A primeira Lei Fundamental da Educação Financeira

A princípio básico que todo curso de finanças deveria ensinar

Startup da Real
@startupdareal
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9 min readSep 22, 2021

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Eu não sou um especialista em investimentos.

Esse é o ponto fundamental que carrego comigo o tempo todo e sempre reforço antes de tomar qualquer decisão financeira.

Isso, obviamente, não significa que eu seja um completo leigo no assunto.

Eu sei como funciona o mercado de ações, sei como operam os mais variados fundos de investimentos e entendo com clareza a proporção de crescimentos dos juros compostos.

Já peguei um dinheiro que não faria falta e coloquei na bolsa para ver como é, também comprei ali o troco do pão em Bitcoin e fiz minha parte para entender esses mecanismos que cercam esse novo debate financeiro do cotidiano.

Afinal, com todo mundo falando, a gente quer entender como funcionam essas coisas.

Mas mesmo sabendo como funcionam os mecanismos, tendo lido livros sobre o assunto e acompanhado alguns materiais mais técnicos, eu estou longe de ser um especialista em investimentos.

E é aqui que a maioria esmagadora das pessoas começa a se perder.

Por acompanhar canais, influenciadores e notícias, as pessoas passam a acreditar que entendem mais sobre investimentos do que realmente entendem.

Essa confiança exagerada, comum em quem sabe pouco sobre um assunto mas acessa uma quantidade grande de informações, faz as pessoas assumirem riscos muito além do que seria indicado.

Para colocar em perspectiva, um programador que ocupa uma ou duas horas disponíveis do seu dia pesquisando sobre investimentos, acredita com mais certeza que ficará milionário com esse conhecimento do que um operador da bolsa de valores que, apesar de dominar com muito mais clareza os princípios do investimento, segue ali ganhando seu salário de 8 mil reais por mês.

Ninguém gosta de pensar que, se a pessoa que é treinada e certificada, passa o dia observando negociações e movimentando verdadeiras fortunas de outras pessoas, e ainda está ali trabalhando por um salário, o nível de otimismo de alguém que estuda investimentos por hobby está um pouco desconectado do mundo real.

O excesso de confiança, em praticamente qualquer caso, é a receita para uma série de problemas indesejados.

Imagine que eu comecei a praticar Krav Magá faz um ano. Ao longo desse ano participei de milhares de simulações de ataques com arma de fogo, treinando como desarmar um oponente de inúmeras formas diferentes.

Agora imagine que estou andando pela Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro. Enquanto me aproximo da Praça Floriano, sinto um objeto rígido encostar nas minhas costas e uma voz desconhecida sussurrar no meu ouvido esquerdo com aquele tom de inconfundível educação :

“Bora playboy, perdeu perdeu. Passa o celular e vaza.”

Neste momento, em algum reality show de outra dimensão, a cena pausa e o apresentador pergunta para a audiência:

“E agora?

O que será que ele vai fazer?

Será que vai usar todo seu treinamento para desarmar o bandido? Ou vai entregar o celular e torcer para o bandido se afastar?

Não percam após os anúncios de nossos patrocinadores!”

Quando voltamos dos comerciais, eu preciso tomar uma decisão.

Quais são os cenários mais prováveis?

Na porta número 1, eu entrego o celular para o assaltante. Ele segue a vida dele e eu sigo a minha.

Atrás da porta número 2, eu relembro todas as horas que passei treinando no último ano, sinto o movimento automatizado pelo meu cérebro de ter simulado aquela cena inúmeras vezes e tento desarmar o assaltante.

Mas calma! Antes da decisão, precisamos falar sobre opcionalidade.

De uma forma bem resumida, o conceito de opcionalidade, quando falamos de risco, é o direito, não a obrigação, de tomar uma ação. Quando Nassim Taleb se debruça sobre o assunto em Antifrágil, entendemos que essa opcionalidade pode ser marcada por uma assimetria de resultados.

Nem sempre essas opções são tão explícitas ou simplificadas assim, mas considere por um momento que eu posso:

  • arriscar muito e ganhar muito
  • arriscar pouco e ganhar muito
  • arriscar pouco e ganhar pouco
  • arriscar muito e perder muito

Mesmo depois de, na época, já ter lido Antifrágil umas duas vezes, demorei para internalizar esse conceito. Mas um dia estava procurando vaga para estacionar na academia e entendi exatamente o que o autor tentava me dizer.

