Existe fórmula para lidar com a perda?

Sthefany Duhz
Sthefany Duhz
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7 min readNov 13, 2019

Relatos sobre o processo de luto e como a psicologia e a religião podem ser aliadas nesse momento delicado

Por Giulia Reis, Lydia Lourenço, Maria Clara Stecca e Sthefany Duhz.

Foto: Unsplash

Desde jovens somos acostumados a ouvir o seguinte ditado: “A única certeza que temos na vida é a morte”. Mesmo que nossa finitude seja algo inevitável parece que ninguém está realmente preparado para isso.

Para Dérek Moraes, jornalista teresinense que nos concedeu entrevista, os últimos anos foram de despedidas de pessoas muito queridas. Em 2017, o tio que foi um segundo pai e um grande amigo e, neste ano, a avó que faleceu em decorrência de um câncer e uma amiga próxima.

Nos processos de luto que Dérek vivenciou, ele comenta que leu sobre o budismo e que o ajudou a encontrar sentidos de afago para sua vida.

“Por alguma coincidência muito incrível, em vários desses momentos eu estava lendo sobre budismo e outras expressões espirituais. Não me considero budista, mas busco em várias perspectivas religiosas/espirituais, diferentes olhares para vida que ajudem tentar tocar harmoniosa a existência”, relata.

Reprodução Instagram

Ele procurou fazer atividades físicas, meditação, conversar com amigos e externar através da escrita o seu luto. “Conversava bastante com meu amigo (que inclusive me ajudou quando o meu tio morreu) sobre propósito na Terra diante do final inevitável da trajetória. Também li e pratiquei atividade física, inclusive tentativas tímidas de meditação ainda em andamento. Minha escrita muitas vezes vem de alguma dor, mas em algum lugar do caminho se converte em leveza”, conta.

O luto para muitas famílias e, principalmente, para muitas mães e mulheres negras, é um processo doloroso em que, na grande maioria das vezes, se transforma em luta.

Ilustração Suellen Cruz

Para Suellen Cruz, professora do Departamento de Serviço Social da Ufes, as mulheres negras não possuem o mesmo direito de vivenciar o luto do que as demais pessoas e ainda precisam visibilizar a memória de seus filhos.

“Eu acho que na verdade o processo do luto, principalmente para as mulheres negras, é muito diferente de qualquer outro tipo de luto que as pessoas passam. No mesmo instante que essas mães perdem seus filhos, elas têm que começar a lutar pela memória deles. O processo do luto é sequer respeitado, a preocupação é enfatizar “Ele não era bandido”, expõe.

Suellen conta que quando seu avô faleceu ainda era muito jovem, mas presenciando o que sua avó passou, percebeu que ela também teve o luto negado.

A religiosidade na passagem do luto

“A minha avó perdeu o meu avô mas imediatamente ela precisava estar forte pois todo mundo em volta olhava para ela esperando isso. E na época ela não conseguiu ser forte e foi taxada como a que estava exagerando demais. Ela perdeu um marido que estavam juntos há 40 anos e não pode sentir”, relata.

O tema gera questionamentos relacionados ao mundo espiritual. Há quem acredite que depois do falecimento do corpo, tudo acaba. Para outros, a existência de uma alma eterna proporciona um conforto para encarar o luto.

Ilustração Sidney Spacini
Ilustração Sidney Spacini

Suellen conta que, embora toda sua família seja de origem espírita e creem na vida além da terrena, ainda assim, há sentimentos até então sem respostas.

“Apesar de minha família ser toda espírita e acreditar que a vida não acaba, de alguma forma, nós perdemos a pessoa. A gente precisa lidar com o fato de que não vamos ver mais aquela pessoa. Eu acho que as religiões espiritualistas relativizam de certa forma a morte”, considera Suellen.

Há 31 anos umbandista, a gerente comercial Lucíola Simões Neves comenta que apesar da compreensão espiritual de vida após a morte, para ela é muito triste e desconfortante falar sobre o tema.

“Por mais que eu tenho o entendimento espiritual que a pessoa vai para outro plano, que ela vai estar bem, para mim é triste porque a pessoa vai deixar de estar aos meus olhos, vai deixar de estar presente comigo e é uma coisa que eu ainda não parei para pensar nesse sentido do luto”, expõe.

De um modo ou de outro, a perda de um ente querido ou até de um animalzinho de estimação nunca é bem vinda e causa uma série de desconfortos.

A estudante de gestão financeira, Natália Macieira, perdeu seu cachorro há dois anos. Elvis, de 9 anos, morreu em decorrência de complicações derivadas de um câncer no fígado.

“Meu primeiro sentimento foi de impotência, de culpa”, relata.

Natália com a perda de seu cão, considerada por ela seu primeiro filho, diz que pensou em não ter mais um animal de estimação, mas mudou de decisão conforme foi tomando consciência do luto.

Ilustração Sidney Spacini

“Pensei que se eu deixasse de ter outro animal, eu seria egoísta com meus filhos, negando a eles o direito de ter outro cãozinho”, pondera.

