As raízes do conservadorismo no esporte brasileiro

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5 min readAug 9, 2019

Por @jhonataskm
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Nos últimos dois anos foi cena comum a de grandes nomes do esporte brasileiro associarem-se ao conservadorismo político. Tivemos Ronaldinho, Wallace e Nenê Hilário, dentre muitos outros, apoiando o candidato das eleições à presidência cujo número foi 17. Pouquíssimos foram os atletas que se posicionaram contra ele no último pleito. Mas por quê? Por que não temos grandes esportistas nacionais demonstrando pensamento crítico e questionador como Colin Kaepernick e Megan Rapinoe nos EUA? Creio que três são os fatores que alicerçam essa situação no Brasil. Vamos a eles.

O primeiro e o segundo são muito relacionados entre si. As confederações esportivas brasileiras — bem como a direção dos clubes — são compostas majoritariamente pelos “engravatados”. Em geral, homens brancos de meia-idade que utilizam dos esportes para, exclusivamente, obter dinheiro. Sendo assim, pouco se importam para a formação educacional dos atletas que chegam às equipes estando ainda no ensino fundamental, de certa forma dissociando o esporte da educação. E essa desagregação é abraçada com certa facilidade para os alunos-atletas em formação, já que muitos dos meninos e das meninas que adentram esse mundo são convencidos pela visão de que o esporte é a única maneira que eles têm de mudar de vida, — uma interpretação que, embora distorcida, não é muito distante da realidade, tendo em vista a nossa desigualdade social, a desestrutura do nosso ensino básico e de como as universidades brasileiras são elitizadas — muitas vezes, deixando os estudos completamente de lado. Percebe-se, então, um afastamento entre a educação, onde se pode desenvolver o pensamento crítico, e o esporte. Isso é uma falha histórica e conjuntural do sistema brasileiro, pois ambos devem ser usados conjuntamente na formação do cidadão, como acontece em países europeus e nos EUA. Infelizmente, a nossa realidade como país subdesenvolvido ainda é muito distante disso.

Além do esporte brasileiro ser comandado por dirigentes que representam o conservadorismo-reacionário em pessoa, e de muitos dos atletas que nos representam terem experienciado dificuldades diversas em sua formação, a ditadura militar iniciada em 1964 também tentou moldá-lo, e conseguiu. Após o golpe, os militares assumiram todas as confederações esportivas e passaram a usá-las como veículos de propaganda para o governo: colocaram times de diversos locais na primeira divisão por popularidade [o Brasileirão de 1979 teve 94(!!) times]; o pugilista Éder Jofre, após ganhar um título, foi coagido a doar suas luvas para Médici para associarem-no com o governo (detalhe: ele havia prometido deixar as luvas no túmulo de sua falecida mãe); o basquete, esporte no qual conquistávamos as melhores posições olímpicas à época, foi altamente patrocinado pelos militares, para que assim eles pudessem receber elogios sobre os bons resultados que a seleção obteria. Além de provocar essa transformação no sentido o qual o esporte deveria ter, o regime militar também perseguiu atletas que eram contrários às suas ações, como o trio Sócrates, Casagrande e Wladimir, ex-jogadores do Corinthians. Há casos piores, infelizmente, como de Helenira Rezende, ex-jogadora de basquete da seleção de Assis e de Stuart Angel, ex-remador do Flamengo, ambos assassinados por militares. O controle e a influência ideológica da ditadura dentro do esporte eram explícitos.

Utilizar o esporte como meio de resistência, considerando-se o seu grande público potencial, é fundamental quando se vive em um governo autoritário. E Sócrates, Casagrande e Wladimir fizeram isso com maestria na década de 1980. Após o sociólogo Adilson Monteiro assumir a diretoria do Corinthians, ele somado ao trio tomaram a decisão de tornar a equipe uma democracia. Isto é, todas as pessoas — sem exceção — que participavam do processo de futebol no clube, através de uma assembleia passaram a ter voto válido em todas as discussões da equipe, como contratos, bilheterias, táticas, etc. O termo ‘Democracia Corinthiana’ foi eternizado no uniforme do time. O recado era claro: o país deveria deixar de lado a hierarquia militar vigente na política, na qual tudo era imposto de cima para baixo. Outrossim, os três maiores representantes da Democracia Corinthiana participaram ativamente do movimento ‘Diretas Já’, presentes em diversos comícios.

O Esporte, quando interpretado e ensinado de maneira apolítica e acrítica, também pode ser tóxico e alienante, contribuindo para uma formação de atletas que crescem sem significar seu lugar na sociedade e sua influência no mundo. E talvez estejamos vivendo justamente em uma era em que o senso comum insiste em dissociar esporte e política. Nos dias de hoje, temos a ascensão do pensamento conservador-reacionário no Brasil, liderado pelo atual presidente da República e seus seguidores. Teoricamente, seria a hora ideal dos clubes começarem a se posicionar com viés crítico, mas estamos presenciando o contrário. Os conselheiros do Corinthians, que pediram a retirada da camisa com os dizeres “Quem matou Marielle?” do memorial, estão rasgando a história do clube; a atual diretoria do Flamengo, dito e respeitado como um time do povo, ao ignorar a origem popular da sua torcida e ao receber o presidente — racista, machista e homofóbico — a mil sorrisos e braços abertos representa qual povo?

twitter: @ecbahia

Mas ainda temos luz em meio a esse caos: O EC Bahia e suas ações são um exemplo para os restos dos times. Após uma intervenção popular que salvou o time de um verdadeiro caos, hoje são pioneiros nas ações afirmativas contra a masculinidade tóxica, homofobia, racismo e xenofobia, nas redes, no estádio e na sociedade. Que seu movimento tome ainda mais força. Assim como foi a exceção acontecida com Sócrates — o Botafogo-SP liberava-o de diversos treinamentos para que ele pudesse completar sua graduação em medicina — que nosso esporte consiga considerar o atleta, desde a sua formação, como um ser biopsicossocial que precisa de acesso à educação, cultura, lazer, saúde e interações sociais. Lutemos. Por mais Bahias, por mais Democracias Corinthianas, e, essencialmente, por maiores investimentos estruturais, principalmente em educação e políticas públicas. Realidades que venham a gerar oportunidades de vida para nossos jovens e atletas.

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