Conexão Brasil-Portugal

com Marta Carvalho

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A artista portuguesa Marta Carvalho conta o quanto o Brasil serviu de inspiração e estímulo para que experimentasse coisas novas. Desenvolvendo um trabalho artesanal e personalizado, já conquistou muitos admiradores em São Paulo, onde vive atualmente, e participa de exposições com obras da recém-criada marca, TOKA. Na entrevista, assim como em seus produtos, ela imprime sua personalidade e paixão pela arte.

Como a arte entrou na sua vida?
Houve “o momento” em que você sentiu que queria fazer isso?
Desde muito nova comecei desenhando. Era a matéria na escola em que tirava melhor nota. Então sempre foi meio que me acompanhando na vida. Sempre rabiscava um pedaço de papel, e adorava fazer trabalhos de desenho e artes plásticas. Segui design gráfico mas sempre achei que tinha um pouco de aptidão para trabalho manual, só nunca tinha chegado a um resultado que me identificasse tanto como agora. Conseguir unir algo que se gosta e ainda fazer disso o meu pequeno negócio é perfeito ☺

E a arte em garrafas, como foi essa descoberta?
Foi uma descoberta que aconteceu por acaso. Sempre procurei algo que não sabia o que era. Ficar o dia inteiro em frente a um computador nunca foi a minha paixão, achava que tinha que fazer algo manual e que, de alguma maneira, fosse a minha cara. A garrafa estava vazia há um tempão, na mesa da cozinha. Um dia comprei a caneta e desenhei. Como o feedback foi tão positivo e as encomendas começaram a chegar, decidi criar uma marca, a TOKA.

Quanto tempo você leva, em média, para produzir uma garrafa ou uma tela? Qual o maior desafio desse tipo de trabalho?
Depende do tamanho... Mas em média, uma garrafa grande pode demorar uns 2 dias, desde o momento que leva a primeira camada de cor, até desenhar com caneta e finalizar com verniz. O maior desafio acho que é responder às expetativas do cliente. Como normalmente são peças personalizadas, muitas vezes tento seguir o briefing, para que a peça se adeque e identifique mais com o meu cliente ou a quem ele vai presentear. Enquanto trabalho tenho que ter essa ideia sempre em foco, esperando sempre que seja uma peça única para quem compra.

Acha que assumiu algum risco nas suas escolhas pela arte?
Sim, sem dúvida. Existe todo um investimento nos primeiros meses que é um risco. Pode dar muito certo como pode não dar. E isso por vezes assusta também, você não sabe. Mas todas as mensagens que recebo têm sido tão positivas que me têm dado força e coragem para continuar. E isso supera o risco.

Para você, o designer é um artista?
Esse tema vem sendo debatido há imenso tempo. Acho que ambos compartilham o seu trabalho de uma forma diferente e razão pelo qual o fazem também é distinta. Por isso é discutível. Muitos designers são artistas mas acho que poucos artistas são designers ou tiveram essa formação. Um artista pode partir de uma tela branca e decidir o que quer transmitir em sua obra. O designer já tem um ponto de partida, uma ideia, uma imagem, um objetivo para qual vai trabalhar em determinado projeto. A arte é vendida por si só, regida pelo gosto de quem a aprecia e compra. O design é regido pela forma vs função, pode não se debater por uma questão de gosto mas simplesmente cumprir todos esses quesitos e ter sucesso. Então é uma questão complicada, podendo haver a possibilidade de se fundirem os dois, como é o meu caso.

Quais as suas referências artísticas?
É de tudo um pouco. Desde a Art Nouveau (Arte Floral) do século XIX e XX, com o artista Mucha, passando pelos trabalhos da Stina Persson, até a referências de arte urbana de vários artistas como os Gêmeos, Speto ou Alex Senna. Acho que tudo influencia um pouco no meu trabalho. Então não tenho um estilo especifico de inspiração. Adoro o que é feito com paixão e que transmita de alguma forma uma mensagem, criando um vínculo emocional.

Mucha, pintor e ilustrador Tcheco, é uma referência

Você acha que a sua mudança de Portugal para o Brasil influenciou o seu processo criativo?
Sim, sem dúvida. Toda a mudança que aconteceu na minha vida fez me pensar em muitas coisas, pessoal e profissionalmente. Foi aqui no Brasil que comecei a explorar novas opções, novas inspirações e que me permiti arriscar em algo que desconhecia. Na procura de algo que me preenchesse descobri a TOKA, que há muito procurava. Então, sim!, acho que foi um passo importante para que tudo se concretizasse.

Que diferenças essenciais você sente entre a arte nos dois países?
Não sei se existem assim tantas diferenças em termos de qualidade. Portugal tem ótimo artistas e excelentes designers. Talvez possa falar em relação ao tamanho do país e consequentemente do mercado e público. Aqui no Brasil tudo é em grande escala, se formos comparar, em relação ao mercado e às oportunidades que existem para fazer algo relacionado com arte. Estão constantemente a acontecer eventos culturais, feiras, projetos que unem os artistas ou os aproximam do seu público. Em Portugal talvez ainda não esteja numa escala tão ampliada, mas acredito que esteja melhorando.
É preciso que as pessoas acreditem e incentivem os artistas com apoios que permitam fazer as coisas acontecerem. E em São Paulo esse incentivo é mais comum, não em questão de qualidade, mas em questão de visibilidade.

O que influencia a sua criatividade?
De tudo um pouco. Adoro desenhar motivos florais, mandalas e linhas que se cruzem e formem algo orgânico. Ultimamente tenho seguido artistas de arte urbana de SP. Mas uma influência pode vir de uma frase retirada de um livro que eu li, de uma imagem de natureza, até ao graffiti que vejo pelas ruas. O fato de ser um trabalho muitas vezes personalizado, também contribui para o processo criativo. As pessoas costumam me passar um briefing, e normalmente existe uma história por detrás de cada peça, que foi o que levou essa pessoa a entrar em contato comigo... Muitas me contam a história de suas vidas. E isso me influencia bastante. Adoro partilhar histórias e ouvir o que elas têm para me contar, tentando ao máximo colocar isso em peças exclusivas.

Inspiração ou transpiração?
Os dois, sem dúvida. Começar algo do zero exige muita transpiração. Mas para fazer tudo isso a inspiração é essencial.

Há alguma frase/palavra que traduza a arte pra você ou que traduza a sua arte?
Muitas vezes escrevo “Be happy” ou “Absolute happiness” nas minhas peças. E foi algo que foi surgindo. Comecei a reparar que queria transmitir algo positivo. Acho que porque eu mesma segui aquilo que gostava, arrisquei e criei e TOKA. Então, essa mensagem se traduz meio como que um incentivo para quem compra as peças, da mesma maneira que eu consegui, muitas pessoas conseguem também. E viver fazendo aquilo pelo qual somos apaixonados, não tem igual.

No momento…
A TOKA está crescendo. Para além das encomendas das garrafas, comecei a produzir quadros, e customização de diferentes peças, como shapes de skate, mochila, bancos, mesas, mural ou parede. Estão em andamento parcerias com algumas marcas e exposições.

O futuro…
Quero que a marca cresça e me permita continuar a fazer aquilo que gosto. Trabalho sozinha e isso implica em muito foco e paixão, então é preciso coragem e força para continuar produzindo, trazendo sempre novos produtos para quem gosta do meu trabalho ;)

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