A NBA está capitalizando a Cultura Hip-Hop. E isso é bom.

Rafael Freire
STICK TO SPORTZ
Published in
7 min readAug 7, 2018

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Desde o início da década, vem ficando clara a mudança de tendência no mercado da música. A cultura do Hip-hop se fortaleceu e enriqueceu como mercado, arte, filosofia e musicalidade. Em 2017, aparentemente, foi o ano da redenção. Finalmente rap e trap despontaram como gêneros musicais que os americanos mais preferem, segundo essa pesquisa do grupo Nielsen. O último Grammy mostra isso de maneira mais concreta: o Hip-hop, antes subestimado, chegou com os dois pés na porta, indicando e consagrando artistas como Kendrick Lamar, Jay Z, The Weeknd, Lil Uzi Vert, Childish Gambino Khalid, SZA. Os produtores do gênero estão entre os melhores do mercado. A cada semana, é bastante comum vermos o topo da Billboard ser invadido com lançamentos de Migos, Cardi B, Drake, Travis Scott. O Hip-hop vem merecidamente ocupando o espaço que o Pop e o Rock achavam ser os donos. E a NBA, certamente, está de olho nisso.

Afinal, o basquete também é um fruto das ruas. Abraçou o Hip-hop como nenhum outro esporte. E de fato, nos Estados Unidos, nenhum outro poderia. O baseball e o football não têm a simplicidade de serem praticados na rua, em qualquer lugar. Só a bola, a quadra e chão do bairro. Com duas pessoas, no mínimo. Ou sozinho, caso queira. Com um rádio tocando N.W.A ao fundo, de preferência. A cultura e história do Hip-hop e a do basquetebol às vezes se confundem, de tão interligadas e similares. E nos anos 90, os dois alcançaram juntos o seu primeiro auge. É aí que a coisa fica interessante.

Enquanto o rap começava a ser um sucesso comercial com letras combativas e de protesto, a resposta da NBA passa a ser similar à da classe média-branca americana: medo, insegurança, choque. A NBA não queria permitir a cultura das ruas chegar nos seus jogadores, para assim não correr o risco de perder a aceitação do seu público. Não queria ser associada à bandidagem. Mas mal sabiam eles que seus jogadores, assim como a música, eram frutos dos guetos e queriam se mostrar como tal. Shaq e outros atletas já tinham aproximação com o rap, eram amigos de artistas e até lançavam músicas, de vez em quando. Mas nenhum representou tanto a personificação dessa cultura como Allen Iverson. The Answer causou um furor na época, com o estilo despojado, as tatuagens, as correntes, os cortes de cabelo que remetiam ao gangsta rap. Por conta dele e da sua influência sobre outros jogadores, A NBA foi a primeira liga americana a criar um código de vestimenta para evitar que os atletas se vestissem como “thugs”, ou que simplesmente vivessem a cultura urbana negra da qual fazem parte.

Divulgação/Sports Illustrated.

Óbvio que não deu certo, já era tarde demais. Era como prender um leão com um rolo de barbante. A semente já estava plantada. Iverson se imortalizou como um ícone, uma marca e um atleta que dita tendências. E não é só por isso que o tiro saiu pela culatra: A competitividade dos jogadores começa a falar mais alto, até mesmo obrigados a utilizar o estilo formal. Sobre isso, Mark Anthony Green, estilista da GQ explicou para a revista Complex: “Quando veio o código de vestimenta, os jogadores tiveram que usar ternos e não era muito o que eles queriam. Mas os caras da NBA são competitivos. Então se um cara compra um terno Valentino, algum outro vai lá e também compra um melhor. Então se você é um jogador bom da NBA, você tem que provar isso fora da quadra também”. Então, o terno já não era mais uma punição e sim uma maneira de redesenhar uma cultura de rua. Agora, a moda era se vestir que nem um executivo, mas com um certo swag. E de preferência, ser o melhor de todos nisso também. Começa a nascer uma ideia de empoderamento. Saímos do gueto e agora nosso terno e nosso relógio são mais caros que os do nosso patrão.

Normal agora é ver um outfit diferente a cada dia de jogo e em cada postagem de Instagram. Jogadores investem em estilo até pra treinar. Hoje a NBA sabe que “A Resposta” seria investir nesses ícones de identidade e mercado.

