Quantos Steves são necessários para trocar uma lâmpada?

Edu Motta
eLab Started
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9 min readMay 30, 2018

A cena é clássica: um garoto de 20 e poucos anos abandona a faculdade. Ele tem planos maiores e mais imediatos, como dar vida à ideia revolucionária que teve, digamos, ao acordar no dia anterior, ou enquanto discutia com seus amigos num bar. Na sua garagem (que na verdade é a garagem dos seus pais), ele monta o embrião do que se tornará sua empresa. A despeito dos empecilhos, nosso herói persiste. Afinal, é um visionário. E alguns anos depois… sucesso! Nosso empreendedor, sozinho, transforma o mundo. Fica bilionário. Impacta a vida de milhões de pessoas. Tudo por mérito seu e de sua épica ideia.

Apesar da história não se aplicar a “qualquer um”, a imagem do gênio solitário é bem difundida na sociedade contemporânea. No entanto, por mais inspiradora que seja, ela tem um pequeno problema: é completamente falsa.

Chocante, eu sei. Mas fique tranquilo: ninguém está afirmando que você não tem capacidade de criar a próxima Apple, o próximo Uber, o próximo Nubank. Muito pelo contrário! Só que, para isso, é necessário entender que, desde a criação, todas as startups bem sucedidas do mundo tinham sócios. No plural! E foi justamente esse time de fundadores que garantiu o sucesso da empresa. Até porque, como veremos mais para frente, o ambiente do empreendedorismo é cheio de incertezas e mudanças. Uma das poucas constantes desse ecossistema é (ou melhor, deve ser) esta equipe inicial.

“Individuals don’t win in business, teams do.” — Sam Walton

Mas então… como seria este time, na vida real?

Antes de responder esta pergunta, é importante relembrar que aqui nos referimos ao grupo dos pioneiros na criação de determinada sociedade. Uma sociedade é uma parceria comercial onde os envolvidos dividem a propriedade, rendimentos e/ou administração do negócio (dependendo do desenho do contrato feito entre eles). Os sócios de um negócio têm uma fatia (share) daquilo que é chamado capital social. Essa divisão nem sempre é igualitária. No caso do nascimento da Apple, por exemplo, não foi. E é aí que entramos na nossa mostra prática…

A história da gigante empresa de software e produtos eletrônicos começa com um nome pouco conhecido pelo público: Ronald G. Wayne. Aos 41 anos, o experiente Wayne trabalhava para a Atari (sim, aquela dos videogames!) e sempre ajudava um jovem colega de trabalho, Steven Paul Jobs. Jobs constantemente requisitava a orientação de Wayne, perguntando se ele deveria abrir uma fábrica de máquinas de caça-níqueis (ao que Ronald respondeu que não), se ele deveria viajar à Índia para se encontrar (“se necessário, vá, mas tome cuidado” disse Ronald), entre outras dúvidas banais características de gênios aos 20 anos. O que mudou tudo foi quando Wayne decidiu ajudar Steve Jobs a convencer seu xará — Steve Wozniak — a trabalhar em sua futura empresa, Apple Inc.

Wozniak e Jobs se reuniam no Homebrew Computer Club, onde desmontar e reconstruir circuitos de computadores eram sinônimos de diversão. O “Mágico de Woz” era, disparado, o mais habilidoso nessas tarefas. Contudo, enquanto Steve Jobs tinha uma visão de negócios, Steve Wozniak brincava com os gadgets mais pela diversão. Isso mudou quando Ronald Wayne, munido de diplomacia, oratória, uma máquina de escrever e conhecimento jurídico básico se reuniu com os dois. Na própria reunião, foi decidido e ratificado por contrato que cada Steve ficaria com 45% da empresa, e os 10% restantes ficariam com Wayne.

É fato que Ronald acabou se retirando do contrato doze dias depois. A Apple tinha conseguido sua primeira venda para a Byte Shop e, para produzir os 50 computadores demandados, teria que pegar um empréstimo bancário de 15 mil dólares. A Byte Shop possuía uma má reputação em relação ao pagamento de suas dívidas. Se a Apple não pagasse os juros de seu empréstimo, o banco iria atrás dos bens dos sócios. Nas palavras do próprio Wayne: “se a empresa falisse, éramos individualmente responsáveis pelas dívidas. Jobs e Wozniak não tinham um tostão. Eu tinha uma casa, uma conta bancária e um carro… eu poderia ser alcançado!”.

Mas a moral da história é uma só: Steve Jobs, por mais genial (e genioso) que fosse, não seria capaz de fazer a Apple crescer sem o amável (também genial, mas nada genioso) Wozniak. E Woz não toparia trabalhar com Jobs se não fosse o intermédio de Wayne. Cada cofundador tinha uma relação de interdependência com seus parceiros profissionais.

