O sabiá atrás do bloco

Subplano
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3 min readMay 26, 2018

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Aguinaldo Tadeu*

Levantei cedo e decidido: hoje vou caminhar. Botei um tênis, vesti uma camiseta, fiz meu alongamento bem mais ou menos e saí com a coragem de quem havia tomado uma decisão importante na vida, como a carreira a seguir, a mulher para amar ou a cidade para morar.

Resolvi caminhar pela parte de trás do bloco, por onde nunca havia passado antes nesses seis meses em que estou morando nessa quadra. Foi uma bela surpresa!

Uma mãe jogava bola com seu filho de uns três anos no gramado bem cuidado. Delicada cena para o começo de um dia. Havia vasos de flores pendurados numa janela, trazendo colorido e beleza ao lugar. E um sabiá caminhava serelepe pela sombra de um grandioso Ficus ao lado do prédio, trazendo saudade de meus tempos de infância.

Desisti da caminhada e sentei no chão, encostei na árvore e passei alguns minutos observando aquela criatura curiosa. Os poetas são seres distraídos para as coisas importantes da vida, como o ritmo de uma caminhada.

O sabiá caminhava em zigue-zague esparramando suas cores marrom e laranja por todo aquele ambiente de cerca de dez metros quadrados. Não cantava, mas parecia muito feliz no seu mundo. E eu, único expectador de tudo aquilo, estava admirado e feliz por observar o bichinho, suas cores e seu mundo.

De repente, enquanto via aquela cena peculiar, percebi que o passarinho também me olhava. Achei engraçado e resolvi me aproximar um pouco mais. Quando estava a cerca de um metro dele, vi que ele de alguma forma queria chamar a minha atenção. O sabiá tentava a sua maneira se comunicar comigo. Isso mesmo! Ele balançava a cabeça na minha direção, como a me chamar para ver algo perto dele. Pode parecer inacreditável, mas era isso o que estava acontecendo naquela manhã comum atrás de um bloco qualquer de uma quadra do Plano Piloto de Brasília: um sabiá me chamava. Fui me aproximando, aproximando e ele não se incomodou. Continuava balançando a cabeça e as asas na tentativa de chamar minha atenção.

Quando cheguei ao seu lado, ele olhou nos meus olhos, virou a cabeça e apontou o bico na direção de um monte de grama. Cheguei mais perto e vi que aquele monte de grama era na verdade um ninho. E nele estavam quatro pequenos sabiás de bico aberto. Quando olhei de volta para o sabiá, ele demonstrava de peito erguido seu orgulho por suas crias.

Na hora entendi seu recado, sorri, bati palmas e mostrei fotos de minha filha Mariana, de cinco anos, que estavam no celular. Resolvi não caminhar mais e voltei assobiando para o meu apartamento, sem melhorar meu preparo físico, mas repleto de poesia para o resto de meu dia.

*Aguinaldo Tadeu é mineiro e mora em Brasília. Autor do livro de contos 32 cartas (Editora 7Letras) entre outros. Gosta de contar e ouvir casos, os reais e os imaginários, tomando café de rapadura à beira de um fogão à lenha.

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