da marca. 86% dos compradores pagarão mais para terem uma melhor experiência.”

- CEI Survey

Em uma sociedade em que os consumidores tornam-se mais conscientes a cada compra, pessoas já não compram apenas pelas funções ou pelo que imaginam que o produto é capaz de fazer. Marcas de sucesso são aquelas que fornecem ao consumidor a oportunidade de se sentir como ele deseja se sentir a respeito de si mesmo, de modo que o produto seja uma extensão do próprio comprador.

“Eu não sou quem eu penso que sou; Eu não sou quem você pensa que sou; Eu sou quem eu penso que você pensa que sou.”

- Charles Cooley

De carona na Economia da Aprovação (Approval Economy), conceito que pode ser facilmente sintetizado pela frase de Cooley, é a ideia de que aspiramos nos tornar aquilo que os outros assimilariam com uma figura d e s c o l a d a. É sobre isso que as marcas depositam seus esforços e constroem estratégias para agregarem valor à sua imagem. Em vez de tentar persuadir por meio da razão, a propaganda apela para as emoções: atuando por meio da criação de associações positivas entre o produto vendido e não só sentimentos inocentes, como amor e a felicidade, mas também sentimentos tendenciosos, massageando o ego e enviesando percepções de autorrealização. Tais associações crescem e tornam-se mais sólidas com o tempo, enquanto se proliferam e se enraízam sobre alguns aspectos culturais, de modo a criar percepções favoráveis sobre o produto e tornar o consumidor mais inclinado a efetuar a compra.

O processo chamado de cultural imprinting (imprinting não do tipo que o Jake sente no final de Crepúsculo, se é que alguém ainda lembra da saga) é utilizado como um mecanismo publicitário que, ao invés de tentar influenciar individualmente nossa mente ao sedimentar uma mensagem, tenta provocar mudanças no cenário cultural e seus significados. Estes, por sua vez, mudam como nós somos percebidos por outros quando fazemos uso de um produto.

Esse conceito parte do pressuposto de que pessoas em uma sociedade não apenas sabem e entendem das hypes do momento, mas confiam que outras pessoas também as estão acompanhando e seguem imersas nas tendências e acontecimentos (inter)nacionais.

Um bom exemplo dessa crença de que os outros possuirão repertório suficiente para compreender o cenário e o contexto pode ser encontrado logo no começo desse texto, quando assumi que o leitor entenderia a referência musical “missão de segurar a barra que é concorrer com você”pagode é afinal uma das poucas instituições no Brasil que funcionam, junto com memes, e, ainda, memes sobre pagode.

Os maiores exemplos de empresas que dominam a filosofia do Customer Experience hoje são grandes marcas como Nike, Amazon e Netflix. Algumas delas já deram um salto na relação com seus consumidores através dos meios digitais, ao elevar o conceito de experiência do consumidor a um patamar bastante elevado: valorizando-o e utilizando-o para reforçar a identidade do negócio, oferecendo serviços completos e alinhados com as expectativas criadas e até mesmo redesenhando seu modelo de negócio.

A Netflix é um ótimo exemplo. O serviço de streaming online, além de nos convencer a pagar por conteúdos que poderiam, mesmo que ilegalmente, ser encontrados de graça (grande abraço, megafilmeshd.net), conquistou seu espaço entre os brasileiros e contribuiu para a criação de alguns de nossos melhores memes. A famosinha das séries nos seduziu com sua comodidade de, com apenas alguns cliques, ter acesso a um catálogo extremamente vasto (o que, diga-se de passagem, é o pesadelo dos indecisos).

Como se tudo isso não fosse suficiente, a Netflix soube se relacionar na internet com o brasileiro, que viu nos perfis da plataforma uma companhia receptiva, a qual não só responde os usuários mas também faz várias piadas, está por dentro dos acontecimentos e, principalmente, aparenta ser uma amiga — isso mesmo, amigA, exatamente como ela se define.

E quem somos nós pra dizer o contrário?

Para que o cliente enxergue vantagem em consumir seu produto, é fundamental um atendimento eficiente e “com a cara” da empresa, função que a Netflix faz muito bem, assumindo uma identidade própria.

Falar sobre a experiência do cliente já passou da fase de “ser tendência” para entrar efetivamente no planejamento de marketing das empresas, e não apenas daquelas inclusas no setor de serviços. Já vivemos num mundo onde a experiência do cliente é o principal critério de diferenciação frente ao consumidor.

Criar uma experiência positiva para a freguesia é a razão de ser de toda venda e pós-venda. A abordagem costumer-centric de empresas como a Amazon adiciona valor à companhia por permitir que ela se diferencie dos competidores que não ofereçam o mesmo conforto.

Não há limites quando o assunto é diferenciação. Surgindo de uma nova vertente de customer experience, conheça a Brandless: marca (se é que podemos chamar assim) que construiu toda sua existência sobre não ser uma marca. Oferece apenas uma opção para cada tipo de produto, eliminando muitos custos de marketing, distribuição e todo o conjunto de brand equity.

Fonte: https://brandless.com

A essência de toda essa questão sobre a jornada de compra é a forma como sua marca será vista somada ao poder de conquistar seu público. Esse é o motivo pelo qual a tendência de mercado é a personificação da marca entre os consumidores. Todos os esforços serão alocados para que isso seja possível, durante todo o tempo em que o cliente estiver em contato com alguma equipe da empresa, seus produtos/serviços e seus canais de comunicação, até se tornar algo tão próprio e único que falar de “marca” como algo existente na coletividade deixará de fazer qualquer sentido; ao invés, falaremos de marca para Fulano e marca para Ciclano, da mesma forma como hoje achamos natural que exista mais de um tamanho de roupas disponível para o consumidor. A marca do futuro é você — e então, como ela será?

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