Para estacionar na frente do lugar onde eu treinava, eu tinha duas possibilidades. Ou eu estacionava uma quadra antes da academia, tendo que andar alguns minutos para chegar até lá, ou eu tentava parar em uma das vagas que ficavam bem na porta do local, mas que sempre estavam ocupadas.

Minha reação de sempre era parar logo na rua. Porque caso não encontrasse vaga, o que era quase certo, teria que voltar e parar na rua de baixo.

Mas enquanto dirigia refletindo sobre opcionalidade, me veio o seguinte estalo: se eu não parar na rua e dirigir até a frente da academia, eu tenho o excelente bônus de conseguir uma vaga bem na porta. No entanto, se não encontrar a vaga, eu só perdi alguns minutos dirigindo, mas paro no mesmo lugar onde já teria estacionado desde o começo.

Apostando que existe uma vaga disponível na frente da academia, eu poderia “ganhar muito” se estiver certo, mas se minha aposta estiver errada eu “perderia pouco”, parando no mesmo lugar onde eu já teria parado inicialmente.

Minha aposta de encontrar uma vaga era muito boa, porque o ônus era pequeno o suficiente para compensar o risco.

Agora que você já entendeu mais ou menos a ideia de opcionalidade que Nassim Taleb tanto fala, podemos voltar para a cena do assalto.

Na tentativa de reagir ao assalto, o máximo que eu ganho é continuar com meu celular, mas se minha aposta estiver errada e eu não conseguir desarmá-lo rapidamente, eu acabo perdendo a vida.

E não sei você, mas para mim é uma perda bem grande.

Por outro lado, se eu seguir o que gentilmente foi solicitado pelo senhor assaltante, entregando meu celular sem movimentos bruscos, eu perco um aparelho celular que posso comprar novamente em algum momento, mas removo drasticamente uma boa dose do risco de ter uma perda grande e irremediável.

A aposta de tentar desarmar o bandido é uma aposta ruim, porque apesar do bônus de manter o celular ser alto, o risco de perder a vida é desproporcionalmente muito maior.

Caso meu excesso de confiança pelo extenso treinamento me levasse a acreditar que posso assumir riscos altos considerando apenas a possibilidade do ganho, neste momento eu provavelmente estaria de mudança para a quadra 302, cova 89, no Cemitério Campo da Esperança em Brasília.

O que muita gente falha em entender e que o exemplo do assalto facilita a visualização, é que a possibilidade de ganho nem sempre é o que importa. A chance de manter o celular, mesmo sendo um item de grande valor, não representa nada perto do tamanho ônus em perder a vida.

Quando voltamos para o dinheiro, para as decisões financeiras que realizamos diariamente, nem sempre fica tão claro assim, principalmente porque perder muito ou pouco quase sempre é subjetivo.

Um princípio importante para ser lembrado é que quando se tem pouco, toda perda é muita. Para quem ganha um salário de 1500 reais e sustenta uma casa com dois filhos, perder qualquer 100 reais é um buraco gigantesco no orçamento.

E essa é a realidade da grande maioria dos brasileiros que possuem muito menos do que o mínimo necessário para viver. Vale sempre lembrar que mais de 50% dos brasileiros vivem com 413 ao mês.

Somando essa realidade ao enorme problema de estabilidade da economia no Brasil, onde passamos por crises em intervalos de 5 ou 10 anos, é importante que o risco financeiro assumido por essas pessoas seja o menor possível.

Por isso que antes de pensar em investimentos e exposição ao risco, a preocupação principal das pessoas comuns deve ser a proteção do pouco que já tem.

Em vez de assumir a possibilidade de perder muito se expondo aos riscos da renda variável, é mais prudente não ganhar nada, ou até perder muito pouco com a correção da inflação, mas evitar as chances de perder muito de uma só vez.

Os jogadores profissionais de Poker são muito bons em entender este princípio. Uma partida profissional de poker envolve uma série de rodadas que valem uma boa quantidade de dinheiro, exigindo um forte equilíbrio entre perdas, ganhos, oportunidades e risco.