Ela ainda afirma enxergar a morte como algo passageiro. Cristã protestante desde a infância, crê na imortalidade da alma, e encontra conforto em saber que existe algo além da morte física. A estudante acredita que a morte faz parte de um processo maior, que envolve a vida eterna.

Em contrapartida, o professor de física, Rodolpho Gomes, que é ateu, entende a morte apenas como um processo natural, e acredita que não ter crenças apenas tire um conforto a mais no momento de luto.

“Acredito que alguma crença possa sim auxiliar na recuperação de um luto, não ter uma crença, não nos dar essas muletas para se apoiar, mas quanto a dor acredito que não interfira ter ou não uma crença”, afirma.

Ele passou por duas perdas de entes queridos, o avô materno e a avó paterna, em ambos os casos houve confraternizações religiosas da qual participou em respeito à família, que é em sua maioria religiosa.

“Participei em respeito e por fazer parte de toda a família, mas não pensei em nenhum outro lugar que ele possa ter ido, foi uma despedida”, conclui.

As contribuições da psicologia clínica no processo do luto

Quais os processos emocionais que envolvem o luto?

Quando a morte acomete alguém, tende-se a causar inúmeras alterações na vida das pessoas que ficaram, seja em âmbito emocional, psicológico e até mesmo físico. Neste momento, a procura por um auxílio psíquico, se faz muitas vezes presente.

O psicólogo clínico Stéphano Conti, explica os processos psíquicos que envolvem a perda de alguém próximo, o tabu social por trás do tema e dá conselhos para pessoas que vivenciam o luto.

Por que temos tanta dificuldade em lidar com a morte?

S.C.: Uma perda traz consigo outras perdas inesperadas. Nunca fica claro exatamente o que foi perdido. As emoções vem em ondas fortes que nos arrastam para os mais complicados das nossas emoções.

Sentimos raiva, buscamos entender o caos que está acontecendo, nos revoltamos com a vida, isolamos para exatamente não entrar em contato com essa realidade e acontecimento triste e dolorido. Pode se chegar no fundo do poço muito rápido com o luto. Eventualmente, a pessoa busca por maneiras de aceitar a mudança de realidade, a perda e comportamentos diferentes que precisam ser feitos para continuar a vida.

S.C.: Pode-se dizer que o luto se assemelha a uma ferida física mais do que qualquer outra doença. No caso de uma ferida física, aos poucos vai se “curando”. Mas pode haver novas complicações e cada um passa de maneira diferente. Assim é o luto também.

A perda que causa o luto, simboliza o encerramento e início de uma outra fase na vida da pessoa. Se encerra vários planos futuros, nos priva de ideias e nos mostra que não teremos mais oportunidades de expressar e viver mais ao lado da pessoa que amávamos.

Consequentemente, impõe o início de uma fase cheio de incertezas, pensamentos negativos, dúvidas e raiva que a perda ocasiona. O luto nos obriga a mudar de olhos vendados, não pede permissão, por isso temos dificuldade.

Como o apoio psicológico pode trazer conforto a quem sofreu uma perda?

Quais são as formas possíveis de expressar o luto?

S.C.: O luto por ser algo intenso, muitos familiares e amigos acabam tentando ajudar mas levam uma sensação de incapacidade e cobrança a quem está vivendo o luto que não consegue fazer. Eles são fundamentais neste momento, mas também podem complicar algumas coisas.

Que sugestões saudáveis você atribui às pessoas que estão passando pelo processo de luto?

A terapia leva em conta o que a pessoa está passando e a capacidade atual dela. Se reconhece que ela não está no melhor momento e a cobrança é de acordo com sua energia no processo. Também acontece muito do psicólogo ajudar a pessoa a filtrar a cobrança alheia, aprender a escutar e sentir de forma mais eficaz seus sentimentos. É reconstruir a confiança na vida.

S.C.: Existem várias maneiras! Não tem um modelo, um guia de como agir e expressar o que está sentindo. O que se deve fazer é sentir as emoções e não dar ouvidos para o que os outros acham como deve se comportar.

S.C: Socialmente, ainda existe muito preconceito em cima do momento de luto. Este é um momento da vida onde não devemos ignorar nossos sentimentos e realmente viver a tristeza. Luto não é uma doença, e muitos se comportam como fosse, mas as emoções são tão intensas que, de fato, faz a pessoa se sentir incapacitada de continuar com sua rotina.

Entenda que você não está no seu normal, mas é preciso fazer, o mínimo de esforço, para as coisas para voltarem a realidade que conhece. Não se cobre como fazia, mas faça pelo menos o mínimo para não se afundar nas emoções. E, por favor, evite ouvir pessoas com receitas de como deve agir, as pessoas vão falar do mesmo jeito se você demonstra pouca ou muita dor.

Publicado originalmente em http://universo.ufes.br on November 13, 2019.

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Sthefany Duhz
Sthefany Duhz

Comunicóloga social com olhar sensível nos movimentos da vida ❇ Jornalista, mentora & criadora ❇ https://keepo.io/sthefanyduhz/