Por um mundo repleto de frouxos

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3 min readJan 31, 2020
Sue Bird, armadora e tetra campeã olímpica pela seleção americana de basquete, ao lado de Megan Rapinoe, atacante e bi campeã da Copa do Mundo Feminina de Futebol (FOTO: MELISSA MAJCHRZAK/NBAE VIA GETTY)

Por Larissa Bastos

Para iniciar esse texto é importante que você saiba que a minha memória é muito ruim. De verdade. Ruim ao ponto de não lembrar a roupa que eu estava vestindo em momentos especiais ou o último filme que assisti. Mas algumas coisas são tão marcantes que não saem da minha cabeça, como as tardes de domingo que passava ao lado do meu avô materno assistindo aos jogos do Flamengo. Era a única dos netos dele que parava a brincadeira só por causa daquele jogo.

O futebol sempre esteve presente na minha vida, mas quando falo da modalidade, me refiro apenas a parte masculina. Cresci sem ter nenhuma figura feminina como ídola e tive muita resistência ao futebol praticado por, nós, mulheres. Ia na onda que dizia que mulheres não sabem jogar, que as goleiras são ruins, que o jogo é lento e que não desperta o interesse do público e por isso não tem investimentos. Bom, acho que a Copa do Mundo Feminina da França nos mostrou números muito interessantes de audiência, para ficar no básico.

O basquete só começou a fazer parte da minha realidade há uns 6 anos, no começo da dinastia do Warriors e claro que fui fisgada pelo time. Natural para qualquer pessoa que estivesse começando a gostar do esporte. Assim como o futebol feminino, o jogo da bola laranja praticado por nós não me pegou de primeira. Eu tinha, mais uma vez, um preconceito sem nunca ter parado para assistir. Uma ideia de que era ruim porque a gente cresce achando que tudo feito por mulheres é inferior. Mas na última temporada parei para ver alguns jogos da WNBA e, veja só, gostei muito do que vi. O dinamismo do jogo, a habilidade de jogadoras espetaculares, a paixão de cada uma delas. Você que chegou até aqui deve se perguntar o motivo de tudo isso. Vou explicar.

Ouvir o Marcus Morris, jogador dos Knicks, falando que o Jae Crowder, dos Grizzlies “tem tendências femininas dentro de quadra”, que “é um esporte para homens e uma hora você cansa disso” e que “ele é frouxo e seu jogo é frouxo, parecido com o de uma mulher” me fez voltar a um passado nem tão distante assim. Onde eu acreditava em coisas como essa. E sei que, infelizmente, muitas mulheres e, principalmente, homens acreditam nisso também. Que ter o cromossoma XX nos faz inferior aos que carregam o XY. Seja no esporte, na arte ou na sociedade. Que comparar o jeito ou o desempenho de um homem ao de uma mulher é sinal de fraqueza e inferioridade. Você pode estar nesse momento revirando os olhos e pensando sobre militância, esse nome que ganhou um tom pejorativo nos últimos tempos. Mas vamos dar nome aos bois, já que eles possuem. A fala de Morris foi machista e homofóbica, atinge milhões de pessoas que nasceram mulheres e gays. NASCEMOS, existimos e sentimos.

Na mesma semana em que perdemos um dos maiores jogadores de basquete da história — Kobe era um grande apoiador e incentivador do basquete feminino, falava com orgulho sobre suas filhas e treinava Gigi para ser um dos maiores nomes do futuro do esporte — ter que ouvir as palavras do ala pivô dos Knicks doeu ainda mais.

Confesso que é desanimador e cansa muito ter que ler coisas como essas todos os dias. Lidar com isso no ambiente de trabalho ou em momentos de lazer, em um estádio ou ginásio qualquer. Eu poderia ser a única neta que parava de brincar nas tardes de domingo para ver o Flamengo jogar, mas tenho certeza que milhões de meninas pelo mundo já pararam e ainda vão parar para acompanhar o esporte de forma geral. E espero que cada vez mais para ver também as Martas, Sue Birds, Formigas, Serenas, Rapinoes, Moores, Osakas e tantas outras atletas que fazem do esporte um lugar de todos e para todos.

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