“The witch who came from the sea” (Matt Cimber, 1976)

Larissa Goya Pierry
Subvercine
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5 min readOct 1, 2018
  • Publicado originalmente em 24/10/2015

Essa pequena raridade dos anos 70, foi descoberta por mim enquanto fuçava no perfil inacreditável dessa menina no Letterboxd (http://letterboxd.com/holliehorror/), é muito frequente encontrarmos pessoas que parecem não terem vidas sociais (p.ex. pessoas que tem blogs como esse), tal é a quantidade de filmes/listas/reviews nos seus perfis. Hollie Horror é uma dessas pessoas, ela parece ser, literalmente, uma enciclopédia de filmes de terror ambulante…então, pra quem quer descobrir filmes como esse (ou ainda outros mais obscuros), ou simplesmente deleitar os olhos com pôsters de terror, fica a dica.

Mas, introduções à parte, esse filme me chamou à atenção desde o primeiro momento. Não apenas pelo nome, mas principalmente pela arte do pôster…quem não (ao menos) se interessaria por um pôster como esse? ainda mais fãs de HQ’s. Pois então, descobri que essa arte explodidora de cabeças foi feita por um artista desconhecido, mas que foi estranhamente inspirada em uma das primeiras edições de um quadrinho norte-americano chamado “Vampirella” (arte de Frank Frazetta, que entre milhares de outras coisas, ilustrou o Conan de 1966 e um álbum do Nazareth!).

Apesar desse fato curioso, minha vontade de assistir ao filme só aumentou, também pela intrigante coincidência de eu ter pesquisado sobre essa HQ e me interessado em lê-la nas últimas semanas. Pois bem, como todo mundo já sabe, um pôster fodástico nunca significou um filme idem…assim como o trailer, é apenas um elemento do marketing pra despertar nosso interesse no produto.

Nesse caso, a arte do pôster não tinha realmente NADA a ver com a história, cuja sinopse dizia: “Uma mulher perturbada é assombrada por memórias de um abuso na infância, o que culmina em uma onda de assassinatos.” (pausa pra pensar).

Primeira coisa que me vem em mente: isso cheira a exploitation. Let’s do this!

Então, assisti ao filme, e posso dizer que ele possui suas peculiaridades e pontos positivos mas, no geral, não dá pra dizer que ele é um filme genial, nem ao menos empolgante. O motivo pelo qual resolvi postar sobre ele aqui é por sua singularidade, quero dizer, apesar de ser um exploitation e realmente se aproveitar de uma relação de incesto entre um pai e uma filha (o que David Lynch diria sobre isso?), que outro filme com ares de slasher vocês conhecem que tem como protagonista um serial killer que é uma mulher? Percebo aí uma qualidade subversiva. Ele também está na lista dos “Video Nasties” (uma coleção de filmes rechaçadas por todo mundo na Inglaterra na década de 80, por conta do seu conteúdo sexual/violento/sangrento), que pode ser vista aqui: http://letterboxd.com/horriblereviews/list/the-video-nasties/

Além disso, pensei que o filme seria bem mais explícito e tenderia mais para o lado de um sexploitation. Mas, como um bom thriller psicológico, ele vela mais do que revela, e, ao final, terminamos a história ainda mais confusos…eis o que eu imagino que se passa na cabeça dos realizadores: basta juntar uma premissa sobre conflitos psíquicos, uma boa dose de blood & gore e, ao final, bater tudo com insinuações de conceitos freudianos!

Um dos pontos positivos é a interpretação da protagonista pela atriz Millie Perkins, que também atuou em vários outros filmes independentes igualmente interessantes, tais como: The Shooting (1966), Ride in the Whirlwind (1966) — ambos ao lado de Jack Nicholson — e Wild in the Streets (1968).

A história fala sobre uma mulher nos seus 30 e poucos anos, Molly, com uma personalidade no mínimo estranha. Ela trabalha em um bar à beira de um porto e mora com seu chefe, com quem mantém um relacionamento amoroso (ele é um homem de uns 50 anos, depois percebemos a semelhança dele com seu pai). A sua estranheza provém não só do jeito fantasioso com que ela lida com a realidade e com as memórias que tem do pai, mas também pelos delírios que ela apresenta, desde a primeira cena, em relação a qualquer figura masculina, imaginando cenários de dor e morte para eles.

Mais tarde, descobrimos que toda essa obsessão que ela tem pelo próprio pai (que pra ela é uma figura endeusada), provém de experiências de abuso sexual que ela sofreu. Assim, o filme tenta dar uma explicação “psicanalítica” pra quem Molly se tornou, quer dizer, todos os anos em que ela foi abusada em silêncio se transformaram em impulsos assassinos reais, que ela põe em prática com todos os homens que encontra.

Não sei muito bem o que pensar de tudo isso, além de que achei extremamente subversivo colocarem uma mulher no papel de serial killer com “daddy issues”. Me lembra, instantaneamente, vários personagens de filmes de terror, como Norman Bates em Psicose, Frank Zito em Maniac e até Jason Vorhees em Friday the 13th. Ainda, durante o filme, são mostradas várias cenas bastante pesadas do abuso (inclusive mais pesadas do que as cenas “sangrentas”), que com certeza não chegariam nem a ser financiadas hoje em dia…esse filme SÓ poderia ter sido feito na década de 70, e eu agradeço por sermos mais politicamente corretos hoje, porque me bateu uma agonia em pensar sobre a saúde mental da menina envolvida nas gravações.

Enfim, ao final temos um quebra-cabeça bastante inconclusivo sobre a vida da personagem e suas motivações, cabe ao espectador tentar juntá-las, mas…não vamos perder tempo nisso, né? Basta dizer que é um filme que vale a pena se assistir, se você tem curiosidade o suficiente.

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Larissa Goya Pierry
Subvercine

Psicóloga. Feminista. Escrevo umas coisas por aí. Apaixonada por Cinema, Literatura, Música e pelas belas estranhezas da vida.