Seja o sniper das startups e dê um headshot no sucesso

Naná Marques
eLab Started
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10 min readJul 17, 2018

Imagine que você é um agente do FBI em seu primeiro trabalho de campo. Você e seus colegas conseguiram invadir o território inimigo, estão andando sorrateiramente em direção ao local onde o líder deles está tentando não ser descobertos, porém o lugar está cheio de seguranças, nada menos que o esperado. Você é um dos agentes mais afastados e percebe que seus colegas estão meio indecisos quanto ao que fazer agora. Opção A: pegar sua arma, tomar a frente do grupo e sair metralhando geral, pois sabe que seus colegas vão te seguir e te dar cobertura. Opção B: deixar seus colegas sozinhos, procurar o chefão e, quando encontrá-lo, mirar na cabeça do infeliz e mandar aquele headshot. Qual opção você iria escolher?

Infelizmente nenhuma está certa. Primeiro que nunca o FBI invadiria um território inimigo sem antes ter um plano bem estruturado; segundo que, se você escolheu a opção A, não leu o título do artigo; terceiro, se você escolheu a B, parabéns pela ousadia, mas deixar seus colegas de lado não é uma atitude muito legal.

Agora, vamos substituir o FBI pelo mundo dos negócios, os alvos pelos clientes, os colegas pelos sócios e pensar na seguinte situação: você, novato no mundo dos negócios, querendo montar uma startup com seus sócios, se depara com uma multidão de possíveis clientes. O que fazer? Metralhar geral ou mandar aquele headshot?

Novamente, nenhuma das opções está correta (nem totalmente errada). Vamos analisar cada uma delas:

Na opção A, o erro está na possível catástrofe que iria acontecer. Você, distribuindo tiros para todos os lados, acertaria o joelho de uns, a testa de outros, quem sabe o estômago ou até o dedo mindinho do pé esquerdo; poderia acertar todo mundo ou não acertar ninguém ou acertar um de seus colegas. Uma hora suas balas acabariam, alguns de seus colegas estariam feridos e você se tornaria o alvo. Enfim, catástrofe! O mesmo aconteceria se você, empreendedor novato, resolvesse usar de sua startup pra tentar satisfazer os desejos do mundo inteiro: as pessoas não são iguais nem seus desejos. Pode acontecer de você conseguir satisfazer a todos, mas o mais provável é que não acabe satisfazendo sequer a maioria, e pior: perca seus sócios por causa disso. No fim, você teria perdido seu tempo, sua ideia, seu dinheiro… É como dizem os livros de autoajuda, não dá pra agradar a todos.

Já em relação à opção B, como já dito, deixar os colegas de lado não parece lá muito correto, não acha? Nem na vida de agente nem na de empreendedor. No artigo anterior do blog, ressaltamos a importância que os sócios têm para o negócio. Mas o recado principal que esta opção nos passa é a de que, muitas vezes, compensa mais ir atrás do peixe grande (um cliente que fique totalmente satisfeito e surpreso com seu produto, que vá utilizá-lo por um longo período, que espalhe entre seus círculos sociais ideias positivas sobre sua empresa, que traga novos clientes potentes como ele) do que do cardume de peixes pequenos (aqueles que só vão utilizar uma vez seu produto para, em seguida, descartá-lo, que não fazem questão se o produto é seu ou de qualquer outra empresa, que não sintam necessidade de ter seu produto na vida deles). O Porém está em que tem que se estudar bastante qual peixe você está procurando para seu negócio.

É como o pensar em acurácia (pra quem não sabe o que é, tipo eu, substitui por exatidão) e precisão. Na opção A, temos relativamente alta acurácia, mas pouca precisão; na opção B, a precisão é alta, mas a acurácia é relativamente baixa. Lembrando que estamos procurando manter os dois altos.

Precisão vs Acurácia (accuracy vs precision). Fonte: https://www.baseaerofoto.com.br/

Juntando essas informações temos que: ser empreendedor e ser agente do FBI é a mesma coisa (ok, talvez não seja, mas é tão legal quanto!), você precisa dos seus sócios e eles precisam de você pro negócio dar certo, mas o que talvez seja a coisa mais importante: para ter uma startup de sucesso é preciso saber escolher bem seus clientes.

Diferente dos inimigos para um agente, os clientes não estão aí para dificultar nossa vida. Como dizia Peter Drucker (1909–2005), um dos papas da Administração: “A única fonte de lucro é o cliente”. Porém, o contrário pode muito acontecer. O Prof. J. Anderson, da Kellog University dos Estados Unidos, comprovou em um estudo que, em empresas pouco cuidadosas nessa escolha, 20% dos clientes geram 220% de lucro, 70% empatam (zero de lucro) e 10% consomem 120% do lucro. Isso significa que, se ao final do exercício o rendimento da empresa foi de 100 reais, certos clientes geraram 220, a maioria não gerou nada e alguns dos clientes deram prejuízo de 120. Para evitar situações como esta, o primeiro passo é entender o que é valor para cada um dos clientes.

