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Como a história e o contexto cultural ajudam a contar os 60 anos de rock’n’roll

Studio Sol
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10 min readJul 14, 2016

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Por Damy Coelho e Gustavo Morais

Todo acontecimento cultural é definido bastante pelo momento histórico contemporâneo a ele. Não deixa de ser diferente com a música, mais especificamente com o rock’n’roll, e isso pode ser provado ao longo das décadas em que o estilo foi criado e reinventado.

Música tem tudo a ver com história e política. Se essas não foram (ou não são) suas matérias favoritas no período escolar, é melhor ficar atento: provavelmente alguma canção que você adora foi influenciada por crises econômicas, por ditaduras, por ataques terroristas, por revoluções tecnológicas ou simplesmente por momentos tão ligados ao dia a dia de uma geração que é impossível separar os dois assuntos.

O primeiro capítulo da história do rock

Janis Joplin na década de 60: a psicodelia da geração ‘paz e amor’ (Foto: Reprodução)

Já que estamos falando em história e rock’n’roll, é importante gravar esta data: 11 de julho de 1951. Nesse ano, o DJ americano Alan Freed inventou o termo ‘rock and roll’ e batizou a nova música que começava a ser feita. Naquele mesmo ano, o músico Bill Haley formou o grupo Bill Haley & His Comets e ajudou a apresentar o rock ao mundo.

Enquanto isso, um tal novo aparelho eletrônico era um verdadeiro frenesi e viria a mudar os hábitos familiares em todos os cantos do mundo: estamos falando, é claro, do televisor. No Brasil, poucas pessoas tinham recurso para comprá-lo, mas valia tudo: desde assistir na casa do vizinho ou dar uma paradinha nas vitrines de lojas de eletrônicos, no caminho do trabalho. Foi através dos televisores que muita gente passou a acompanhar mais de perto o avanço dos conflitos entre os blocos capitalista e socialista (a guerra ideológica também conhecida por Guerra Fria), enquanto também viam um garoto bonito chamado Elvis Presley dar seus primeiros passos rumo ao título de Rei do Rock.

Já na década de 60, o assunto do momento era “paz e amor”. Se é chover no molhado falar do Woodstoock e do movimento hippie, pense então nos grandes nomes da contracultura da época. São artistas que protestavam por um mundo melhor em meio ao caos da Guerra Fria, sem necessariamente se envolverem com a turma do “paz e amor”: nomes como Bob Dylan, Joan Baez e Richie Havens estão entre os expoentes desse momento, que influenciou toda uma geração de jovens.

Em meio às desgraças espalhadas mundo afora, as artes vestiram as armaduras do protesto e surgiram em cena. O caos, o medo e as incertezas serviram de combustível para que o rock assumisse um posicionamento politizado: foi nessa época que surgiu a Tropicália, movimento brasileiríssimo que teve como um de seus berços o Teat(r)o Oficina Uzyna Uzona, que norteou músicos, poetas e artistas em geral.

Enquanto a América Latina passava por fortes ditaduras na década de 70 e o Brasil vivia o auge dos “anos de chumbo”, a música foi muito influenciada por acontecimentos políticos. Em uma época em que a classe artística foi covardemente silenciada, músicos como Gil, Caetano e Chico foram exilados.

Enquanto isso, no rock’n’roll, por aqui se destacavam nomes como Rita Lee (em sua carreira solo) e o Tutti Frutti, além do Clube da Esquina de Milton e Lô Borges, em Minas Gerais. Do nordeste veio o rock cheio de ginga dos Novos Baianos e também Raul Seixas, até hoje considerado o grande “roqueiro” do Brasil. Gal Costa também se arriscou no estilo e lançou o álbum “Fa- Tal: Gal A Todo Vapor”, cheio de composições que fazem referência ao difícil período político vivenciado pelo país, como “Dê Um Rolê” e “Como Dois e Dois” — regravações de Caetano e Novos Baianos, respectivamente.

O exílio fez com que os artistas que viviam nos EUA e na Europa entrassem em contato com uma cultura muito diferente, o que acabou sendo enriquecedor para a obra de cada um deles, de toda maneira. Tomados pela influência do rock nos Estados Unidos e na Europa, Gilberto Gil lançaria posteriormente o clássico “Expresso 2222”, enquanto Caetano faria um disco todo em inglês, que até hoje é um dos seus álbuns mais aclamados, o “Transa”, de 72.

A política e o punk rock nos anos 80 e 90: a música movida pela crítica social

Reportagem sobre a Turma da Colina em jornal de Brasília. Renato Russo e Dinho Ouro Preto eram alguns dos membros (Foto: Reprodução)

Com a década de 80 vieram anos um pouco mais tranquilos no Brasil: a abertura política era uma realidade e isso era perceptível por uma censura mais branda, se comparada com os anos de chumbo anteriores. E apesar de muitos historiadores chamarem os anos 80 de “década perdida” (por causa da estagnação econômica vivida na época), não se pode dizer o mesmo em relação à música: foi nessa época que despontaram as grandes bandas do rock do país.

