Leonardo da Vinci's Vitruvian Man.

Criatividade e Liderança para o Século XXI

José Maurício da Costa
Published in
4 min readJun 28, 2019

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“Em vários aspectos, estamos falando em criar humanos renascentistas. Um bilhão de humanos renascentistas. Este será o desafio da educação para o século 21: sair de uma educação bem especializada e limitada para uma educação ampla e profunda, simultaneamente. E isso é assustador.” — Charles Fadel

O ano devia ser 1990. Lembro-me bem da área externa que ficava na lateral da entrada da casa de minha infância e do diálogo entre meus pais e meus tios:

- “O menino nunca fala, parece que o gato comeu a língua”. Ao que o tio Bila retrucou:

- “Isso é sinal de sabedoria. Deus nos fez com duas orelhas e só uma boca para poder escutar mais e falar menos.”

Se é sinal de sabedoria mesmo ou não, isso é de menor importância. O fato é que no decorrer de uma vida que já chega ao seu trigésimo quinto aniversário, tenho percebido cada vez mais o valor fundamental de uma arte tão rara atualmente, e que, simultaneamente, forma todo o alicerce para depositarmos qualquer esperança em um futuro melhor: a arte de ouvir profundamente.

Explorada com exaustão desde as tradições budistas do Tibete e imprescindível ao processo de autoconhecimento desde a era de Sócrates, a virtude de escutar, observar e intuir atinge o seu auge na figura do Homo sapiens renascentista. Os Leonardos e Michelangelos que, muito antes de artistas eram cientistas, engenheiros e anatomistas, se tornaram o modelo de competência exemplar para projetos que exigem profunda exploração, transdisciplinaridade e inovação. ¹

Leonardo da Vinci's Drawings.

E o que toda essa história de ouvir, observar e intuir tem a ver com os nossos dias de hoje? Simples, é só olharmos para as principais competências para o século XXI divulgadas pelo World Economic Forum em 2016: ²

1. Resolução de Problemas Complexos

2. Pensamento Crítico

3. Criatividade

4. Gestão de Pessoas

5. Trabalho em Equipe

6. Inteligência Emocional

7. Tomada de Decisão

8. Orientação para Servir

9. Negociação

10. Flexibilidade Cognitiva

Após refletir um pouco sobre cada um dos itens acima, convido o leitor a indagar se o mesmo acredita ser possível desenvolver qualquer uma destas competências sem o pré-requisito de estar aberto ao outro e disposto a ouvir com profundidade. Até mesmo talentos como “Pensamento Crítico” e “Inteligência Emocional”, que aparentam ser atividades exclusivamente autorreflexivas, dependem de uma leitura precisa do meio e da situação em que se está inserido.

Em uma entrevista recente concedida à plataforma 99U, Jessica Orkin da SYPartners definiu a arte de ouvir com profundidade como “uma quietude intencional do ego e do desejo de confirmar padrões do passado ou soluções pré-existentes”. A presidente da consultoria, que já apoiou grandes lideranças a chegarem a uma versão mais vibrante de si mesmos — entre elas o próprio Howard Schultz da franquia global de cafeterias Starbucks — ainda acrescenta: “O resultado é uma abertura para um mundo de informação muito mais rico e menos óbvio — a energia de uma sala, as conexões entre pessoas, as coisas não ditas, as vozes ausentes numa conversa, idéias que se sobressaltam e se chocam em vez de se encaixar. Quando estou ouvindo em profundidade, começo a sentir o que está por baixo da superfície das coisas, e muitas vezes uma compreensão diferente do “problema” emerge, dando origem a formas radicalmente diferentes de avançar.” ³

As razões para cultivarmos uma tal habilidade são mais do que conhecidas, já que no nosso século enfrentamos desafios monumentais como a mudança climática, a ainda crescente desigualdade e uma instabilidade financeira e política globais que ameaçam seriamente as chances de felicidade e bem-estar da humanidade. Neste cenário, a inovação é vista como a grande protagonista e salvadora da história, porém não devemos nos esquecer que não é o volume de ideias muito menos a velocidade da evolução tecnológica quem poderá trazer uma luz no fim do túnel para a nossa era, mas sim uma maior conexão e senso de presença com o nosso meio conjuntamente a uma disposição genuína de dialogar.

A grande esperança e fonte de otimismo com o trabalho que fazemos na Storiologia está nos pensadores, criadores e lideranças do futuro. Que estes atendam aos seus chamados e se transformem nos “humanos renascentistas” de que o nosso século tanto necessita.

Leonardo da Vinci’s Town Plain of Imola.

¹ “Em uma carta ao governante de Milão, listando seus pontos fortes, enviada no início da década de 1480, Leonardo mencionou 10 habilidades diferentes — projetar pontes, túneis, carruagens e catapultas, por exemplo — antes de acrescentar no final que ele também podia pintar.” Bill Gates: What This Legendary Artist Can Teach Us About Innovation. https://time.com/5520552/bill-gates-da-vinci-innovation/

² World Economic Forum: The Future of Jobs. http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs.pdf

³ Jessica Orkin: How Deep Listening Can Help You Be More Creative. https://99u.adobe.com/articles/62878/how-deep-listening-can-help-you-be-more-creative

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