Manipulação digital do rosto do Presidente Temer. Fonte Camila Porto.

Manipulação Digital e a Era das Verdades Alternativas

Quando a ficção do século passado vira a realidade do presente.

Guaracy Carlos da Silveira
Strategic Powerhouse
5 min readOct 4, 2017

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Nos idos de 1987 chegava as telas de cinema o filme: “The Running Man” estrelado por Arnold Scharzenegger (em português recebeu o título de: “O Sobrevivente”). O filme é baseado no livro homônimo escrito por Stephen King (sob o pseudônimo de Richard Bachman) e pretendia ser uma crítica as necessidade pífias da humanidade como assistir televisão e a sentimentos como o egoísmo. Embora a trama tenha sido ligeiramente alterada para o cinema, manteve o conceito original de exposição pública em troca de sobrevivência.

Passado em um EUA totalitário, o personagem Ben Richards (interpretado por Arnold) é injustamente acusado de um crime, ao recusar-se a matar civis inocentes por ordem governo, sendo então obrigado a participar do programa de TV “The Running Man” — show com uma série de combates — em que prisioneiros podem correr em busca da liberdade ou encontrar uma morte brutal.

Trailer Original do Filme: The Running Man.

A despeito das implicações políticas/culturais acerca de regimes totalitários legitimados pela mídia e da alienação do público frente ao entretenimento, absolutamente atuais nos dias de hoje, o ponto do alto do filme é o momento é que o governo precisa “criar provas” dos falsos crimes da qual acusa Ben Richards. Para isto, faz uso de tecnologia de ponta para editar voz e imagem em vídeos. Por meio da manipulação digital, o vídeo original na qual Ben era ordenado a abrir fogo contra uma polução de civis inocente é editado, criando uma cena inversa onde ele abre fogo sendo ordenado que não o fizesse. Em 1987 a possibilidade de edição de vídeo e som com tamanha perfeição e velocidade, era considerada ficção. Hoje porém, isto está mais próxima da realidade do que imaginávamos ou gostaríamos.

Fake News ou Reality 2.0?

Manipulações imagéticas em tempo real já é algo relativamente comum para usuários do ciberespaço, seja na forma de filtros do Snapchat, seja na forma de editores como Faceapp ou de realidade aumentada. Geralmente temos contato apenas com os aspectos mais “bonitinhos” desta vertente de programas, que nos permitem envelhecer o rosto de colegas ou colocar línguas de cachorro e orelhas de coelho em rostos humanos. E raramento nos perguntamos: até onde vai esta tecnologia?

O programa Face2Face permite a captura e reedição de detalhes faciais em tempo real, tornando possível que qualquer rosto seja transformado num marionete. A startup Canadense Lyrebird anunciou o lançamento de um programa que consegue clonar a voz de qualquer pessoa utilizando como fonte apenas uma gravação de um minuto da voz original. E a Adobe está trabalhando em um projeto de nome VoCo que irá revolucionar a edição de áudio da mesma forma que o photoshop revolucionou a edição de imagens.

Video do The Verge sobre manipulação digital.

Enquanto a discussão que hoje se delineia aceca dos Fake News toma corpo há relativo consenso que “versões alternativas” de fatos reais vieram para ficar e fazem parte de uma tendência. Fato este que lança algumas questões incômodas acerca de “verdade” e “informação”.

Um estudo recentemente publicado na revista Social Media +Society mostra a crescente importância do Facebook e Twitter, que passaram a ser considerados como fonte de informação pela população americana, (índices maiores do que 50%), nele os entrevistados afirmam que preferem se informar por mídias sociais do que via TV e Jornais. O que é no minimo preocupante se considerarmos o fato de que não há editor responsável ou apuração dos fatos em quase tudo que circula nessas redes. Fato este agravado pela afirmação de estudiosos como Clint Watts e Sam Woolley (George Washingtown University e Oxford University, respectivamente) que tem denunciado o uso de bots para divulgar fake news(como forma de manipulação política) em ambas as redes.

Fake Future

Imagem do site: The Daily Best

Num cenário onde o registro digital geralmente é admitido como prova criminal (seja vídeo ou áudio), cujas repercussões políticas e sociais os brasileiros tem sentido na pele, a cada divulgação de material da Lava-Jato e investigações correlatas, como fica a prova de culpa numa mundo onde tudo pode ser editado? A ficção de Running Man está se tornando realidade?

A título de exemplo o projeto MidFor (Análise de Integridade Forense em Objetos Multimídia) da qual a Unicamp faz parte, reúne cientistas no mundo inteiro com o intuito de desenvolver ferramentas e softwares para desmascarar manipulações sutis e avaliar a legitimidade e precisão de imagens digitais.

Dada a disseminação de ferramentas digitais e o crescimento exponencial de seu uso, é absolutamente lícito imaginar que num cenário de pouco mais de dez anos, grande parte da população terá fácil acesso a ferramentas de edição como as citadas neste artigo, isto se o trabalho de edição não for realizado automaticamente por Inteligências Artificiais.

Se num primeiro momento tais tecnologias encontrarão mercado, o da pornografia e do telemarketing são dois dos que consigo imaginar no momento (escolha seu/sua ator/atriz preferido(o) para interagir em tempo real), creio que logo setores com objetivos menos nobres ou legais também se interessarão.

Abundam os exemplos da periculosidade envolvendo a desinformação, como casos em que a população municiada de boatos resolve fazer justiça com as próprias mãos (linchamento no Guarujá), do mercado de fake news, ou de polêmicas acerca da arte e sexualidade como na caso do cancelamento na exposição QueerMuseu do Santander ou da performance do MAM (aliás contrariando os boatos o artista Wagner Schwartz não foi morto a pauladas). Todos estes episódios tem sua gênese na divulgação de “realidades alternativas” em redes digitais e vem sendo agravados com a sobreposição de imagens, videos e áudios “como prova”, muitas vezes apresentados fora de contexto. Imagine-se a periculosidade quando tais “provas” podem ser digitalmente editadas.

É provável que neste cenário futuro faça-se necessário uma inversão de pressupostos acerca da notícia. Se hoje ideia acerca de material noticiado é: “se está sendo divulgado deve ser verdade”, em pouquíssimo tempo terá de ser invertido para uma presunção de que “é mentira até que se prove o contrário”.

A orientação para a interação com este mundo digital é: duvide de tudo que vê na rede digital (inclusive deste autor que vos escreve) e vá checar as fontes.

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Guaracy Carlos da Silveira
Strategic Powerhouse

Doutor em Educação, Artes e Historia da Cultura no Mackenzie, Doutorando em Design na Anhembi Morumbi. Publicitário, Professor, e Gammer.