A Ilíada via Whatsapp

Gabriel Cunha
Storica Blog
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4 min readMay 28, 2015

Hoje logo cedo o Twitter me presenteou com um texto que, bem no comecinho, chamava o teclado Emoji de ‘a primeira linguagem global’.

É.

Eu vou te dar um tempinho para processar essa informação.

Foi isso mesmo. Você que passou anos pagando cursinho de inglês? Ou você, que é mais descolado e apostou no esperanto? Erraram. As carinhas amarelas são a primeira linguagem universal da humanidade — ou o mais próximo que conseguimos chegar disso.

Agora que passou o susto inicial, analisemos essa ideia com calma. Imagens são mais facilmente decodificadas do que formas abstratas que representam sons que, quando agrupados, formam palavras que nos remetem a ideias (a.k.a. Alfabeto). O homem das cavernas lá atrás não versava nas paredes sobre o mamute que caçou durante o dia. Os egípcios antigos, por mais fantásticos que tenham sido, usavam imagens para representar suas ideias.

Pera lá, você tá comparando o Emoji com os hieróglifos?

Eu não, mas o The Guardian está. O jornal britânico soltou ontem um artigo criticando duramente o Emoji, que foi apontado como “a língua que cresce mais rápido no Reino Unido” de acordo com o linguista Vyv Evans. Para o The Guardian, uma linguagem baseada em imagens limita o leque de possibilidades de expressão dentro daquela língua. “É por isso”, conclui o jornal “que não temos uma Ilíada ou uma Odisseia em Egípcio Antigo”.

Desse artigo podemos tirar algumas ideias:

  1. Vdd. Não temos uma Odisseia em Egípcio Antigo. Esse tipo de narrativa só foi possível graças ao Alfabeto Grego que originou quase todas as formas de escrita que temos no Ocidente hoje. Go, Grécia!

2. Uau, parece que a ideia de o Emoji ser uma língua está realmente difundida. Não é para menos, você conhece o Emoji Tracker? Acompanha por alguns minutos a utilização de Emojis no Twitter e me diz que essas carinhas amarelas não são um fenômeno que mereça atenção.

3. Calma lá, campeão. Quem foi que falou em escrever a Odisseia em Emoji? Apesar de estar sendo tratado como uma língua, um código compreendido por emissor e receptor de determinada mensagem, o Emoji precisa ser entendido dentro do contexto em que ele nasce.

O Emoji é uma linguagem auxiliar que nasce no ambiente mobile e aponta para a forma como as pessoas se comportam nesse ambiente. Você tem uma tela de algumas polegadas, um teclado menor ainda e uma mensagem para passar. Não há monge budista que tenha paciência para escrever uma narrativa sobre o dia, seus sentimentos ou a morte da bezerra nessas condições. Ah, tudo em 140 caracteres, hein? A linguagem digital, em especial a do mobile, é rápida, curta e direta. Para esses casos, uma carinha sorrindo diz ‘Eu estou feliz com essa situação’ em nada mais que um caractere. É limitador? Talvez. É a morte da língua portuguesa? Menos, cara. Menos.

Apesar de algumas brincadeiras, o Emoji não é uma linguagem autossuficiente e nem se propõe a ser. Mas entendê-lo como parte do vocabulário do mobile é fundamental para quem quer conversar com as pessoas que habitam esse universo. São só aquelas carinhas bobas que os adolescentes colocam depois das frases, você pode argumentar. Não, não são.

Quando eu falo de Emojis eu falo de muito mais do que só um Simpson redondo com a língua para fora. Eu falo de identificação público-comunicador. Eu falo de participação na zeitgeist. Eu falo de pertencimento. Saber aplicar bem a linguagem emoji é diretamente relacionado a saber se comunicar bem e mais profundamente com uma parcela da população mun-di-al. A coisa é tão maluca que diferentes grupos de pessoas utilizam diferentes Emojis. Diferentes países usam diferentes Emojis. Isso mesmo, você precisa estudar quais Emojis deve usar para falar com cada público.

Puristas, preparem suas pedras para atirar nessa próxima afirmação.

Emoji, gostemos ou não, é cultura. E você, publicitário, profissional de marketing, de branding, comunicador ou perdido que caiu aqui de paraquedas, precisa largar de mão dessa ideia de que é só um monte de carinhas bobas e entender o emoji como uma possibilidade de comunicação, construção de imagem e relacionamento emocional.

Não, Emoji não é a linguagem do futuro.

Mas para falar com o futuro é fundamental aprender a falar Emoji.

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Gabriel Cunha
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