Foto: Carol Resende (@entrepelajanela)

Sala cheia

Izabela Brettas
Subplano
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2 min readJun 16, 2018

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A campainha toca e a sala se preenche de roupas brancas. Só mesmo o final de ano para reunir essa família. A mesa de jantar há muito não vê pratos cheios na mesma refeição. Nem o Natal, na semana passada, conseguiu ser motivo de encontro, mas o réveillon, segundo eles, pode aprofundar relações no ano seguinte.

Sento no sofá e desamarroto o vestido que minha mãe me deu. Tento ficar imperceptível para evitar os toques no coque do cabelo seguidos de “nossa, como você cresceu, está cada vez mais linda”. Meu sorriso postiço responde a todos os elogios fabricados.

Escaneio a sala e tudo me parece absolutamente normal, até que vejo as mãos da minha irmã envolverem o pescoço daquele rapaz de cabelos pretos e curtos. Eu já sabia que ele viria, mas não esperava vê-los assim tão íntimos. Ele se aproximou firmando os braços em sua cintura. Não perceberia se tratar de duas pessoas se não tivesse olhado direito. A união dos corpos no canto da sala parece não chamar atenção de mais ninguém, estão todos mais interessados em falar sobre suas vidas, como se fossem invejáveis.

Observo de longe e fito aqueles que são um só. Ela nunca apresentou alguém e diminuiu as idas ao meu quarto para perguntar dos meus desenhos. Ela sempre foi a minha fã número um. Sinto falta das pernas esticadas na parede, formando noventa graus com o corpo jogado na cama e das risadas com minhas expressões depois de ouvir aquelas músicas. Ela dizia ser folk. Colocava no celular para que eu escutasse. Nunca entendi os gritos de HEY!, mas ela entendia. Ela adorava, ou ainda adora? Faz tanto tempo que não sei mais do que ela gosta. Há dois meses anunciou que se esqueceria de mim. Será necessário escolher entre irmãos e namorados? Ela escolheu tomar banho demorado e pedir perfumes de presente de aniversário. Passar batom vermelho e dizer “não sei que horas volto”.

Meu tio pega uma garrafa e anuncia a contagem. Enchem-se as taças. Alguns preparam as uvas, outros correm para a janela para ver os fogos. A vozes unem-se em coro: Dez. Os dois agora já não são mais um, ela cochicha algo no ouvido dele. Oito. Ele afasta o rosto e seus olhos se encontram. Ele sorri. Seis. Ela pega a mão dele, os dedos se entrelaçam. Quatro. Ela o puxa e correm para o quarto mais próximo. Dois. A porta finalmente se fecha marcando o ano que acabava de começar.

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