A nova amiga

Juliana Holanda Borini
Subplano
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2 min readNov 21, 2018

Enquanto ele escrevia a sua grande inspiração em um caderno amarelado por muitas estâncias de sonhos trancados, caiu, numa linha ainda não escrita, um presente: um cupim morto e seco.

Olhou, surpreendido, para a prateleira acima de sua cabeça. Observou as muitas patas e o corpo rechonchudo da responsável pelo presente, sua mais nova amiga. A curva da teia para a parede lhe intrigou. Que bichinha mais engenhosa por entrelaçar caminhos de intrincado esmero em tão escondido trabalho. Agradeceu silenciosamente à tecelã com um sorriso e retirou o presente para prosseguir.

Na prateleira um pouco empoeirada, figuravam grandes companheiros de uma vida inteira ameaçados pelo inescrupuloso e silencioso exército inimigo. Após o primeiro ataque sofrido, iniciou uma batalha na qual perdeu uma dezena de íntimos combatentes em uma despedida dolorosa.

Parou de contar seus anos quando perdeu o último amigo. Perdeu a aposta com ele, a de que não seria o último a ficar sozinho. Na companhia daquelas páginas, não se sentia só, viveu grandes acontecimentos e profundos encontros com personagens inesquecíveis. Ainda estavam lá. Precisava defendê-los.

E precisava escrever. Ganhara uma força aguerrida ao mesmo tempo em que lhe era vital deixar a própria contribuição para o mundo-luz que lhe salvou tantas vezes. Enquanto escrevia, pensou que a nova amiga não poderia ficar sem um nome. Silvia, decidiu.

Ele continuou escrevendo a tarde a fio, Silvia continuou intrincando e prendendo a tarde adentro. Dois incansáveis tentando salvar, da destruição de virar pó, o mundo das palavras guardadas, esteja onde estiver, na prateleira ou na imaginação.

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