Toledo: “Se eu não falar nada, o alvo estará sobre os meus filhos”

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6 min readJun 4, 2020

Ex-pivô do Pinheiros fala sobre vida durante a quarentena e aponta necessidade de se posicionar sobre questões sociais

Toledo em ação pelo Pinheiros, seu ex-clube (Foto: Pinheiros/Divulgação)

Por Matheus Meyohas

A quarentena do pivô Marcus Toledo tem lhe apresentado uma rotina bem diferente da qual estava acostumado. Sem clube desde que foi desligado pelo Pinheiros de forma controversa, o atleta tem passado suas horas entre os treinos físicos e a correria atrás dos filhos.

Longe das quadras, Toledo tem usado a plataforma que conquistou como jogador para se posicionar sobre importantes questões da sociedade. Em sua conta do Twitter, deixa mensagens de apoio à luta contra o racismo e as desigualdades sociais. Em entrevista exclusiva ao Stick to Sportz, o pivô falou sobre a importância de fazer sua voz ser ouvida:

“Sei que quando eu falo, boto um ‘alvo’ em mim. Mas esse alvo, se eu não falar nada, estará sobre os meus filhos depois. Eu tenho dois filhos pequenos, irmãos, isso pode cair sobre eles um dia. Se eu ficar calado, não vai mudar. Não sei se falando vou mudar muito, mas se uma pessoa me escutar e pensar no que estou dizendo, já valeu a pena. Sofro pelo futuro dos meus filhos”.

Atualmente sem clube, o pivô vive a mesma apreensão que centenas de jogadores de basquete no país. A temporada atual do Novo Basquete Brasil terminou sem a definição de um campeão, por conta da pandemia do coronavírus. E o retorno às atividades ainda é uma incógnita.

Apesar dos 33 anos de idade e a noção de que a carreira, aos poucos, se aproxima de um fim, Toledo quer evitar ao máximo uma volta precoce dos jogos. Por mais que muita gente pense de outra forma, para ele, a saúde das pessoas é prioridade.

“Para quem vive do basquete, isso é muito duro. É minha única renda. Vou ficar sem receber, sem trabalhar. Eu realmente não sei o que vai acontecer. Vamos torcer. Mas temos que priorizar a saúde. Disseram que era só uma gripezinha, que se fosse atleta não iria afetar. Mas o futebol mostrou que não, que também afeta”.

Confira a entrevista completa de Toledo para o Stick to Sportz:

Você teve o vínculo com o Pinheiros encerrado? Qual é a sua situação contratual?

Meu contrato acabou com o Pinheiros e esse foi meu último contato com eles. Oficialmente, sou um ex-atleta do clube. A gente ainda está meio apreensivo, quer primeiro saber como vai resolver a questão da liga. Acho que o mais importante é ver a saúde. Muita gente não sabe como que vai ser, quando, como vamos poder jogar.

Como têm sido as conversas dos jogadores com a liga?

Quando resolveram parar e terminar o campeonato, a liga estava fazendo reuniões semanais para definir o que fariam na sequência. Estamos em um momento nebuloso, há contratações que foram interrompidas. A Associação (de Atletas Profissionais de Basquete) apoiou muito os jogadores. O Guilherme Teichmann e o Bruno Fiorotto participam das conversas com a liga, mas eles também estão como a gente. Todo mundo ainda está conversando.

Toledo era o líder de rebotes do Pinheiros na temporada que se encerrou (Foto: Pinheiros/Divulgação)

Há alguma previsão de retorno?

A discussão não tem que ser quando vai voltar, mas como estaremos quando isso acontecer. Semana passada falaram em um protocolo com os jogadores usando máscara… Não tem como. Não dá para ser de qualquer forma. Para quem vive do basquete, isso é muito duro. É minha única renda. Vou ficar sem receber, sem trabalhar. Eu realmente não sei o que vai acontecer. Vamos torcer. Mas temos que priorizar a saúde. Disseram que era só uma gripezinha, que se fosse atleta não iria afetar. Mas o futebol mostrou que não, que também afeta.

É difícil manter a forma física em dia mesmo durante a quarentena?

A gente treina como pode, né? Dei uma improvisada na questão mental. Pesa muito poder estar com meus filhos e com a minha esposa. Estou em contato com o fisioterapeuta do Pinheiros, o Bruninho, o Cláudio, que é o preparador físico. Eu tento manter a cabeça e o corpo ativos, mas não é a mesma coisa que estar no clube. Tenho usado esse tempo para recuperar o corpo.