O conceito de valor exprime uma relação entre as necessidades do indivíduo (respirar, comer, viver) e a capacidade das coisas (bens ou serviços) de satisfazerem seu pensamento racional. Dentro deste conceito, existem os valores extrínsecos, que são tangíveis, visíveis e podem ser quantificados; e os valores intrínsecos, que são intangíveis e perenes.

Para o cliente, valor se torna uma conta intuitiva onde, de um lado se enxerga os pontos positivos do produto e, do outro, o custo que aquele produto irá lhe gerar (seja financeiro, seja se deslocar até algum lugar, seja o tempo que irá gastar naquela atividade). Desta forma, pode se resumir valor em medida de inércia, o quão disposto seu cliente estará para sair do lugar, da zona de conforto, se movimentar e adquirir seu produto.

Segundo Edward Bernays (1891–1995), pai das Relações Públicas e da Propaganda, as sociedades se comportam como manadas, onde o coletivo em si age de forma racional, mas as pessoas individualmente operam, por vezes, de maneira irracional. Portanto, ao compreender o mecanismo do pensamento coletivo, os motivos do “cérebro do grupo”, é possível controlar e reger as massas de acordo com nossa vontade sem que elas se dêem conta disso, uma técnica chamada de engenharia do consenso. Bernays descobriu em seus estudos que, ao buscar associar produtos a emoções, ele poderia satisfazer as necessidades egoístas das pessoas e instiga-las a comprar pelo desejo em si ao invés da real necessidade. Parece errado fazer isso? Bem, não estamos falando para você abandonar sua vontade de querer ser o herói (agente do FBI), aquele que ajuda a humanidade com sua ideia inovadora solucionando problemas atuais, e virar o vilão que manipula a mente das pessoas para elas comprarem qualquer coisa contribuindo para o consumismo e capitalismo, não, calma! Estamos lhe dando ferramentas para que você possa unir o útil (solucionar problemas) ao agradável (ganhar dinheiro). Como disse o filósofo Alain de Botton (1969-hoje, Zurique — Suíça) no maior festival de publicidade do mundo (Cannes Lions): “Hoje, existe um dilema entre ganhar dinheiro vendendo coisas para preencher os desejos imediatos ou não ganhar com as necessidades mais profundas. Não precisa ser assim. O ser humano sempre está em busca de equilíbrio. Por isso a publicidade, hoje, vende calma (porque vivemos estressados), natureza (porque estamos perdendo contato com o que é natural). A questão é ver o que as pessoas não tem, o que estão querendo, e dar isso a elas. Este será o século em que venderemos as coisas que as pessoas realmente precisam e não o que elas apenas querem.”

O segundo passo é trocar o N pelo D. Como assim?

Desde o início da década de 90, a visão que se tem sobre clientes e o processo de vendas é que o foco das empresas deve ser NO cliente; daí surgiram os Sistemas de Gestão da Qualidade, as normas ISO e o Código de Defesa do Consumidor. Sobre este ponto de vista, o princípio básico do sucesso é ouvir o cliente. No entanto, fazendo isso a empresa cai numa armadilha, pois parte do pressuposto de que o cliente já tem plena ciência daquilo que deseja — enquanto o cliente, por via de regra, vai sempre se basear no que, de certa forma, já é conhecido. Assim dizia Henry Ford: “se tivesse perguntado aos clientes o que eles precisavam, provavelmente teriam dito que queriam carroças mais rápidas”.

O que deve ser feito nessas situações é se antecipar às demandas do cliente e, ao invés de sentar frente a frente, virar 180º e se posicionar ao seu lado para, desse jeito, enxergar o que o cliente enxerga e poder lhe oferecer o que sequer imaginavam precisar, o que ele sempre quis e não soube pedir, superar sua expectativa e melhorar cada vez mais o resultado do produto ou serviço. Desta forma, temos que o foco não deve ser NO cliente, mas sim DO cliente.

Outra figura que pode ser citada como um exemplo a ser seguido é Raymond Loewy (1893–1986), criador do design de nada menos do que: o avião oficial do presidente norte-americano, as locomotivas da Pennsylvania Railroad, as máquinas de costura, habitats da NASA, a garrafa de vidro da Coca-Cola, a loja de departamentos Sears, a embalagem dos cigarros Lucky Strike, o emblema de um garfo e uma faca cruzados que indica restaurante nas estradas e as logos da Exxon, do serviço postal americano (USPS) e da Shell. Também trabalhou como ilustrador de moda nas revistas Vogue e Harper’s Bazaar e para personalidades como o magnata Howard Hughes e o presidente americano John F. Kennedy. Sua carreira esteve intimamente ligada ao boom econômico do pós-guerra: ele começou projetando vitrines para uma loja de departamento, avançou para interiores de aeronaves no início da era da aviação comercial e projetou automóveis nos anos 1940 e 50, justo quando eles começavam a se tornar populares. O que há de mais admirável em sua carreira é a forma que ele tentava de tudo vendo o mundo moderno como um conjunto mágico e interconectado de fenômenos. Ele não tinha um estilo específico como muitos designers atuais e seu intuito com cada desenho era ir além da questão prática, procurando sempre tocar os sentimentos do consumidor.

