WeWork: de unicórnio a Concorde?

Natalie Witte
Strong-up
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4 min readSep 28, 2019

Em 2003, o avião supersônico Concorde cruzou pela última vez o oceano Atlântico, reduzindo a distância de Paris a Nova York a menos de quatro horas. A “startup” revolucionária de 1969 sucumbiu a um acidente e/ou a um modelo de negócio inviável (devido ao combustível caríssimo, as passagens chegaram a ultrapassar a marca dos US$ 10 mil nos anos 2000). Foi o fim inesperado de um projeto que tinha tudo para durar muitas e muitas décadas.

Será que a história está se repetindo com a WeWork? Você teve oportunidade de acompanhar as notícias da empresa na última semana? Vou resumir: a empresa, que já tinha sido avaliada em 47 bilhões de dólares começou a semana passada valendo não mais que um quinto desse valor; o IPO que estava programado foi suspenso; o CEO Adam Neumann deixou o cargo, sob forte pressão dos investidores. Vamos entender o que aconteceu?

Em 2010, a WeWork foi fundada nos Estados Unidos. Em menos de uma década chegou a ter 500 prédios em 29 países. Um conglomerado japonês chamado Softbank aportou 11 bilhões de dólares na empresa e fez uma avaliação superestimada da empresa — os tais 47 bi. Desde então, foi o único fundo a investir na WeWork. Ou seja: ninguém acompanhou a sua empolgação com relação à empresa.

A WeWork vem acumulando prejuízos ao longo dos anos: em 2016, US$ 400 milhões; em 2017, US$ 900 milhões; ano passado, US$ 1,9 bilhão. Desde que foi fundada, nunca deu lucro. Hoje, analistas acreditam que nunca dará! (vale conferir o artigo de Larry Ellison, fundador da Oracle)

Adam Neumann: de fundador a algoz

Sabe aquela máxima “Diz-me quem é o teu fundador e eu te direi quem és”? Nem sempre ela é verdadeira mas, no caso da WeWork, me parece bastante interessante analisar as atitudes de Adam Neumann para entender o que está acontecendo com a empresa que ele fundou.

Israelense radicado nos Estados Unidos, Neumann parece ser um manual de o que não fazer em termos de governança corporativa. Da WeWork, ele está sendo acusado de pegar frequentemente dinheiro emprestado para comprar imóveis que depois viriam a ser alugados. Adivinha para quem? Para a própria WeWork! Quando fizeram a analise dos S-1 apresentados, só essa manobra foi responsável por prejuízos milionários para a empresa e ganhos igualmente significativos para o empresário.

Outra história de que o acusam: Quando a WeWork estava se preparando para o IPO, ele exigiu o pagamento de US$ 6 milhões pelos direito de uso da palavra “We”, que coincidentemente pertencia a uma outra empresa dele.

Estima-se que ele e seu sócio Miguel McKelvey tenham tirado da WeWork em royalties, empréstimos, salários e outras manobras o equivalente a US$ 1 bilhão.

Desgovernança

Você sabe o que significa dever de lealdade, dever de diligência, dever de evitar conflito de interesses e transparência? Pelo visto, o fundador da WeWork, não! Ele atropelou todas as regras fundamentais da Governança Corporativa — separei apenas alguns dos seus “deslizes”.

  • Dever de lealdade: é vedado ao administrador usar em benefício próprio, COM ou SEM prejuízo da empresa, oportunidades comerciais que tenha conhecido em razão do cargo.
  • Dever de diligência: o gestor é obrigado a bem administrar, vigiar e fiscalizar a empresa.
  • Dever de evitar conflito de interesses: é vedado ao administrador agir em qualquer situação que tenha interesse conflitante com a empresa.
  • Transparência: além de todas as falhas nesses deveres fundamentais, manobras de contabilidade criativa também não faltaram. Uma das principais foi inflar os resultados, simulando a antecipação dos “recebíveis” de aluguéis futuros para aumentar as receitas e depois dando descontos significativos quando de fato eram contabilizados os aluguéis, e eram lançados como despesas. Para corretores, a empresa costumava dar comissões de 100%. Nada disso aparecia na contabilidade — era simplesmente lançado como “ajustes”. Para mais detalhes sobre a contabilidade do Wework, com a análise dos S-1 apresentados, veja https://medium.com/@henry.hawksberry/is-we-work-a-fraud-5b78987d3e61

Bad place to work

Ao que tudo indica, a WeWork está longe de ser um lugar minimamente decente para se investir. Além disso, também não parece muito recomendável para trabalhar. Funcionários disseram ser obrigados a participar de festas que duravam dias e perdiam totalmente a compostura pelo meio do caminho. Ao demitir funcionários, Neumann costumava oferecer a eles uma dose de tequila “para equilibrar a energia”. Oi?

As acusações são muito graves e sempre é importante ouvir os dois lados. Acontece que a WeWork e seu fundador não têm se pronunciado…

O que eu fico me perguntando o que leva alguém com um projeto a princípio tão bacana a fazer tanta coisa errada. Ganhos fáceis, momentâneos? É, sim, possível uma startup se tornar um unicórnio (ultrapassar a cifra de US$ 1 bilhão) sem fazer a coisa certa. Só não é recomendável — muito menos, sustentável! A verdade aparece, mais cedo ou mais tarde. Vale o princípio de pensar grande, começar pequeno e, acima de tudo, tratar todos os stakeholders com ética e respeito.

Adam Neumann vai ser levado aos tribunais? A WeWork vai sobreviver a esse acidente? Aguardemos cenas dos próximos capítulos.

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Natalie Witte
Strong-up

Business and M&A Lawyer with more than 12 years of experience as a legal adviser to tech companies and startups. More info on www.linkedin.com/in/nataliewitte/