Não diga pátria, diga decência

O caso de Rapinoe tem um apreciável valor pedagógico, porque remete ao velho debate sobre a posição que devem ocupar os esportistas no âmbito político.

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3 min readJul 4, 2019

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Texto de SANTIAGO SEGUROLA, para o El País. Traduzido por Larissa Bastos.

GettyImages

Megan Rapinoe é californiana, jogadora de futebol e maior artilheira da seleção dos Estados Unidos, que nesta terça enfrenta a Inglaterra nas semifinais da Copa do Mundo [nota: Estados Unidos venceu o jogo por 2–1]. Há alguns anos se destaca por seu ativismo político e social. É uma das principais representantes na luta por direitos das jogadoras norte-americanas. Rapinoe está à frente da demanda contra sua federação, que elas acusam de discriminação favorável a equipe masculina, em um país onde a seleção feminina é a mais exitosa do planeta. Por suas possíveis consequências, o processo tem o esporte em chamas. Seu nome adquiriu uma gigantesca magnitude depois das críticas que recebeu, via Twitter, claro, de Donald Trump, que a classificou de irresponsável com a pátria, a bandeira e a Casa Branca.

Rapinoe havia manifestado previamente que não irá à Casa Branca caso os Estados Unidos ganhem o Mundial. Um dia antes das quartas de final contra a França, reiterou sua postura. Tão pouco mostrou sinais de intimidação pela polêmica: marcou os dois gols da vitória. Megan Rapinoe considera que sua visibilidade como figura do esporte também lhe traz uma responsabilidade social. Casada com Sue Bird, quatro vezes campeã olímpica com a equipe de basquete dos Estados Unidos, é uma das vozes mais conhecidas em defesa dos direitos da comunidade LGBT. Em várias ocasiões declarou que as políticas da Administração Trump se distinguem pelo retrocesso no campo da igualdade e na luta contra a discriminação racial. E que fará todo o possível para denunciá-las.

Reuters

Seu caso tem um apreciável valor pedagógico, porque remete ao velho debate sobre a posição que devem ocupar os esportistas no âmbito político. Rapinoe afirma que sua condição de atleta, e de atleta conhecida, não limita nenhum dos seus direitos como cidadã e que, como tal, expressa suas opiniões com toda liberdade. Se sua relevante condição como jogadora a permite chegar a um lugar mais amplo, é melhor aproveitar. Trump representa o modelo clássico. Por um lado, em sua condição de presidente dos Estados Unidos, se coloca como a voz da autoridade em matéria patriota. Por outro, reduz os esportistas a meros animadores. “Cala a boca e joga”, é seu lema.

Trump ostenta o cargo máximo do executivo nos Estados Unidos, mas isso não faz dele árbitro do patriotismo, nem da razão. Como político, tomou decisões muito discutíveis. Como cidadão, costuma produzir constrangimentos. Durante a campanha eleitoral foi divulgado um vídeo em que ele se gabava de agarrar mulheres “pela buceta”. Recentemente negou uma acusação de violação porque, entre outras razões, vinha de uma mulher que não fazia seu tipo. Para Megan Rapinoe, o presidente dos Estados Unidos é um personagem nefasto e que merece sua rejeição.

O modelo clássico que defende Trump se distingue por sua hipocrisia. Os mesmos que reprovam a relação esporte-política não perdem a oportunidade de encher os palcos e festejar seus campeões quando balançam as bandeiras nacionais, de aproveitar a receita que significa ser fotografado com os ídolos e, se necessário, recrutá-los para seus interesses partidários. Eles gostam de esportistas domesticados, os que gentilmente aceitam sua condição de neutros exemplos sociais. Temeram, temem e temerão os rebeldes, os Muhamad Alí, Tommie Smith, John Carlos, Colin Kaepernick ou Megan Rapinoe, até que a história emita seu veredito e os convertam em heróis. Então os supostos detratores da relação política-esportiva esquecem seus preconceitos e se colocam a frente da manifestação.

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