TIME Magazine Cover: Raymond Loewy — Oct. 31, 1949

Sobre o design do carro Studebaker Avanti, um coupé de luxo, Loewy disse: “Nós sabemos que a lógica por si só não vende automóveis, por isso seu apelo imediato é emocional (…). [Ele evoca] pura elegância e finesse de design, o desejo de sentir suas curvas esbeltas, de amar esse carro, de ser conhecido como seu dono”.

Em terceiro lugar, é preciso entender as mudanças pelas quais o processo de vendas tem passado. Na era da tecnologia e da informação, os consumidores tomam decisões de forma mais consciente, pesquisando e buscando recomendações antes de optar por um produto ou serviço, e a inovação passou a ser um componente básico dentro das empresas, fundamental para seu crescimento e estabilidade. Isso trouxe um forte impacto para as relações entre clientes e empresas, que precisaram se modernizar e adaptar lapidando processos e modelos habituais de vendas para atenderem às novas demandas de mercado e fazendo o modelo tradicional cada vez menos efetivo. Algumas mudanças que podem ser vistas são: o desenvolvimento de estratégias de atração de potenciais consumidores por meio da internet, indicações, referências, dentre outros; foco em solução de problemas e não em vendas a todo custo; troca de scripts de vendas para uma linha de atendimento melhor direcionado, de consultoria.

Pessoas que desenvolveram o próprio negócio e não enxergam nessas modernizações os resultados costumam insistir em dizer: “Mas eu sempre fiz assim e vendi sem ter que me atualizar”. Quando isso acontece, é preciso se questionar: “você deseja parar de crescer?”, pois o modelo tradicional impõe limites (físicos e mentais) que te impedem de sustentar o crescimento de forma escalonada e hoje, com tantos modelos diferentes de processo de vendas que podem ser implementados dependendo do contexto e modelo de negócio da empresa, não tem desculpa para ficar preso ao passado, é até mais estratégico, muitas vezes, mesclar os modelos para preencher gaps e diminuir o prazo de retorno do lucro.

Como último exemplo, citaremos o sucesso da Tesla, líder de satisfação do consumidor por dois anos seguidos. Esta empresa automotiva norte americana fundada em 2003 desenvolve, produz e vende automóveis elétricos de alto desempenho, componentes para motores e transmissões para veículos elétricos, além de outros produtos à base de baterias de íons de lítio. Em 2016, a Tesla estreou no ranking das 10 marcas automotivas mais valiosas do mundo, com um valor estimado em 4,436 bilhões de dólares. Apesar de ser uma empresa bem nova e pouco lucrativa — ainda mais se comparada com Toyota, GM e outras grandes -, ter poucos mecânicos treinados, sofrer vários atrasos nos lançamentos de seus produtos, não ter infraestrutura suficiente para abastecimento (e, por isso, seus modelos serem limitados e muito mais caros quando comparados com a concorrência), a Tesla ganhou força na mídia especializada com seus veículos futuristas, elegantes e luxuosos, que fogem da imagem do carro clássico, acompanhados de software e hardware de primeira qualidade acabando por ter ótimos resultados na pré-venda e na bolsa de valores. Tudo isso traz ótimas oportunidades para a empresa como, por exemplo: expandir para mercados maiores e países emergentes, podendo ampliar segmentos e baixar preços, visto a tendência de cair uso de petróleo e dos governos baixarem preços de carros elétricos nos próximos anos.

A Fantástica Fábrica da Tesla. Fonte: <https://www.instacarro.com/>

Para finalizar, vale lembrar que todos nós somos clientes: pessoas comuns que levantam pela manhã para trabalhar (seja para o FBI ou qualquer outra empresa), que fazem compras no mercado, que pagam contas, cidadãos que dependem do transporte público para chegar ao seu destino, ou seja, consumidores de várias e várias empresas ao longo de nossas vidas sem sequer nos darmos conta a maioria das vezes. Mas são tantas empresas lutando por um pedaço de nossa atenção (e dinheiro) que já não basta simplesmente oferecer um bem e/ou serviço satisfatório; hoje, mais do que nunca, é preciso mais para de destacar, é preciso conquistar o cliente em todos os seus níveis e isto se faz com muita educação, respeito, cordialidade, atenção e carinho. O cliente certo quando plenamente satisfeito torna-se um verdadeiro parceiro da empresa porque, além de sempre retornar para comprar outros produtos e/ou serviços, irá fazer a recomendação desta para outras pessoas tornando-se também o nosso maior vendedor.

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