STICKASSONGS #3: IGOR e a nova mágica de Tyler, the Creator em se expressar

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11 min readMay 28, 2019

por Vitor Teodósio (@vteodosio23)

via Instagram

IGOR. This is not Bastard. This is not Goblin. This is not Wolf. This is not Cherry Bomb. This is not Flower Boy. This is Igor. Pronounced EEE-Gore. Don’t go into this expecting a rap album. Don’t go into this expecting any album. Just go, jump into it. I believe the first listen works best all the way through, no skips. Front to back. No distractions either. No checking your phone, no watching TV, no holding convo, full attn towards the sounds where you can form your own opinions and feelings towards the album. Some go on walks, some drive, some lay in bed and sponge it all up. Whatever it is you choose, fully indulge. With volume. As much as I would like to paint a picture and tell you my favorite moments, I would rather you form your own. If we ever cross paths, feel free to articulate what those moments were for you, keep it timely though, i’m not tryna have an oprah episode.

Stank you smelly mucho.

Tyler, the Creator, o nome por trás de IGOR, literalmente, com estas palavras, permite (ou melhor, impõe) ao ouvinte que este tire suas próprias conclusões sobre o álbum como um todo, sobre como as músicas se sobrepõem, sobre o impacto das transições entre as faixas, e, ao meu ver, principalmente sobre o contexto geral em que o álbum se encontra e adentra, bem como a ideia que cada uma das faixas tenta transmitir por si.

IGOR é um álbum que conta com uma personalidade completamente diferente daquela que o rapper apresentou ao público até hoje. Mesmo que a tendência evolutiva dele seja essa, crescer a cada álbum e single — assim como o esperado — é possível que isso vá além do que sempre conseguimos visualizar ao bater os olhos. Ao longo de sua carreira, muita coisa além da simples qualidade de seus beats, da mixagem e masterização, características técnicas marcantes do rap e seus afluentes, mudaram para melhor com o passar do tempo, corrigindo, de certa forma, algumas coisas da vontade anterior do cantor em transmitir ao seu ouvinte.

IGOR é algo que, como o próprio autor fez questão de dizer antes mesmo do lançamento, o fã de Odd Future Wolf Gang Kill Them All jamais imaginaria escutar sob uma produção de Tyler. Inclusive, trata-se do primeiro rapper na história a chegar no topo da Billboard 200 com um álbum completamente produzido e arranjado individualmente.

O álbum é um encaixe perfeito. Caso você ouça realizando outra atividade primariamente e ouvindo o disco ao fundo — contrariando completamente as recomendações de Tyler (rs) — você mal consegue perceber a transição entre uma música e outra, comportamento mais intenso nas primeiras faixas. Especificamente entre IGOR’S THEME — EARFQUAKE — I THINK — EXACTLY WHAT YOU RUN FROM YOU END UP CHASING — RUNNING OUT OF TIME, as cinco primeiras faixas do álbum, sendo a quarta um verso falado e não necessariamente uma track. Você tem uma sensação similar a que o álbum Cores e Valores, de Racionais MC’s, passa ao ouvinte. Sendo mais direto: sentimos que, na verdade, as cinco músicas na verdade são uma só grande faixa, e isso é incrível.

Outra característica presente em todos os trabalhos prévios de Tyler e que também aparece em Igor é faixa especial múltipla, que nesse caso é dupla: a de número 10 da lista, nomeada GONE, GONE/ THANK YOU. Em Flower Boy (2017), a faixa referente a este conceito é 911 / Mr. Lonely, assim como a tripla PartyIsntOver / Campfire / Bimmer, em Wolf (2013).

via Apple Music

O álbum começa com a track IGOR’S THEME, literalmente introdutória e fazendo jus ao que Tyler disse em sua declaração. Ali, repetidamente, em faixa que conta com a colaboração de Lil Uzi Vert e a grandiosa Solange, a letra junta-se a uma batida marcante com a cara do autor, que faz questão de dizer ao ouvinte que este irá sentir. Mas sentir o que? A música? O álbum? Algum verso em questão? Sim, sim e sim. O ouvinte irá sentir IGOR e sua vibe marcante, única e surpreendente.

A partir da segunda faixa é que começamos a sentir o que estaria por vir. Em EARFQUAKE, faixa que conta com a presença de Playboi Carti, Tyler fala sobre alguém que realmente fazia com que o seu mundo se estremecesse. No entanto, ele já havia falhado com este alguém, e por isso chegava a hora de se declarar, pedindo que não vá embora, mesmo que uma certa culpa em relação à partida fosse completamente dele. Caso não fosse possível, ele apenas gostaria de saber o real motivo do término, e muito provavelmente isso só acontecera por conta da quantidade de brigas, ou decisões erradas que esta relação tivera (e muitas por culpa de Tyler). EARFQUAKE é uma das músicas em que a presença de um dos artifícios mais utilizados por Tyler neste álbum, a distorção de sua própria voz a fim de gerar diferentes tons que complementem o beat e não o “estraguem” pelo fato de sua voz natural ser extremamente grossa e grave — como o próprio já afirmou em entrevistas — além de conseguir transmitir o sentimento implícito no contexto em que a canção está inserida.

