Branding e a importância de uma cerveja qualquer

Gabriel Lima
Supernova cc
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3 min readApr 15, 2020

Texto recuperado. Publicação original de 2018.

Certa vez, ainda novinho e com pouquíssima experiência, tive uma reunião num bar que me rendeu uma ótima reflexão sobre o poder das marcas e a necessidade de investir em branding. Segue o relato.

Era uma tarde quente de verão. Encontrei com o prospect no horário marcado em uma praça, dentro de um clube. Ele me recebeu rapidamente chamando o garçom para trazer alguma bebida da minha escolha. Disse que voltaria em breve, estava resolvendo uma outra urgência. Pedi uma cerveja, dois copos, enchi o meu e aguardei.

Se passaram bons minutos no calor e, após revisar mentalmente todo conteúdo da apresentação, comecei a ficar impaciente. Coisa de novato. Já tinha vasculhado todo o Instagram, Facebook, a caixa de email e, agora, retirava o lacre da cerveja como distração.

Finalmente, o prospect retornou. Disse que estava resolvendo outras questões com outra pessoa e pediu desculpas pela demora. Sentou-se à mesa e me deixou servir seu copo com a cerveja que, àquela altura, já estava acabando.

Comecei a apresentar o projeto. Na minha cabeça ele era sólido, criativo, com estratégias de mensuração de resultado tangíveis e pesquisas convincentes. Eu sabia da dificuldade de mostrar que o projeto traria retorno financeiro, uma vez que era muito mais voltado para branding do que em vendas.

Na prática, até tive a percepção de que as ideias despertaram algum interesse, mas não a ponto de seriem compradas. Tentei levar a conversa para um outro rumo, buscando argumentos para justificar o investimento. Falamos do trabalho da concorrência, do resultado a médio e longo prazo, da ilusão de milagres imediatos oferecidos por alguns serviços, das experiências passadas da agência com outros clientes.

Chegamos, então, a um momento crucial das reuniões. O momento em que o cliente estava instigado até certo ponto, mas espera o clímax, o que irá, finalmente, convencê-lo. Eu suspeitava que ele aguardava o grande ato, mas o problema era que eu já havia apresentado tudo o que tinha, e todas as próximas falas seriam apenas repetições do que já havia sido dito.

Finalmente veio a prova de que era esperado que eu falasse mais: o garçom foi chamado. Enquanto eu pensava no que dizer, meu prospect voltou para mim:

- Vamos tomar mais uma. Qual é a cerveja que estamos bebendo mesmo?

Me voltei para ele descontraidamente:

- Você não consegue saber qual cerveja era?

- A cerveja está sem o rótulo. Assim fica difícil.

- Mas você uma preferida. Certo? Não consegue identificar?

- Sim até tenho, mas não faço ideia do que estamos bebendo agora. Pode até ser que seja a minha preferida, mas não posso afirmar.

- Pois é. Cervejas, sem rótulo, são muito parecidas.

Pedimos outra cerveja, escolhida por ele. Retomamos as conversas sobre o projeto e encerramos a reunião sem fecharmos negócio.

Passados alguns dias, revisando o projeto, o momento da cerveja me chamou a atenção. Existem pesquisas sérias que atestaram que a maior parcela da população não consegue identificar qual cerveja está bebendo. Mesmo aqueles que acreditam ter preferências muito bem definidas. Eu já quis atestar isso por conta própria e fiquei surpreso ao perceber que uma cerveja que considerava muito boa foi votada como péssima por vários amigos em teste cego. Inclusive por mim. E você, leitor/leitora, até pode ser uma exceção, mas grande parcela das pessoas só percebe diferença e atribui características positivas ou negativas a determinados produtos quando existe uma marca visível.

Se eu tivesse percebido a sutileza dessa questão a tempo, poderia ter utilizado as cervejas sem rótulo como uma prova de que o investimento em branding, ainda que seja voltado para gerar valor e fortalecer marca, também gera venda. O exemplo das cervejas deixa claro que não adianta ter um ótimo produto, se as pessoas não sabem diferenciá-lo dos seus concorrentes.

Nunca saberei se o argumento me faria vender aquele projeto ou não. Esses detalhes, na maior parte das vezes, só geram impactos enormes em Fanfics de LinkedIn, mas a experiência foi riquíssima para ver, bem na minha frente, a força que as marcas podem ter sobre os produtos.

A partir dali entendi melhor o que era branding. Graças a uma cerveja qualquer sem rótulo.

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Gabriel Lima
Supernova cc

Publicitário, empresário. Mestre em Gestão da Economia Criativa pela ESPM Rio, sócio e diretor da Agência Pivot.