Anonimato como ferramenta democrática

Porque o Startup da Real — provavelmente — será anônimo pra sempre

Startup da Real
@startupdareal
Published in
7 min readMay 10, 2018

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Não faz muito tempo que dei essa entrevista contando como surgiu a ideia do Startup da Real.

Nada mudou desde então. O perfil do Twitter continua apontando incoerências e lidando com ego de gente que não está acostumada a ouvir o que algumas pessoas realmente pensam sobre seu trabalho.

Basta abrir o Linkedin com um pouco de atenção para notar que tem muita coisa ruim sendo aplaudida. E pelos comentários, quem aplaude quase sempre está tentando causar boa impressão através da camaradagem. Tudo lá funciona no melhor estilo político em época de campanha.

O estigma que ronda o @startupdareal sempre cai no mesmo detalhe:

É fácil falar se escondendo atrás de um perfil anônimo

A pessoa que recebe uma crítica sempre vai buscar um ponto para tentar desacreditar quem está criticando. Quando isso é feito sem o anonimato, é apontado como “só quer fazer para chamar atenção”, “quer crescer falando mal dos outros” ou até mesmo “só é mais um Izzy Nobre”.

Quando você elimina a ideia de fazer isso por status — já que não existe um rosto se promovendo — e se apoia num personagem sem rosto, o ponto mais óbvio é questionar o anonimato.

Mas por que o anonimato é visto como um problema?

O argumento vale mais que a pessoa

Em várias discussões que aconteceram através do Twitter recebi a crítica de que era fácil falar por estar usando um perfil anônimo, que isso me protege.

A conclusão óbvia é que, se me protege, é porque estão buscando um ataque pessoal.

Entendo quando dizem que — por ser anônimo — na minha vida pessoal estou livre para falar bobagens e ninguém apontar as besteiras que falei.

Mas uma coisa que aprendemos nas redes sociais é que tudo está aberto para todo mundo ler, e quando pisamos na bola alguém vai apontar. Minhas merdas — se existem —também estão online para todo mundo ler.

Quando o argumento do anonimato surge, é importante é notar que ao invés de defender o ponto criticado, a contra-argumentação levantada é que eu também deveria me expor para receber críticas. Me parece, dentro dessa lógica torta, que quebra do anonimato tornaria o argumento atacado mais válido.

Quando eu aponto que um empreendedor está subestimando a dificuldade de desenvolver um negócio do zero, a resposta deveria reconstruir as condições — assumir o exagero retórico— tornando a ideia mais clara e menos fantasiosa, ou simplesmente reforçar sua argumentação sustentando aquilo que acredita.

O problema aqui surge quando a resposta não envolve o argumento central, mas a tentativa de agredir pessoalmente quem está apontando o erro.

Por ser um perfil anônimo, a primeira condição apontada é a do anonimato, seguido de provocações para que, no meio das emoções, eu diga qual minha identidade verdadeira.

Por incrível que pareça, eu nem sempre usei o anonimato do perfil para criticar as pessoas. Os mesmos apontamentos que faço com o @startupdareal eu já havia feito em meu perfil pessoal.

O fato de não ser uma pessoa que está ganhando publicidade com as ideias propostas muda o peso da interpretação.

Ao mesmo tempo que pode trazer o descrédito de ser anônimo, carrega também a ideia que não é alguém querendo se promover e agredindo outras pessoas gratuitamente. Principalmente quando existe lógica e coerência na linha argumentativa e nas posturas que são atacadas.

Quem acompanha o perfil já viu retratações de erros e elogios a projetos interessantes. Quem está lá sabe que não são apenas ataques gratuitos. Uma coisa fica clara para quem segue o Startup da Real, o perfil tem um propósito:

Expor discursos falsos que ignoram as dificuldades de empreender, ao mesmo tempo que expõe uma cultura que se apoia na glamourização do trabalho duro para explorar pessoas que sonham em melhorar de vida.

Com as raríssimas exceções ou brincadeiras feitas com pessoas que se tornaram amigos através do perfil, tudo o que é postado e veiculado no @startupdareal segue esse princípio.

Por que as pessoas não falam o que pensam?

Existe uma assimetria de força quando estamos falando com gente famosa, bilionários ou empresários que pagam nossos salários. É o mesmo desequilíbrio que sentimos quando precisamos falar com o chefe e pedir para chegar um pouco atrasado.

Por mais que no ideal de mercado empregador e funcionário estejam conversando em pé de igualdade, já que ninguém está sendo coagido a trabalhar, sabemos que na vida prática não funciona desse jeito.

Para a pessoa que assina os contracheques, existe mais gente procurando emprego que postos de trabalho disponíveis, dando origem ao clássico:

Se você não quer tem quem queira

Somando essa assimetria de poder ao frágil ego que encontramos na maioria dos — pessoas — chefes, não é difícil imaginar que alguém em posição tão superior use sua força para intimidar ou retaliar funcionários.

