A breve história dos três álbuns de artistas negras que venceram ‘Álbum do Ano’ no Grammy Awards

STAY POP
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7 min readMar 1, 2017

Nas últimas semanas não se fala de outra coisa além daquela cantora que perdeu pra outra cantora no Grammy Awards. Pensando nisso, e inspirado por um texto maravilhoso do It Pop!, resolvi investigar um pouco sobre a trajetória dos artistas negros na premiação e, por quê não, enfatizar nas mulheres.

A primeira edição do Grammy ocorreu em 1959, tendo Ella Fitzgerald como a primeira vencedora nas categorias ‘Melhor Performance de Jazz Individual’ e ‘Melhor Performance Pop Vocal Feminina’, ambas pelo disco ‘Ella Fitzgerald Sings The Irving Berlin Songbook’.

Ao longo de suas 59 edições, apenas 12 artistas negros venceram o prêmio mais cobiçado, ‘Álbum do Ano’, sendo três destes apenas Stevie Wonder.

A primeira mulher vencedora do prêmio foi Judy Garland em 1961, enquanto a primeira mulher negra vencedora só foi reconhecida em 1992. Vale ressaltar que neste meio tempo tivemos o auge de ícones como Nina Simone, Aretha Franklin e a própria Ella Fitzgerald.

E em meio a todas estas informações, nos deparamos com a situação de Beyoncé, que os fãs afirmam ter sido usurpada do prêmio de ‘Álbum do Ano’ por três vezes, e os demais acreditam que ela é simplesmente superestimada.

A mãe de Blue Ivy (e dos gêmeos) concorreu ao título com ‘I Am… Sasha Fierce’ (2010), ‘Beyoncé’ (2015) e ‘Lemonade’ (2017), álbuns inovadores que causaram grande impacto na música durante seus lançamentos, mas perderam respectivamente para ‘Fearless’ da Taylor Swift, ‘Morning Phase’ do Beck e ‘25’ da Adele. TRês artistas brancos que inclusive possuem melhores discos nos próprios catálogos.

Em meio a toda essa polêmica, muitos ficaram em duvida do porquê termos “escolhido” Beyoncé como mártir da causa dos negros. Não seria mais fácil simplesmente admitir que o álbum da Adele foi melhor que o dela?

Proponho esquecer por um instante como ‘Lemonade’ foi comentado o ano inteiro. Podemos deixar de lado o fato dele ter figurado o topo de praticamente todas as listas de “melhores álbuns” do ano passado. Ignorar os fatos atuais e voltar a questionar como o passado reflete no futuro. Vamos conhecer a fantástica história das três artistas negras que venceram o prêmio de ‘Álbum do Ano’ no Grammy Awards!

Natalie Cole, ‘Unforgettable… with Love’ (1992)

Produção: André Fischer, David Foster, Tommy LiPuma (also exec.), Natalie Cole (exec.)

Natalie Cole foi uma artista de muito sucesso nos anos 70, o que lhe rendeu inclusive um prêmio de ‘Artista Revelação’ em 1976. Após sofrer um grande declínio em sua carreira durante os anos 80, Cole teve seu momento de glória na década seguinte, quando lançou o álbum ‘Unforgettable… with Love’, regravando clássicos norte-americanos e interpretando sucessos de seu pai, Nat King Cole.

King Cole foi um pianista de jazz e ativista norte-americano que, mesmo sofrendo ataques verbais e físicos durante o movimento dos direitos civis nos EUA, não se deixou abater e entrou para a história como o primeiro apresentador de TV negro de um programa de variedades no país. O seu legado foi inclusive reconhecido pelo Grammy, 25 anos após sua morte, com o Grammy Lifetime Achievement Award.

Na 34ª edição da premiação, Natalie conquistou os prêmios de ‘Álbum do Ano’, por ‘Unforgettable… with Love’, além de ‘Canção do Ano’ e ‘Gravação do Ano’ com “Unforgettable”, regravada em forma de dueto com seu pai. Sua competição na época foi ‘Heart in Motion’ de Amy Grant, ‘Luck of the Draw’ de Bonnie Raitt, ‘Out of Time’ do R.E.M. e ‘The Rhythm of the Saints’ do Paul Simon.

Natalie Cole nunca mais seria indicada para nenhuma das categorias principais, mas passou os anos seguintes revezando entre suas 21 indicações nas categorias Pop, R&B e Jazz, com apenas nove vitórias.

Whitney Houston, ‘The Bodyguard’ (1994)

Produção: Clive Davis (exec.), Jazz Summers (exec.), Tim Parry (exec.), David Foster, Narada Michael Walden, L.A. Reid, Babyface, Daryl Simmons, BeBe Winans, Walter Afanasieff, Ian Devaney, Andy Morris, Robert Clivilles, David Cole, Danny Kortchmar, Charlie Midnight e Roy Lott

Whitney Houston todo mundo conhece, então vamos dispensar as apresentações e falar diretamente sobre o álbum. A trilha-sonora de ‘The Bodyguard’, onde Whitney também atuava pela primeira vez como protagonista, foi um fenômeno de vendas e um sucesso tão grande que veio a se tornar um dos maiores fenômenos de vendas da história.

