Manhã de cachoeira
— Você vai molhar o banco desse jeito.
— Vamos esperar secar no sol.
— Não dá, tenho que ir, já está na hora.
— Bem, então não sei.
— Como você pode vir para uma cachoeira e esquecer a toalha? Realmente, não entendo.
— Você é que ficou me apressando. Por que não me avisou ontem? Eu teria arrumado a bolsa com calma.
— Tudo com você tem que ser com antecedência, senhora certinha. Acordei, vi esse solzão, me deu vontade e pronto.
— Só que eu não funciono assim, preciso planejar o meu dia, estava quase saindo para o trabalho, e você, do nada, em plena quarta feira, vem com essa ideia de cachoeira. Agora vou ter que trabalhar até mais tarde para compensar o horário, talvez nem dê tempo de ir para a aula de sapateado.
— Você e suas aulas. Não se cansa de fazer tanto curso, não, hein?
— Se eu não ficasse tão sozinha, com certeza não precisaria ficar tentando ocupar o tempo com cursos.
— Ah, tá. Eu sabia que você ia arranjar um jeito de levar a história para esse lado.
— Que lado? Só estou dizendo que tenho que arrumar coisa para fazer. Não vou passar a minha vida esperando você aparecer.
— E eu te pedi isso?
— Não pediu, mas parece que é o que você quer, que eu esteja disponível sempre, que tope tudo, até vir para uma cachoeira no meio da semana.
— No começo, você achava bom quando eu te surpreendia.
— No começo, tudo a gente acha bom, qualquer loucurinha parece interessante. Agora eu quero é rotina, companheirismo, te encontrar quando chegar do trabalho, assistir televisão, dormir junto, é isso o que eu quero.
— Eu não aguento mais esse assunto, de verdade. Você quer é a vida chata que eu não suporto mais. Não te passou pela cabeça trazer uma toalha, uma canga?
— Já disse que esqueci. O que você quer que eu faça?
— Acho que o jeito é você ir lá atrás.
— Como é que é?
— O que é que tem?
— Como o que é que tem? Você quer que eu vá na carroceria, é isso?
— E você quer eu pegue a minha filha na escola e minha mulher no trabalho com o banco molhado, é isso?
— Eu não vou na carroceria. Minha nossa, eu não acredito que você quer que eu vá agachada na carroceria!
— Vai começar a chorar agora? Você vive chorando, é insuportável!
— Meu Deus, você nem se dá conta do absurdo que é o que você está me pedindo.
— Eu não posso buscar as duas com o banco molhado. É difícil de entender? Vou explicar o que para elas, que decidi vir para uma cachoeira sozinho, no meio da semana? Você acha que a minha mulher é idiota?
— Não, a única idiota aqui sou eu.
— Para com esse drama! Gente, são só vinte minutos! Em vinte minutos, você está sã e salva na sua casinha. Eu sei, é incômodo, mas também não vai te tirar nenhum pedaço…
— A questão não é essa. A questão é que…ah, deixa para lá… se você não consegue entender o que isso significa, nem vale a pena tentar explicar.
— Mas só significa que não posso chegar com o banco molhado.
— Não, significa que você não tem a menor consideração por mim, que está comigo sabe-se lá por que, que morre de medo da sua mulher, que só se importa com o que ela sente.
— Não é verdade, vem cá, deixa de ser brava, vem, me dá um beijo aqui, ah, vai, deixa de ser brava…
— Não.., para…
— Vem cá, minha linda, você não acha que está exagerando?
— Não, não acho.
— Mas está. Foi tão legal a nossa manhã, não foi? Você não gostou de ter vindo? Só você com esse biquininho para me esquentar naquela água gelada…
— Para.
— Paro quando você me der um beijo daqueles que só você sabe dar. Ninguém beija como você, já te disse isso?
— Mesmo?
— Sim, o melhor beijo até hoje, sem falar no resto.
— Hum…gosto quando você diz isso…
— Que tal se amanhã cedo eu fosse na sua casa e a gente tomasse café da manhã juntos e ficássemos chamegando na cama até o meio dia?
— Mas aí eu ia ter que chegar atrasada de novo no trabalho.
— De vez em quando não tem problema. Você não precisa ser tão certinha…
— Tá, tá bom.
— Agora vamos, senão vou me atrasar muito.
— Vamos.
…
— Está muito desconfortável aí?
— Até que não. O teto é mais alto do que eu pensava.