I THINK, a terceira faixa do álbum, continua a problemática trazida por Tyler na faixa anterior, falando de uma relação que acabara, mas que continuaria a trazer efeitos colaterais que ele não gostaria de estar sentindo. Ele questiona a posição da pessoa que, aparentemente, não teria sido tão legal com ele no que diz respeito às explicações e motivações para o término da relação, chegando a dizer até que ele seria uma marionete dessa pessoa, frisando no refrão que agora ele achava que estava se apaixonando de verdade. Um pouco tarde? Talvez, considerando que ele mesmo sabe que, mesmo com todas estas considerações, a pessoa a quem ele ama não está disposta a ouvir.

A seguir, vem EXACTLY WHAT YOU RUN FROM YOU END UP CHASING, a passagem falada, metafórica, de apenas 15 segundos, em que ele associa o paradoxo da fuga à sua relação amorosa problemática. Talvez, sentir — exatamente o que ele teria evitado durante todo este tempo — estaria vindo à tona agora. Em outras palavras, como costumamos dizer aqui no Brasil, trata-se do “se dar valor ao perder”.

Em RUNNIN OUT OF TIME, Tyler fala que está “ficando sem tempo para fazer com que a pessoa o ame” em quase todas a linhas, diga-se (hehe). Ele consegue descrever como se sente nesta situação crítica e extremamente sensível que é, ao mesmo tempo, lutar por algo que acabou majoritariamente por sua culpa e também se colocar no lugar de quem está indo embora, mostrando uma boa noção de como as coisas chegaram até este ponto. No entanto, também consegue mostrar que suas tentativas de reatar têm algum fundamento. Uma pena que, neste momento, já estivesse ficando sem tempo para conclui-las com êxito.

Às vezes você precisa fechar uma porta para abrir uma janela” é a forma como Jerrod Carmichael introduz ao ouvinte a faixa 6, NEW MAGIC WAND, que trata da tentativa desesperada de Tyler a convencer sua pessoa amada a não lhe trocar por outro alguém. Trata-se dos pensamentos mais primitivos e radicais do eu lírico, que faz tanta questão de continuar uma relação problemática que chega a ameaçar uma terceira pessoa na tentativa de reatar. Menções à morte de alguém que estaria tornando a relação de Tyler com sua pessoa amada em uma relação “60–40” são utilizadas, assim como o termo new magic wand, que pode — e deve — ser uma referência à uma nova arma que Tyler estaria disposto a usar para concluir seu objetivo. Musicalmente, a distorção total de sua voz em grande parte da faixa, bem como a batida agressiva tornam a sensação de que o círculo está cada vez menor. Ironicamente, trata-se justamente do oposto.

A BOY IS A GUN é o início da insatisfação entre os sujeitos contidos na relação. Trazendo uma estreita continuidade com a faixa anterior, esta transforma as pessoas da relação em pura metáfora. Pessoalmente, acredito que seja a letra na qual quem está cantando ou escrevendo pode, muito bem, ser tanto o próprio Tyler, quanto sua pessoa amada. Ou até mesmo os dois, em partes diferentes da música. O título faz referência ao filme francês “A girl is a gun” e a frase por si só tem significados claros, mostrando o quão fortes as pessoas e seu grau de periculosidade podem ser. A BOY IS A GUN é a música que mais explicita a insatisfação de Tyler com a situação em que se encontra a sua relação com a sua pessoa amada. Ali, o eu-lírico enxerga a ambivalência do relacionamento por intermédio da simbologia da arma: ter uma outra pessoa (ou uma arma) por perto é bom, mas com ressalvas: ambas te mantém seguro até certo ponto, mas por outro lado totalmente contrário, podem ser completamente nocivas a todos ao seu redor.

É uma música com uma forte identidade de Tyler e envolve um pouco do conceito sonoro que Kanye West nos trouxe em sua música “Bound 2”, também sampleando “Bound” de Ponderosa Twins Plus One. A voz principal dos versos é a grave e natural, com alguma distorção para suavizá-la, mas contendo o timbre agudo nos chamados “adlibs”.

Depois de manifestar a periculosidade da situação para sua saúde — principalmente mental — na faixa anterior, é em PUPPET que Tyler reconhece que a situação que vivencia não lhe faz bem. Não exatamente que ele esteja certo no contexto, ou que o seu desfecho deva favorecê-lo com a volta da sua pessoa amada aos seus braços. Mas justamente identificando que naquele ponto, ele já estava confuso o suficiente para questionar, inclusive, se estar naquele imbróglio era por sua vontade, ou pela vontade de ter a pessoa de volta a qualquer custo. No refrão, Tyler se declara como a marionete da pessoa que ama, dizendo que ela o controla e que por conta disso ele mesmo não se conhece. Kanye West aparece no terceiro verso da faixa, após o refrão, como algo que tenta acalmá-lo para que ele volte ao controle de seus pensamentos e desejos.