Premiada na 36ª edição da premiação, Whitney venceu ‘Álbum do Ano’, além de ‘Gravação do Ano’ e ‘Melhor Performance Pop Vocal’ por “I Will Always Love You”, regravação de uma canção lançada por Dolly Parton há quase 20 anos. Blindada por alguns dos maiores produtores da época (Clive Davis, Babyface, L.A. Reid), ela competia com ‘Kamakiriad’ do Donald Fagen, ‘River of Dreams’ do Billy Joe, ‘Automatic for the People’ do R.E.M. e ‘Ten Summoner’s Tales’ do Sting.

Whitney Houston havia sido indicada previamente ao prêmio de ‘Álbum do Ano’ em 1986 por ‘Whitney Houston’ e foi indicada outras duas vezes por ‘Whitney’ (1988) e ‘Waiting to Exhale’ (1997). Ao longo de sua carreira, foram 26 indicações ao Grammy que resultaram em sete vitórias.

Lauryn Hill, ‘The Miseducation of Lauryn Hill’ (1999)

Produção: Lauryn Hill, Vada Nobles, Che Guevara

Assim como as duas anteriores, a vitória de Lauryn Hill também teve suas peculiaridades. No aniversário de 40 anos do Grammy Awards, a cantora e rapper tornou-se não só a terceira artista negra a vencer o prêmio de ‘Álbum do Ano’ (com apenas 23 anos!), como a primeira artista de hip/hop a vencer na categoria.

Durante a 41ª edição da premiação, Lauryn acumulou feitos históricos, tornando-se então a artista feminina com maior número de indicações e vitórias na mesma cerimônia, vencendo cinco dos 10 prêmios que concorria (incluindo ‘Artista Revelação’). ‘The Miseducation of Lauryn Hill’ competia naquele ano contra ‘Ray of Light’ de Madonna, ‘The Globe Sessions’ da Sheryl Crow, ‘Version 2.0’ do Garbage e ‘Come On Over’ da Shania Twain.

Em sua excêntrica carreira, que conta com apenas um álbum solo, Lauryn Hill colecionou 19 indicações ao Grammy com oito vitórias, revezando entre categorias Pop, Rap e R&B. Ela ainda possui uma nomeação para ‘Álbum do Ano’ em 1996 por ‘The Score’ do Fugees e outra em 2000 por sua participação em ‘Supernatural’ do guitarrista Santana.

Talvez tendo o conhecimento de tudo isso, você se questione se os dados não refletiam apenas o século passado. Afinal de contas, neste século acompanhamos o sucesso mundial de artistas como Mariah Carey, Rihanna e a própria Beyoncé, não é?! Então vamos falar de atualidades.

Nos últimos 17 anos, apenas duas edições, 2001 e 2011, não contaram com nenhum artista negro concorrendo em ‘Álbum do Ano’. Sim, tivemos progresso. No entanto, o último artista de cor que venceu foi Herbie Hancock, nove anos atrás, com uma compilação de artistas em ‘River: The Joni Letters’.

Talvez você questione se não seria mais sobre a qualidade do que sobre a raça. Será que os outros trabalhos simplesmente não eram melhores? Pois bem, aqui se aplica a teoria de que a maioria tende a vencer a minoria.

A única ocasião em que o número de artistas negros indicados foi maior que os artistas brancos foi em 2005, no apogeu do R&B, quando ‘Genius Loves Company’ do vencedor Ray Charles, ‘The Diary of Alicia Keys’ de Alicia Keys, ‘Late Registration’ de Kanye West e ‘Confessions’ do Usher, disputaram contra ‘American Idiot’ do Green Day.

E já que mencionamos Kanye West, ele que tanto reclama do Grammy, pode ser tomado como exemplo para alguns dados e estatísticas alarmantes referentes à premiação.

Um dos recordistas em vitórias e indicações, ele concorreu ao prêmio de ‘Álbum do Ano’ sete vezes (!!!), sendo três por seus discos e as outras quatro como produtor de Alicia Keys, Mariah Carey, The Weeknd e Drake. Nesta categoria ele não venceu nenhuma, então cheguei a pensar que ele fosse o maior vencedor em ‘Melhor Álbum de Rap’. Mas não, esse título é do Eminem.

Na última cerimônia, que reacendeu toda essa discussão racial, Kanye West conquistou outro feito histórico, quando ele e Rihanna tornaram-se os artistas com o maior número de indicações (oito) em uma mesma edição, sem nenhuma vitória. O recorde anterior pertencia a três artistas negros, Stevie Wonder (1983), India.Arie (2002) e Kendrick Lamar (2014). Imagina se dignar a sair de casa e voltar sem nada.

Muitos confrontam aqueles se indignaram tanto com a derrota (?) consecutiva de Beyoncé, mas será que não está na hora de questionar o motivo de tanta comoção?

Se dentre 62 indicações, uma artista possua 22 vitórias, mas apenas uma delas sendo em uma das quatro categorias principais que se repetem todo ano, alguma coisa deu errado no meio do caminho. Quando o meio musical é dotado de artistas negras que influenciam gerações possui apenas três artistas com o título de ‘Álbum do Ano’, todas na mesma década, aí existe alguma estatística que precisa ser discutida.

Ao invés de perguntar “O que elas precisam fazer?”, seria mais assertivo questionar “O que eles precisam mudar?”.

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