Roda-gigante

Frederico Tales
Subplano

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Se você olhasse de longe, do alto de um arranha-céu, veria apenas um punhado de formigas e luzes piscando. A neblina te impediria de enxergar o horizonte. Mas ao olhar de perto, de frente, perceberia que eram pessoas, todas cansadas, ninguém tinha muita paciência para varrer a poeira deixada pelo litoral.

Ao olhar ainda mais de perto, enxergaria duas ou três pessoas andando sem pressa. Cinco naquele beco, conversando. Sete atravessando a faixa. Todas faziam parte do anonimato urbano. O Tempo era inimigo de cada um daqueles cidadãos.

Parecia uma cidade como outra qualquer. Pessoas normais, daquelas que a gente se identifica com facilidade. A roda gigante daquele parque no centro nunca parava de girar. Mas essa história é uma daquelas poucas que valem a pena ser escritas. É sobre o dia em que a roda parou de girar.

O problema é que em cima do arranha-céu, os doze não estavam muito satisfeitos com o trabalho que estavam prestes a fazer. Trabalho sujo. Para eles, o imorredouro era um problema, sinônimo de cansaço. Formaram um círculo para que todos pudessem se ver. O vento frio e úmido mordia a pele e incomodava, ao mesmo tempo que compunha a trilha sonora e agradava. No centro, um velho amigo: o Tempo.

Cinco.

- Vamos só ficar olhando um para a cara do outro? — provocou.

Os outros permaneceram parados, mas inquietos. Apesar da vontade de interferir, não havia nada que podiam fazer. O fluxo de carros continuava. As formigas trilhavam seus caminhos. A roda gigante não parava de girar.

- Isto é ou não é uma intervenção? — continuou. Ela esperava que seus amigos pudessem fazer alguma coisa.

Por definição em ata, somente um deles podia falar por vez durante um tempo pré estabelecido, mas como já havia passado da metade do dia, começou pela Cinco e continuou a partir daí.

Quatro.

- Deixa de ser estúpida. Todos nós estamos tão preocupados quanto você. — respondeu, finalmente. — O que nos resta, senão esperar? Pra mim, nos reuniríamos essa última vez para contar histórias, nos distrair, algo do tipo.

Ele tinha uma barba ruiva e uma camiseta com um sol estampado. Estava entre a Cinco e o Três.

- Por exemplo, da última vez que nos reunimos, logo depois eu tive a infelicidade de presenciar um suicídio. Isso poderia ter acontecido com qualquer um de vocês. O máximo que podemos fazer é observar. Andar pra frente. Não pros lados, não pra trás. — continuou.

Três.

- Você não precisa contar todos os detalhes da sua vida. — respondeu. A Três tinha um presença forte, quando falava, todos prestavam atenção. — Algumas histórias não merecem ser contadas. Aposto que tenho algumas bem melhores que essa sua.

Limpou a garganta e quando se preparou para falar, um estrondo viajou do chão sob o arranha-céu até onde os doze estavam reunidos, como um grito de pedido de socorro daquela cidade viva. Todos olharam para baixo. Era um acidente de trânsito, e aquele fato ficou marcado pra sempre na Três. O tempo passou diante dela, a encarou e passou a voz adiante.

Dois.

Ela era a penúltima e não sabia muito bem o que fazer, era muito boa com palavras embora costumasse contar boas histórias durante as poucas reuniões que participou, deicidiu ficar calada. Olhou para cada um de seus amigos, encarou e esperou. Ela tinha todo o direito de ficar calada. Na verdade, podia fazer o que quiser com o tempo que lhe fora dado.

Um.

A neblina tomou conta da cidade, agora era difícil enxergar o horizonte, o chão e o céu. Mesmo assim, interessante como todas as vias, todas as artérias da cidade levavam até a roda gigante. Enquanto ela girasse, as formigas seguiam. O fluxo normal permanecia e nada nunca parava, era como se aquele parque no centro desse corda à cidade. Mas o tempo nunca gostou da eternidade, e é fácil de entender suas motivações. Quando o trabalho de alguém é ser eterno, a passagem dos anos deixa de fazer diferença, isso reduz em praticamente zero qualquer expectativa com o futuro.

- Veja só — disse o Um — Todas aquelas pessoas desesperadas para chegar em casa. Atravessam a cidade com os telefones na mão, dois ou três problemas de uma só vez. E pensar que essa é a primeira vez que passamos por isso.

Por ser o último do dia, o Um sentiu a necessidade de falar algo de útil. E todos a sua volta prestaram atenção.

- Me lembro de uma vez em que todos nós brincamos juntos naquele parque de diversões. — Voltou-se para cada um de seus amigos — Encontrei-me arrastado para cima e para baixo em velocidade alta. Era como se eu estivesse vigiando a cidade sobre o ponteiro de um relógio. O volante voltou-se tão rapdidamente que a Dois, que estava sentada ao meu lado, já não aguentava mais e começou a gritar. Certamente há algo de especial com aquele lugar.

Ali, naquele dia, ago especial estava prestes a acontecer. O Tempo estava doente, prestes a morrer, e não havia nada que os doze podiam fazer a não ser lamentar e tentar contar boas histórias até que a hora chegasse.

Os carros pararam, o vento deixou de soprar, o silêncio prevaleceu e a roda gigante parou.

Doze.

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Frederico Tales
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