STICKASSONGS #5: Circles: Música, depressão e o último presente de Mac Miller

Rodrigo Savian
STICK TO SPORTZ
Published in
4 min readJan 19, 2020

Por Rodrigo Savian
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Capa do disco Circles (2020) via Instagram

Segundo a organização mundial da saúde (OMS), em 2019, cerca de 264 milhões de pessoas sofriam de depressão ao redor do mundo e 800 mil cometem suicídio a cada ano. Ainda, depressão é a segunda maior causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. É um número expressivo, não?

Ainda que não tenha cometido suicídio, Mac Miller sofreu uma overdose acidental de drogas. Junte isso ao seu histórico de depressão, o abuso de substâncias é apenas mais um dos indícios dos perigos que a mente humana pode apresentar e sublinha ainda mais importância do autocuidado consigo. Assim como Mac, muitas pessoas têm sonhos e expectativas em suas vidas, e por isso o texto começa com esses dados, pois assim como esses números estatísticos, o cantor de Pittsburg também os tinha e, a aos 26 anos, com certeza seu legado ainda estava longe de estar finalizado.

Mac Miller via Instagram

Uma casa em construção por alguém que não mora mais lá. Esse é o sentimento daqueles que acompanhavam ou passaram a acompanhar Mac Miller nos últimos anos. Nuances da postura doce e simultaneamente introspectiva do artista foram expressas em sua totalidade no lançamento de seu primeiro disco póstumo, intitulado Circles.

O projeto em si apresenta muito de suas influências pelas quais já era conhecido, com uma pegada de beats lo-fi e até mesmo um rolê mais puxado ao folk. Refletindo sobre a incerteza da vida, Mac abre o disco, na canção homônima Circles, já indicando a temática do álbum.

“Well, this is what it look like right before you fall
Stumblin’ around, you’ve been guessing your direction
Next step, you can’t see at all”

(Bem, é isso que parece logo antes de você cair. Tropeçando por aí, você vai se perguntando a sua direção. Próximo passo, você não vê nada.)

Na sequência, em Complicated, Mac relata os problemas que parecem intermináveis no cotidiano e como ele é muito novo para lidar com determinadas pressões, vivendo um dia de cada vez. Blue World, a terceira canção do disco segue a mesma reflexão. Fácil de se conectar, não?

Na quarta faixa do disco e primeiro single oficial, Good News, Mac expressa como se sentia pressionado a estar sempre bem psicologicamente. A faixa conta com uma letra brilhante, uma das principais marcas do artista, e junto ao instrumental acurado, cria uma atmosfera de inconformidade conformada com a situação narrada.

“Good news, good news, good news
That’s all they wanna hear
No, they don’t like it when I’m down”

(Boas notícias, boas notícias, boas notícias. É tudo que eles querem ouvir. Não, eles não gostam quando eu estou triste.)

A aura intimista e confessional presente no disco não impede em momento algum o ouvinte de se conectar, se perceber, enxergar outras pessoas e refletir sobre o que é ali apresentado. Nessa altura, já perto da metade do projeto de 12 faixas, já é possível estar ambientado ao que Mac idealizou no processo inicial de criação de Circles.

Em Everybody, vem uma reflexão maior sobre a inevitabilidade da vida. Vitórias e derrotas. Canção que se interliga perfeitamente com a faixa seguinte. Já em Woods, Mac mostra pela primeira vez no disco uma preocupação sobre seu legado ou a opinião de terceiros sobre si.

“Yeah, things like this ain’t built to last
I might just fade like those before me
When will you forget my past?”

(É, coisas como essa não são feitas pra durarem. Talvez eu apenas suma como aqueles antes de mim. Quando você vai esquecer o meu passado?)

Porém, é em That’s On Me que o artista se mostra mais vulnerável ao longo da jornada de Circles. Melancolia na voz e no instrumental, com uma letra em que ele se culpa e se absolve sobre coisas em sua vida. E talvez essa seja a grande lição do disco.

“That’s on me, that’s on me, I know
That’s on me, that’s on me, it’s all my fault
[…]
I’ll let it go
I’ll cut the strings
Today I’m fine”
(Eu sei que sou eu, eu sei que sou eu, eu sei. Eu sei que sou eu, eu sei que sou eu, é tudo culpa minha.[…] Eu vou deixar ir. Eu vou cortar as amarras. Hoje eu to bem.)

Mac Miller via Tumblr

Isso não é uma análise de disco enquanto crítica musical. É sobre a capacidade de enxergar as nuances humanas presentes em Circles e quais lições podemos tirar disso. Em seu trabalho final, Mac Miller nos brinda com um último presente. Uma ode ao que construiu musicalmente ao longo de sua carreira, talvez não propositalmente, mas muito bem vinda. O jovem de Pittsburg não está mais aqui, mas suas reflexões seguem e a possibilidade em interpretá-las e incorporá-las em nosso cotidiano, também. Cuide de si, cuide do outro. Não tenha medo de conversar e nem de pedir ajuda. As coisas melhoram.

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