Saindo rapidamente da narrativa amorosa — ou se quiser interpretar de forma que a faixa WHAT’S GOOD não fuja do contexto — e tendo um forte momento de introspecção sobre a pessoa que é, seu tamanho em relação às pessoas ao seu redor e aos problemas que vêm enfrentando, Tyler nos traz uma faixa muito boa e bem próxima ao grime, em colaboração com o rapper Slowthai. A batida forte, combinando elementos diferentes e ao mesmo tempo semelhantes ao ouvido, juntadas às rimas de ponta a ponta, marcam uma faixa que termina com o questionamento sobre a dificuldade de lidar com o “se deixar ir ou conviver com isso”, em clara relação com a pessoa que Tyler tenta trazer de volta.

GONE, GONE/ THANK YOU é a décima faixa do álbum, marcando também a característica inerente ao cantor que coloca na track de número 10 de todos os seus álbuns o trabalho de múltiplas estruturas. Como se fossem duas músicas em uma, sabe? Sim. Em GONE, GONE, Tyler passa a acreditar que tudo acabou, que a pessoa amada se foi e se diz até “tranquilo, por agora”. O comportamento é de alguém que compreende os acontecimentos e situações que levaram uma relação boa, na qual a compreensão era mútua, o amor era recíproco, mas uma suposta mudança nas opiniões e pensamentos e até a inclusão de um corpo estranho ao ambiente levaram algo tão bom a chagar ao fim. No entanto, ironicamente, por mais que Tyler carregue a culpa da partida da pessoa amada, ele acredita que a situação foi completamente distorcida por uma verdade absoluta que a outra pessoa teria criado.

Em THANK YOU, ele basicamente agradece aos “serviços prestados”, pelo tempo que passaram juntos, pelas alegrias. Mas avisa que não se apaixonará novamente, pensamento potencializado pela outro, numa mensagem que une as duas partes da música, também de Jerrod Carmichael, na qual o autor diz que odeia potenciais gastos em vão, porque isso acaba com o espirito e a alma das pessoas. A primeira parte é alegre, com uma batida leve na qual a voz de Tyler é levada ao agudo nas distorções, algo recorrente durante o álbum e seu jogo de vozes. A segunda parte é mais tranquila, com alguns adlibs e somente o refrão de “importante”.

A penúltima faixa, I DON’T LOVE YOU ANYMORE , chega para sacramentar o final do jogo dentro de sentimentos que anda acontecendo dentro de sua cabeça durante todo este impasse. No caso, sua pessoa amada já havia tomado sua decisão de ir, então era Tyler quem ainda tentava e, durante as faixas do álbum, se questionava sobre até onde deveria ir por uma relação que já estava conturbada. A dificuldade em reatar seria tão grande quanto a de manter a relação, conforme o tempo fosse passando. No entanto, mesmo frisando que não a ama mais, ele nota que continua machucado. Utiliza de coisas como tempo perdido e “ter seu coração de volta” para demonstrar que o final da relação haveria invalidado toda a sua duração. Que ele não se encontrara mais junto aos seus sentimentos e que também estaria perdido, pedindo pelo menos uma direção.

O álbum é finalizado com a música ARE WE STILL FRIENDS que é de uma genialidade sem tamanho para um controverso caminho percorrido em busca de verdades em relação ao que seria certo ou errado de fazer depois dali. Com a colaboração de Pharrell Williams, Tyler pergunta se os dois ainda serão amigos depois de tudo acabar, mas não necessariamente o que a forte palavra amigos implica em uma relação. Coisas simples como manter um simples contato, não se tornar “green skin”, que pode ser relacionado a agir como o personagem Grinch — fazendo referência,também, ao EP que ele lançou em 2018 intitulado Music Ispired by Illumination & Dr. Seuss’ The Grinch — ou ser uma pessoa falsa acerca dos acontecimentos que envolvem a relação.

Oficial/Lewis Rossignol

Vitor não veio aqui pra pintar o que as coisas sobre o álbum e suas faixas são oficial, única e exclusivamente. É uma interpretação pessoal sobre uma obra muito bem produzida e que impacta bastante itimamente. Justamente por situações como essa serem tão reais é que pelo menos uma das faixas vai se encaixar na vida de quem estiver passando por algo parecido ao contexto geral do álbum.

EEE-Gore, como seu criador afirmou ser a pronuncia correta, é uma jornada de uma pessoa que busca entender as decisões tomadas por outra. Essa outra possuía extrema relevância em sua vida, mas de uma hora para outra precisa ser esquecida, deixada de lado, porque a relação acabara com inúmeros problemas. Questões que o eu lírico tentou resolver, enigmas que tentou desvendar e passos em falso que tentou evitar durante toda esta jornada, sabendo que não seria fácil de se superar. Querendo tornar as coisas melhores — ou menos piores — e menos dolorosas para si, como são em casos de despedidas abruptas como esta.

O trabalho é único no que diz respeito a um Tyler, the Creator cada vez mais melódico e preocupado em transmitir diretamente suas emoções por meio de suas letras, rimas, punchlines e metáforas. Alguém crescido que sabe bem como os sentimentos são importantes para as pessoas e devem ser tratados como tal. Jamais subestime o sentimento alheio.

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