Divulgação/GQ MAGAZINE

Sem dúvidas, agora a NBA enxerga a tendência de música, estilo e cultura e a abraça. Se antes, o moralismo não deixava com que os atletas se identificassem com o rap, hoje as próprias franquias convidam os artistas para fazer performances para os seus torcedores. Suas músicas, mesmo as versões censuradas, estão nos alto-falantes das arenas, nas propagandas que promovem os jogos na televisão, nos vídeos de highlights do Youtube, em todos os simuladores de videogame. J. Cole, Kendrick Lamar, Drake, enfim. Qual foi o último anúncio da NBA que você assistiu que não tinha, pelo menos, um beat no fundo?

Vejamos como alguns dos artistas tem uma relação bem intrínseca com a liga:

A proximidade de Travis Scott com o Rockets é interessante porque, além da identificação e torcida, ambos parecem ter crescido juntos e chegado a um auge similar na década. Nascido em Houston, Travis surgiu pro mundo em 2013, ano dos primeiros Playoffs de Harden com a camisa vermelha. Em 2018, enquanto um foi MVP, o outro lançou o melhor álbum da carreira com ASTROWORLD. Os dois Astros até tem uma relação de amizade, como dá pra ver no tweet abaixo. A eles, ainda faltam os prêmios máximos: o Grammy e o troféu da NBA. Não sei dizer se a melhor parceria de 2017 foi Harden com Chris Paul nos Rockets ou La Flame com Quavo em Huncho Jack Jack Huncho.

Falando em Quavo, sua relação com o Hawks é singular. O líder do Migos é um frequente na arena do time e um dos responsáveis pelo melhor jogo da carreira do ex-Franchise Player Dennis Schroeder. Quavo disse que estaria presente e desafiou o armador a marcar 30 pontos contra o Mavs. Schoreder fez 33, com direito a gamewinner 3. Nascido nos subúrbios da região metropolitana de Atlanta, o rapper já foi rosto conhecido do futebol americano local. Ex Quarterback titular do time de High School de Berkmar, Hitmaker e atual MVP do Jogo das Celebridades do All Star Game da NBA. Devido à relação próxima com alguns atletas do college, este tweet pode ter sido um catalisador da escolha do último draft:

Jay Z, por sua vez, é um dos responsáveis em trazer o Nets para a sua terra natal, o Brooklyn. Recentemente, vendeu sua parte nas ações para investir na Roc Nation e agenciar jogadores (como Kevin Durant, Romelu Lukaku) de uma maneira mais justa e menos picareta. Trata-se de um dos maiores rappers da história participando ativamente dos bastidores e dos negócios de uma franquia de basquetebol. Sabe aquela questão dos ternos mais caros que os do patrão? Então. Imagina ser tachado de thug e ao mesmo tempo ser a cara mais famosa da mudança do seu time de coração pra sua cidade natal?

Por último, Drake, que é simplesmente o embaixador global do Toronto Raptors. Figura presente nas sidelines, mandando trash talk pros jogadores adversários, pros treinadores, reclamando com juízes, torcendo como os demais integrantes da arena. Juro que eu já vi esse cara ganhar pelo menos umas três posses de bola pro Raptors, devida sua tamanha chatice. Um personagem emblemático e um dos artistas mais aclamados criticamente da atualidade, que leva sua cidade consigo para onde quer que vá. Para um time que é o único representante do basquete do Canadá, a parceria com um artista dessa magnitude só traz frutos ao Raptors.

Hoje, os clubes e a liga sabem que isso é uma via de mão dupla onde todos ganham. Os times obviamente têm a sua imagem valorizada, amplificada e propagada (imagina o Travis Scott ENLOUQUECIDO em Tóquio cantando “James Harden with the range on me n***** way back” com a camisa do Rockets). A liga ganha em relevância, publicidade, audiência e entretenimento. O artista também sai no lucro, por conquistar um público variado de admiradores da sua franquia e do esporte como um todo. Uma retroalimentação infinita, assim como os primórdios do Hip-hop e do basquete nas ruas.

Os atletas têm tanta influência e poder que estão virando suas próprias marcas. E, mais do que nunca, os rappers também estão seguindo esse caminho. Nesse sentido, sorte do seu time, se ele tem um torcedor ilustre como esses. Em questão de cultura, imagem, identidade e mercado, o Hip-hop e o basquete nasceram um pro outro. E, por mais que alguns queiram limitar a cada um no seu nicho, eu não vejo essa relação chegando a um fim.

Enquanto houver basquete, haverá Hip-hop. E vice-versa.

Amém.

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