Algumas delas vieram de Brasília: era a primeira geração de pessoas nascidas na nova capital federal e ninguém poderia imaginar que esses jovens movimentariam tanto a cultura da cidade: a Turma da Colina de Brasília juntou ninguém menos que Renato Russo (Legião Urbana), Fê e Flávio Lemos (Capital Inicial), André Pretorius (Aborto Elétrico) e Philippe Seabra (Plebe Rude), e eles recebiam visitas constantes de outros adolescentes como Dinho Ouro Preto (Capital) e Loro Jones (Capital), entre outros. Não precisa nem falar que dessa turma de jovens que se reunia para fumar maconha e tomar vinho barato vieram os grandes expoentes do rock brasileiro.

Plebe Rude também é um nome forte da capital federal, mas que estava incluído em uma cena mais punk rock. O punk, aliás, é o grande movimento de protesto do rock, tendo Ramones, Sex Pistols e Black Flag como alguns dos grandes ídolos. É importante traçar um paralelo do punk, pois o movimento tem tudo a ver com os contextos histórico e político vividos no século XX.

Foi em uma época de grande crise cultural que o estilo cresceu, no fim dos anos 70, e uniu jovens transgressores, que protestavam contra as injustiças do sistema capitalista. Foi com o punk que o novo movimento feminista tomou força em meados dos anos 90, por meio de Kathleen Hanna e de bandas como o Bikini Kill, que cuidavam de fanzines que eram verdadeiros guias do movimento. Foi o punk também que uniu jovens de famílias humildes do ABC paulista, Belo Horizonte, Brasília, Rio, Nordeste e da capital paulista, que se inspiravam no lema ‘faça você mesmo’. Ratos de Porão, Joelho de Porco, Grito Suburbano e Cólera são alguns dos nomes que representam o punk por aqui.

Novo feminismo: alguns fanzines idealizados pela banda punk Bikini Kill na década de 90 (Foto: Reprodução)

Aos trancos e barrancos, esses jovens conciliavam o sonho de viver de música com a rotina difícil, de trabalhar em horário integral para ajudar a garantir o sustento da família. Os anos 80 e até meados de 90 foram efervescentes para o punk como o punk foi efervescente para a vida não só desses jovens, mas da música em geral.

É possível destacar momentos em que o protesto do punk rock influenciou o mainstream nacional: músicas como “Comida”, dos Titãs, e “Inútil”, do Ultraje a Rigor, mostravam uma crítica ao governo impositivo e apático em relação às reais necessidades do seu povo, bem na época de abertura política no Brasil.

Dando um pulo no Brasil dos anos 90, a tão recente democracia dava passos curtos, muito pelos escândalos econômicos que levaram ao pedido de impeachment do presidente Collor, em 92. Pouco depois, os Paralamas cantavam que “Luiz Inácio falou, Luiz Inácio avisou: são 300 picaretas com anel de doutor”, dando voz às denúncias feitas pelo então candidato à presidência, Lula, que denunciava um Congresso corrupto em meio ao escândalo conhecido como “Anões do Orçamento”. Novamente, o rock andava de braços dados com as denúncias sociais — outra clara herança do punk rock.

Do outro lado do oceano, no ano de 1985, um movimento chamado Live Aid unia os maiores nomes da música do momento por uma única causa: ajudar a dar trégua para a fome no continente africano. Michael Jackson, Bruce Springsteen e Queen foram apenas alguns dos gigantes da música que participaram do megaevento, que contou com um show de celebração no dia 13 de julho — exatamente o dia escolhido para ser o Dia Mundial do Rock N’ Roll: uma prova de que o rock e a crítica social sempre andaram lado a lado.

A “ressaca” dos anos 90: a geração X e o fim da Guerra Fria

Queda do Muro de Berlim, em 1989 (Foto: Reprodução)

Se o Brasil foi marcado pela recessão da ditadura e pela abertura política em meados dos anos 80, o restante do mundo também via um grande movimento enfraquecer e chegar ao fim. Em apenas dez anos a Guerra Fria atingiu o ápice em número de conflitos e chegou ao derradeiro final.

Em 1989, milhares de pessoas foram a Berlim munidas de marretas, pedras ou da força do próprio corpo para ajudar a “quebrar” o muro que separava o mundo em dois blocos econômicos, com a cobertura de toda a imprensa mundial. Estávamos unidos novamente, no fim das contas. Se o início da década foi marcado por uma desilusão, o final dos anos 80 trazia a esperança de volta.