Source: Getty Images — photo by Bettman Archive

Uma discussão razoável é o contraponto entre empreendedorismo individual e coletivo. Muitos empreendedores têm experiências adversas ao começar empresas com outros sócios e acabam por preferir um processo com maior centralização. Mas vale lembrar que essa centralização vale tanto para tomada de decisões quanto para investimentos iniciais, responsabilidade, condução de cada área do negócio, e assim em diante.

De acordo com uma estimativa do jornal britânico The Guardian, 90% das startups criadas no mundo inteiro “não vingam” (eufemismo para “vão à falência”). Além disso, como com frequência trata-se de empresas inicialmente pequenas (em termos de pessoal, rendimentos e investimento próprio), cada pequena escolha comercial pode levar a entidade à inovação disruptiva ou ao seu fim. Portanto, é mais vantajoso tanto do ponto de vista econômico (captação de recursos) quanto do estratégico (tomada de decisões) empreender em conjunto, não sozinho.

Suas ideias podem amadurecer, sua startup pode pivotar, suas fontes de financiamento externo podem variar, seu segmento de mercado pode ganhar mais competidores e a demanda do seu público-alvo pode mudar. Quase tudo nesse universo é variável, mas um time inicial bem formado e eclético permanecerá o mesmo, além de lidar com todas as questões supracitadas. É o que alicerça qualquer empreendimento, o verdadeiro DNA da startup.

De acordo com o Startup Genome Report, empreendedores individuais levam, em média, 3,6 vezes mais tempo para escalar seu negócio (aumentar o desempenho exponencialmente com investimento/custo marginal baixíssimo) do que equipes formadas por dois ou mais empreendedores. Por que? Principalmente por dois motivos:
Primeiro, um único sócio passa desconfiança a possíveis investidores. Se o modelo de negócio fosse tão bom, faria sentido que outros quisessem entrar nesse empreendimento. É como se o fundador-solo fosse o único que realmente acreditasse na sua própria ideia. Além disso, uma equipe plural pressupõe a discussão de decisões e o descarte de ideias tidas como ruins. Lembrem-se do caso da Apple: se não tivesse buscado conselho de terceiros, Steve Jobs teria criado uma fábrica de caça-níqueis.

Em segundo lugar, em um time, os componentes podem apoiar uns aos outros quando “as coisas não andarem bem”. Parece papo de autoajuda, mas não é: todo empreendedor passa eventualmente pelo Vale da Tristeza (o famigerado Trough of Sorrow), e superar esse momento — que separa os meninos dos homens, as startups de sucesso das falidas - sozinho é quase impossível.

Source: Foundr — The Ultimate Guide To Creating The Perfect Founding Team

Depois de tantos elogios a times de duas ou mais pessoas, um leitor desavisado pode pensar “então, quanto mais gente tiver na empresa, melhor?”. Calma lá. Lembrem-se que estamos falando dos fundadores da startup, não de equipes de certo setor gerenciadas por uma grande empresa hierarquizada (e mesmo nesse último caso, vale a pena estudar a Lei dos Retornos Decrescentes antes de sair por aí contratando tudo quanto é gente).

Apesar de um sócio não ser o suficiente, não é recomendado que o número ultrapasse dois ou três. Afinal, trata-se de viabilizar um modelo de negócio que alie escalabilidade, impacto e inovação. Não há tempo para disputas de poder, nem desperdício de recursos, os quais normalmente são escassos (sobre esse tema específico, fica a recomendação de leitura do livro Startup Enxuta de Eric Ries). Mas por que especificamente dois ou três?

Em suma, o que é considerado como o time precursor ideal de uma startup tem três perfis distintos e bem definidos: o Visionário, o Trabalhador e o Hacker. Por ser um modelo teórico, muitas vezes a mesma pessoa pode desempenhar mais de um desses papeis, fazendo com que uma dupla de fundadores obtenha também um sucesso estrondoso (Jobs e Wozniak que o digam). Vamos às definições:

● O Visionário

Sim, estamos falando do Steve Jobs da sua Apple. Frequentemente (mas nem sempre) o CEO, o Visionário enxerga o futuro. Não apenas de maneira idealista e utópica, pois seu trabalho mais importante é convencer todos os stakeholders (seus parceiros, fornecedores, possíveis clientes, o segmento de mercado do seu produto, a sociedade civil em geral, etc…) de que sua ideia pode ser posta em prática. Visionários investem seu tempo pensando no panorama geral da empresa, suas metas, estratégias globais, como gerar valor a partir do seu negócio. Sempre pronto para se adaptar às novas tendências do mercado, o Visionário não apenas é quem organiza o resto do time, mas quem inspira seus integrantes. Basicamente o coração da startup.