É como se cada rodada fosse uma pequena e simplificada simulação de uma decisão de investimento, baseando suas decisões em fatores como as oportunidades que carrega (cartas na mão), a relação de risco envolvendo ganhos e perdas (a aposta em dinheiro que está em jogo), e uma análise nem sempre precisa do otimismo do mercado (a reação dos seus adversários).

Ao receberem as cartas no começo de uma nova rodada, uma decisão precisa ser tomada rapidamente: aceitar a mão e seguir na partida ou desistir e esperar a próxima rodada.

No Poker, existe uma diferença contrastante entre jogadores profissionais e os entusiastas casuais. Jogadores profissionais estão na mesa pelo dinheiro, e o risco apresentado nas mesas é grande e real. Mas os jogadores casuais estão no jogo pela diversão e, na maioria das vezes, tem bem pouco risco envolvido, mesmo quando existe algum dinheiro — que costuma ser bem pouco.

A diversão de quem joga casualmente é garantir que está vencendo as rodadas, mesmo que não ganhe nenhum dinheiro com elas. Os profissionais, por outro lado, não se importam em vencer rodadas, seu foco está em potencializar as chances de ganhar a maior quantidade de dinheiro possível, enquanto se expõem ao menor risco probabilístico que puderem.

Como resultado, percebemos que jogadores casuais aceitam muito mais mãos, ou seja, se expondo ao risco, do que jogadores profissionais. Assistir torneios grandes de Poker é ficar horas vendo pessoas desistindo de suas mãos até entrar na partida para ganhar.

E aqui cabe um conceito importante. No Poker existe uma aposta mínima obrigatória, então mesmo quando não joga a mão, o jogador começa perdendo uma pequena quantia. Mas ainda é preferível perder pouco e não assumir o risco extra de perder muito, do que justificar que, já que está perdendo um pouco é melhor pular para o risco e tentar ganhar bastante.

É exatamente assim que muita gente justifica o impulso de abandonar reservas de emergência em meios de maior liquidez para encarar investimentos mais arriscados. A racionalização comum é que o dinheiro parado perde para inflação, então é melhor assumir um risco mais alto e pelo menos tentar sair num zero a zero.

Mas como um retorno mais alto está sempre acompanhado do aumento no risco, o que acaba acontecendo é que a maioria das pessoas segue perdendo mais do que se o dinheiro estivesse parado.

E aqui você pode até dizer que não apostaria em Índice e escolheria as melhores ações individualmente, mas os resultados das pessoas que investem selecionando papéis também não são muito melhores.

Nem mesmo Warren Buffet, conhecido como um dos maiores investidores da história, acredita que investidores comuns são capazes de vencer o índice em suas escolhas.

Quando se fala em investimentos, é preciso lembrar que o aumento da rentabilidade possui duas propriedades que se apresentam como ônus. A primeira é o já falado aumento do risco, mas a segunda nem sempre é vista como problemática, mas na prática leva muita gente a se complicar.

Quando você não paga com “risco”, paga com a falta de liquidez.

O problema da falta de liquidez, para reforçar, é que torna inviável aplicar uma reserva de emergência. Caso essa emergência apareça o dinheiro estará impedido de ser utilizado.

Quando você perde o emprego, não pode esperar até 2035 para acessar sua reserva.

A primeira lei fundamental da educação financeira é proteger o pouco que conseguiu acumular, mesmo que isso signifique pequenas perdas marginais, mas que te protejam de uma perda ainda maior.

É neste momento que a maioria das pessoas acabam se perguntando:

Mas então eu não devo investir?

A resposta simples é não.

A resposta mais complicada é que você deve investir diversificando em diferentes perfis de risco, depois de construir uma boa estrutura de segurança e garantindo que o recurso investido em riscos elevados seja um percentual pequeno, e que não seja irremediável e fatal.

Investimentos são um passo de amadurecimento da vida financeira e que deve ser dado quando já existe uma boa estrutura de proteção, garantindo que as perdas não sejam capazes de afetar diretamente sua estrutura financeira.

O excesso de confiança nos faz querer arriscar, e histórias fantásticas de pessoas que ficaram milionárias com investimentos incríveis nos fazem olhar para essa possibilidade como se fossem mais comuns do que realmente são.

Sua avó provavelmente já repetia que quando a promessa é demais, o santo desconfia. Mas caso a citação seja simples demais para uma lição sobre educação financeira, basta lembrar que todo potencial de ganhos é indissociável do aumento dos riscos.

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