O simples ato de dizer que está insatisfeito com as condições, que não concorda com alguma decisão ou simplesmente precisa de algum favor, muitas vezes é o suficiente para iniciar um processo de retaliação ou até afastamento.

Não é de graça que uma expressão bem comum entre trabalhadores é:

manda quem pode obedece quem tem juízo

Empresas sofrem deste problema todo o tempo. Por medo da reação exagerada dos gestores, funcionários tendem a esconder problemas graves e aguardam até o último instante para dar noticias ruins.

Pequenas ferramentas anônimas de feedback com garantia de que não existirá represália podem trazer mais informações valiosas do que problemas para uma empresa.

Quando alguém diz que é covardia esconder-se atrás do anonimato para apontar críticas, antes precisamos entender que apontar comportamentos de pessoas que possuem influência no mercado ou poder de decisão sobre aspectos importantes da sua vida — como sua renda mensal —é bem arriscado.

Pouca gente pode assumir esse luxo.

Alguns exemplos práticos

Recentemente um seguidor do Startup da Real chamou por DM no Twitter para revelar o que estava acontecendo. Alguns amigos e representantes de empresas que o seguidor presta serviço como freelancer estavam incomodados por ele dar retweet em postagens do @startupdareal no Twitter.

Apenas por concordar com alguns comentários feitos no Twitter, alguém que nem é responsável pelos conteúdo sofreu ameaça de represália profissional, sem ao menos existir vínculo empregatício. Lembre-se que era apenas freelancer.

Usar a força da influência para reprimir comportamentos é mais comum do que costumamos pensar, sendo preciso observar com um pouco mais cuidado o que acontece ao nosso redor.

Na última semana resolvi fazer um teste, engajando numa discussão profissional com o mesmo discurso e comportamento sustentado pelo @startupdareal, mas com minha identidade real.

A discussão era com um empresário famoso, conhecido por seu rico portfólio. O debate aconteceu num grupo do Telegram onde pessoas discutem sobre problemas de mercado.

Depois de algum tempo de discussão, o empresário fez questão de citar o CEO da empresa onde trabalho, dizendo que iria conversar com ele para saber como é minha conduta no trabalho.

Segui em frente questionando e apontando os erros do discurso, principalmente dizendo que tentar me intimidar não adiantaria. Eu não estava fazendo nada de errado.

Algumas pessoas do grupo vieram no privado elogiar a disposição em debater, mas publicamente ninguém sentiu confortável de confrontar a visão de um nome tão importante no mercado.

Usar o anonimato não apenas me protege, mas protege iniciativas e pessoas que estão perto de mim.

É muito comum ignorar essa disparidade de poder entre quem tem nome e dinheiro e quem está na base da pirâmide e pode ter a vida realmente prejudicada por alguma perseguição.

Quem tem a força não pode ganhar sempre

Opiniões anônimas funcionam como os votos em nossas eleições democráticas.

Para exercer a liberdade de pensamento sem que exista algum tipo de retaliação pelo grupo que tem um poder maior, escolhemos anonimamente nossos governantes. Com este pequeno mecanismo, quem for eleito no futuro, não poderá retaliar aqueles que não votaram nele.

Dessa mesma forma o anonimato protege eleitores dos votos comprados. Casos onde pessoas são pagas e recebem benefícios para votar num candidato específico podem não funcionar. O candidato nunca terá como saber se o beneficiário realmente cumpriu sua parte.

Nossa organização democrática compreende que existem grupos que possuem maior força e influência — seja dinheiro ou poder político — , e que nestes casos, é importante garantir que aqueles que desejam se expressar não sejam silenciados pelo medo.

Se eu não puder confrontar problemas éticos e condutas incorretas publicamente por medo do que pode acontecer, em pouco tempo ninguém mais aponta nada de errado. O que resta são tapinhas nas costas, sorrisos plásticos e fofocas de bastidores.

O startupdareal vai errar. Vai cometer algumas injustiças, vai se retratar de algumas e não concordar com outras. Existem algumas pessoas que fazem parte de um seleto grupo que tem o compromisso de apontar quando um comentário foi excessivo e quando desculpas são necessárias.

Quem acompanha o perfil de verdade sabe que existe abertura ao diálogo e compreensão de que piadas podem ser excessivas. Mas se o único argumento para se defender é o anonimato de um perfil, é melhor repensar com cuidado as ideias que sustenta publicamente.

Se você curtiu o texto, não esqueça de seguir o @startupdareal no Twitter, dar 50 claps no texto e compartilhar o conteúdo no seu Linkedin.

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Pensamento crítico sobre tudo o que ninguém quer contar para você.