● O Trabalhador

Do inglês “Hustler”, pode ser traduzido como O Trabalhador. O verbo “to hustle” significa ralar, trabalhar duro, dar tudo de si. Não é exatamente uma posição definida por um título oficial, mas por atitude. Enquanto o Visionário foca num cenário expandido, o Trabalhador foca nas tarefas cotidianas/de menor escala da startup, tanto dividindo o trabalho árduo entre os membros quanto desempenhando-o ele próprio. Tal perfil harmoniza bem com graduados em marketing, gestão de negócios, finanças ou mesmo tecnologia. A chave é ser polivalente, dar conta do recado independentemente do que tiver que ser feito e nunca ser preguiçoso. É o Trabalhador que faz a ponte entre os outros dois papeis. Se o Visionário é o coração da startup, o Hustler é definitivamente o pulmão.

● O Hacker

O Hacker tem esse nome devido ao fato da tecnologia ser o setor onde mais facilmente se pode inovar, porém vale lembrar que uma startup pode atuar em qualquer âmbito comercial, desde que inove e cause impacto. A tarefa deste arquétipo é focar obsessivamente no produto (no começo das atividades, quando o produto é a base do negócio, ou posteriormente, quando seu processo produtivo e acabamento tem que ser constantemente atualizados). É basicamente aquele com conhecimento técnico/especializado sobre o “core business” da empresa. Se for um restaurante, é o chef. Num banco de microcrédito, alguém que entenda de finanças. Se for uma vendedora de gadgets de tecnologia de ponta, é o mestre em computação, ou literalmente um… hacker! Na anatomia de startups apresentada até agora, o Hacker representa o cérebro do empreendimento.

Source: Foundr — The Ultimate Guide To Creating The Perfect Founding Team

Após a apresentação desses conceitos, é esperado que o leitor compreenda que a formação de um time requer um pouco mais do que o clichê “sonhador/idealista carismático encontra um gênio em tecnologia”. No entanto, essas informações não passam justamente disto: conceitos. Tanta abstração é útil para o aprendizado prévio, mas suponhamos que você, leitor, decidisse abrir uma startup neste momento. Faltam informações de cunho mais prático, afinal a dinâmica da vida real é outra. Então, por fim, é de suma importância apresentar padrões de cunho mais empírico que toda equipe fundadora tem.

Em primeiro lugar, os sócios devem ter competências complementares. Ninguém desempenha bem em todas as áreas do conhecimento e a força de vontade de um único indivíduo não resolve os diversos problemas do mundo empreendedor. O que efetivamente resolve, no entanto, é se especializar no que você já faz bem, além de achar colegas com habilidades que você não possui. Isso pode soar óbvio, mas muitos empreendedores acabam buscando se associar com antigos/atuais colegas universitários ou profissionais. Até aí, sem problemas, afinal são nesses ambientes onde conhecemos algumas das pessoas mais capazes que nos rodeiam. No entanto, a tendência é que se escolham colegas da mesma graduação ou do mesmo setor técnico, o que muitas vezes resulta em pessoas com afinidade, mas que basicamente sabem fazer as mesmas coisas. Na prática, isso não é algo desejável.

Em segundo lugar, é necessário compreender que um time é um relacionamento intenso. A analogia mais conhecida é a com o casamento: todos os membros precisam compartilhar da mesma visão, ter objetivos em comum e, claro, se dar bem no dia-a-dia. Porque, na vida real, a interação com seus sócios será quase tão (ou mais) frequente quanto a com seu cônjuge, dado o tempo e a atenção que uma startup demanda. Isso implica inevitavelmente em desentendimentos, frustrações e toda a carga emocional de um matrimônio. Alguns pilares desse relacionamento não podem faltar: comunicação, diversidade (de expertise, poder e opinião), confiança e respeito mútuo. Como diria um terapeuta de casais, “algum grau de conflito sempre existirá. Basta abraçá-lo e discuti-lo (na medida certa), que o relacionamento sobreviverá a qualquer turbulência”.

Por último, destaca-se a questão da meritocracia. Todo negócio exige sacrifícios (pessoais e profissionais) e é esperado que eles sejam divididos entre os sócios. É comum que esses empreendimentos comecem como uma atividade extra para a maior parte dos sócios, mas na medida em que o negócio cresce ele passa a demandar mais tempo dos integrantes da equipe até que, eventualmente, alguns dos sócios acabem por decidir dedicar seu tempo integralmente a ele. Um fundador mais dedicado provavelmente demandará um share maior da empresa; portanto, o alinhamento de expectativas de longo prazo é essencial, antes de qualquer parceria ser formada. Expectativas que abranjam não somente a ambição em relação à startup, mas valores pessoais em comum e paixão de mesma intensidade. Vale lembrar que disputa entre sócios é uma das principais razões para o fracasso de startups recém-formadas.

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