Um pedido de desculpas

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3 min readNov 27, 2021

Por Melissa Porto

O meu vínculo com o futebol é familiar. Fui criada em um misto de Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Botafogo, CSA, CRB e Santos. Até torcedor do Chelsea e do Atlético de Madrid tem na minha família. E, para deixar essa mistura ainda mais doida, resolvi torcer para um time alemão. Mas, por mais que o futebol sempre tenha estado ligado à minha vida (afinal, desde que eu me conheço por gente, a Copa do Mundo sempre foi parte integrante da minha curta trajetória até aqui), o meu vínculo com o esporte como um todo demorou a se fortalecer. Eu só considerei ele 100% estabelecido quando vi que também tinha mulher na parada. E, estabelecendo vínculo com o futebol feminino, estabeleci um vínculo com uma tal de Miraildes. Miraildes Maciel Mota. A tão famigerada Formiga.

A história de Formiga caminha lado a lado com a do desenvolvimento do futebol feminino por aqui e pelo mundo afora. Ora proibida em solo brasileiro, ora sendo transformada em atração de circo como forma de sobrevivência, a modalidade tem em Formiga um de seus maiores exemplos de resiliência e um de seus grandes expoentes de qualidade técnica. Soteropolitana, negra e LGBT, Formiga tem em seu currículo sete Copas do Mundo, o maior número de participações entre homens e mulheres, além de ser a jogadora mais velha a ter marcado um gol na competição (em 2015, no Canadá) e de sete Olimpíadas. De companheira da igualmente histórica Sissi à precursora de Angelina, Formiga sempre esteve lá por nós e para nós. Mas nem sempre estivemos lá por ela e para ela. E o seu adeus da seleção brasileira foi prova disso.

Foi uma despedida, de forma geral, melancólica, apesar da goleada. Uma desorganização completa de parte da CBF (não que eu já espere muita coisa da federação, mas putz). Eu diria que apenas a entrega do buquê de flores feita pela Marta valeu realmente a pena. Sem Andressa Alves, sem Cristiane, com ingressos de preços exorbitantes e marcada em pleno meio de semana. Às dez da noite, ainda por cima. E sua homenageada só foi entrar em campo lá pela metade do segundo tempo, sob a justificativa de que a mesma “não está no futuro da seleção”, segundo a técnica Pia Sundhage.

Bom, Pia, com todo o respeito (afinal eu sei dos seus méritos como treinadora), mas Formiga está sim no futuro da seleção. Está na Angelina, a jovem meia do OL Reign que herdará sua camisa 8 da estimada Amarelinha. Está em nós, telespectadores do futebol feminino, que tivemos e sempre teremos ela guardada na memória quando o assunto for a seleção brasileira feminina, mesmo agora quando nos vemos seguindo adiante sem ela. Está nas gerações futuras, aquelas que até podem não crescer vendo Formiga jogar, mas certamente ouvirão falar dela e a terão como inspiração na hora de calçar chuteiras.

Em “Profissão de fé”, um dos muitos contos do maravilhoso Livro dos Abraços de Eduardo Galeano, o uruguaio diz que “(…) sempre é possível encontrar contemporâneos em qualquer lugar do tempo e compatriotas em qualquer lugar do mundo. E sempre que isso acontece, e enquanto isso dura, a gente tem a sorte de sentir que é algo na infinita solidão do universo (…)”. Formiga foi essa compatriota e contemporânea. Em meio a todas as adversidades, Formiga fez milhares de meninas com vontade de pôr os pés em um campinho irem atrás de seu sonho, fazendo com que elas sentissem que são algo nesse mundão. Que reconhecessem sua importância no meio.

Por isso, venho aqui em nome de uma galera considerável te pedir desculpas, Fu. Desculpa por você não ter tido o adeus que você merecia, ao lado de quem merecia estar junto de você nesse momento tão solene. Só nos resta desejar que o São Paulo faça algo à sua altura, afinal, você foi uma das maiores que já tivemos, e seguirá uma das maiores que nós temos, ainda que longe dos gramados. Você é gigante dentro e fora de campo. Você é eterna, Miraildes Maciel Mota.

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