“Vemos pessoas morrendo na miséria. Nós normalizamos o racismo e a pobreza. Isso não pode ser normalizado.”

Você tem usado as redes sociais para se manifestar contra o racismo e outras injustiças sociais. Qual a importância de um atleta se posicionar no momento em que vivemos?

Não posso dizer pelos demais. Mas sei que quando eu falo, boto um ‘alvo’ em mim. Mas esse alvo, se eu não falar nada, estará sobre os meus filhos depois. Eu tenho dois filhos pequenos, irmãos, isso pode cair sobre eles um dia. Se eu ficar calado, não vai mudar. Não sei se falando vou mudar muito, mas se uma pessoa me escutar e pensar no que estou dizendo, já valeu a pena. Sofro pelo futuro dos meus filhos.

Tem notado alguma diferença na maneira como as pessoas lidam com esse assunto, como falam contigo?

Conversando com jogadores, vemos uma conscientização maior. Ainda estamos aprendendo a nos posicionar, a entender melhor o que está acontecendo. E não só a partir do que nos impõem. Tem várias vertentes sobre o que estamos vivendo atualmente. Essa conversa, com a liberdade de debater com a galera, discordar, concordar, é boa.

A gente viu agora o assassinato do George Floyd. Mas gente vê isso em casa, no Brasil e não se posiciona. Essa revolta é que faz com que eu me posicione. Vemos pessoas morrendo na miséria. Nós normalizamos o racismo e a pobreza. Isso não pode ser normalizado. Essa autoconsciência é que me faz pensar e debater.

A estrutura do basquete brasileiro é racista?

É complicado, na sociedade em que 97% afirma que existe racismo e só 1% assume que já praticou, dizer que algo não é racista. O racismo está em todos os lugares do Brasil, conscientemente ou não, é estrutural. Sobra para todos os lados. A questão é o que estamos fazendo para nos posicionar contra isso. A liga fez um trabalho na live, tem se posicionado contra nas suas redes sociais. Isso é muito importante.

Há muito elitismo nas categorias de base? Como você pôde sentir essa diferença durante seu começo no esporte?

Isso me afetou, por exemplo, na questão econômica. Vim de uma infância pobre, com pais divorciados. Ainda bem que tive o amor da minha família. Isso me ajudou bastante. Eu morava na Zona Leste de São Paulo, o clube mais próximo estava a dois, três ônibus de distância. Tinha que sair cedo, torcer para não chover e pegar engarrafamento, passar horas no trajeto. Isso antes de chegar no clube. É difícil. É uma peneira antes da peneira. Quantas crianças não poderiam chegar se tivessem uma condição melhor? Por sorte, minha mãe, a Dedé, era jogadora e sempre me incentivou.

“Se uma pessoa me escutar e pensar no que estou dizendo, já valeu a pena”

Como podemos diminuir essa diferença?

No alto nível, dependemos muito das peneiras, das federações, que mantêm o monopólio do basquete. Ser federado ainda adolescente é uma coisa para poucos. Por isso, temos que destacar ligas que estão vindo abaixo das federações, que estão produzindo, fazendo acontecer. E enquanto a gente não olhar para as escolas, não vai ter como. Fazer com que as crianças participem, joguem. Existem movimentos nesse sentido, mas ainda é muito pouco. O projeto do Marcelinho Machado é muito legal, porque trabalha nesse caminho.

O basquete mudou sua vida?

O basquete me ajudou até a ter uma visão diferente. Tudo que eu tenho eu dedico ao esporte. Eu entrei quando era moleque, querendo estudar e jogar, tudo mais. Não pensava em viajar, morar fora do país, ficar dez anos na Europa, voltar. Ninguém me deu isso, nunca me falaram dessa possibilidade. O basquete me permitiu. O esporte ajuda. A gente não pode achar que é só uma bola laranja e gente correndo atrás da bola. Nessa trajetória, tive muitas pessoas que me ajudaram. A gente não tinha muitas condições para treinar. Eu sabia das minhas diferenças, mas quando começava a jogar, o basquete me dava a sensação de poder ser mais um no meio de todo mundo. Esse foi o meu maior incentivo.

Toledo em ação no último NBB (Foto: Divulgação/Pinheiros)

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