E foi tomada por essa esperança que a geração X se desenvolveu: os jovens nascidos no fim dos anos 70 cresceram vendo momentos de instabilidade política e, ao mesmo tempo, tendo mais oportunidade de estudos e de trabalho do que os seus pais. Tudo o que esses jovens queriam era levar uma vida mais simples, sem os exageros dos anos 80 e preferencialmente trabalhando com aquilo o que gostavam — ainda havia os sonhadores que queriam transformar o mundo, como é normal de qualquer jovem.

O grande ídolo entre os adolescentes da década de 90 foi também um jovem sonhador, que lutava abertamente pelos direitos das mulheres, dos homossexuais e outras minorias. Seria um grande representante de sua geração. Mas a sua genialidade e militância infelizmente veio aliada a uma fragilidade emocional, que posteriormente viria a despontar em uma forte dependência química: Kurt Cobain tinha alma punk, não temeu ser transgressor e influenciou toda uma geração, mas não estava preparado para tanta responsabilidade. Ele se matou em 1994, aos 27 anos. Kurt é considerado por muitos o último grande ídolo popular do rock. Mas se engana quem pensa que a história do movimento acaba aí: o rock ainda iria se reinventar bastante.

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O maior ataque terrorista de todos os tempos gera instabilidade, mas também promove a união

Com o fim dos anos 90 e o início dos anos 2000 veio o ápice da evolução tecnológica e foi graças à internet que muitas bandas de garagem despontaram para o mundo: bote aí nomes que vão de CPM 22, no Brasil, a Arctic Monkeys, na Inglaterra. Essas bandas aproveitaram as ferramentas que tinham em mãos e produziram e divulgaram seu som de forma totalmente independente. Ao longo dos anos, sites como Myspace e Orkut foram dando lugar ao YouTube e serviços de streaming, e tudo isso mudou tanto a forma de fazer música como também a forma de consumi-la.

iMac, computador da Apple que foi sensação no fim dos anos 90 (Fonte: Reprodução)

Porém, infelizmente, não é só a revolução tecnológica que marcou os últimos anos. Em 2001, por meio de televisores e da internet, o mundo acompanhou o ataque às Torres Gêmeas, que viria a ser o maior ataque terrorista da história.

Atentado às Torres Gêmeas

Muita gente temia uma terceira guerra e isso aconteceu de fato, mesmo que em menores proporções: os Estados Unidos enviaram tropas para o Afeganistão e muitos artistas discordavam dessa política de conflitos. Iniciava aí um movimento que clamava pela paz entre os povos, semelhante ao que aconteceu nos anos 60, no período de “paz e amor”, ou nos anos 80, com o Live Aid.

O mundo da música também se beneficiou com essa tendência pacificadora: foi ela que inspirou a volta do ídolo Bruce Springsteen, que reuniu a The E-Street Band e lançou em 2002 o álbum “The Rising”, totalmente inspirado no atentado às Torres Gêmeas. Emblemático, o disco trazia 11 canções (assim como a data do ataque) e fez o mundo refletir sobre as frágeis relações humanas e a necessidade de união entre os povos. Eram temas que o novo milênio tinha (e tem) urgência em discutir.

As minorias ganham voz: amor é tudo o que precisamos

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Com os anos 2010, as redes sociais deram espaço para discussões interessantes sobre os direitos de homossexuais, das mulheres e dos negros. As minorias que sofrem algum preconceito histórico finalmente ganharam representatividade, e isso refletiu também na música.

Casos famosos de preconceito contra transgêneros, por exemplo, geram comoção e inspiram o posicionamento de vários artistas. Tomemos como exemplo a polêmica “lei dos banheiros” aprovada pelo governo da Carolina do Norte (EUA), que proíbe que transexuais usem os sanitários que não forem de seu sexo de nascença: a aprovação dessa lei no início de 2016 gerou protestos públicos de nomes como Bruce Springsteen (ele de novo), Pearl Jam e Ringo Starr, que chegaram a cancelar shows no estado em repúdio à decisão governamental.

O ex-Beatle chegou a comentar em seu Twitter: “Lamentável existir quem ainda pense que os LGBTs não serão defendidos”. Ringo ainda completou: “Como os Beatles disseram: All You Need Is Love”. Eis que a clássica canção dos Beatles, criada nos anos 60, ainda hoje representa a necessidade dos jovens de todo o mundo.

Os anos podem passar e o rock pode até ‘envelhecer’, mas seu posicionamento crítico e sua inconformidade com as mazelas sociais não deixarão de existir. É justamente essa característica que faz o rock’n’roll ser forte ainda hoje, mesmo com cinquenta anos de história. A prova é comemorarmos neste dia 13 de julho mais um ano de Dia Mundial do Rock: um dos movimentos mais autênticos da contracultura deve mesmo ser celebrado.

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