Representatividade no mercado publicitário
O Brasil é considerado o país mais miscigenado do mundo, entretanto isso raramente foi visto em campanhas publicitárias. Grande parte da população brasileira, além de não representada, se sentia obrigada pela massa a aderir um padrão que não era o seu, modificando totalmente suas raízes culturais e sociais. O mundo agressivo publicitário pesou muito mais sobre as mulheres, que se sentiam na obrigação de manterem seus corpos magros, com cabelos lisos, jamais mal vestidos ou sem maquiagem, para que pudessem servir a homens engravatados, que poderiam ser de maridos a chefes de trabalho.
A luta feminina através de uma emancipação social é longa e já percebida por anos. De degrau em degrau, as mulheres estão cada vez mais ocupando os lugares desejados por elas, abandonando as posições sociais pré-estabelecidas. Além disso, as mulheres passaram a escolher também as suas lutas e as suas próprias causas. O movimento feminista que atualmente existe ao redor de todo o mundo, é o grande agente modificador desse processo. A geração de mulheres a partir dos anos 80 vem mudando tão rápido, que hoje o papel da mulher dentro da sociedade é passado não só das mais velhas para as mais novas, e sim de forma completamente exponencial. Não importa a idade, a cor da pele ou o tipo de cabelo, toda mulher tem algo a ensinar a outra mulher e juntas vêm percebendo que podem ser muito mais fortes.
Dentro da publicidade, o cenário é completamente hostil quando se trata da igualdade de gênero. De acordo com uma pesquisa apresentada no seminário de Cannes , em 2014, as mulheres somavam apenas 20% dos profissionais de criação dentro das agencias publicitárias. Em contra partida, o mesmo festival apresentou outro dado que mostra o quanto essa abordagem é errada, vejamos: no mundo, as mulheres são responsáveis por 80% das decisões de compra em diversões setores da economia mundial. Quando levamos em consideração essa afirmativa, não faz nenhum sentido que as mulheres não ocupem esse lugar com maior representatividade, visto que fazem parte da maioria da população que as campanhas pretendem atingir.
Muitas mulheres negras sempre viveram presas no estereótipo de beleza europeu. Cabelo só se fosse liso, e não importa o sacrifício. O processo de dissociação desse padrão de beleza vem sendo muito difícil. Até entender esse processo, muitas meninas e mulheres sofrem para que seus cabelos sejam aceitos, escondendo a beleza que é também ter cabelos cacheados e crespos, tudo isso por medo de encarar o preconceito. Em 2017, além de entender a mudança de mercado, a Dove entendeu que deveria se posicionar sobre o assunto e que seus consumidores queriam que suas marcas fossem como espelho para que os refletissem sendo eles quem fossem. A partir disso, a Dove lança uma campanha onde foram entrevistadas cerca de 800 mulheres e meninas negras, onde a ideia central do vídeo é que as mulheres aprendam a amar seus cachos. A marca também lançou a #AmoMeusCachos e diversas ações dentro da internet, para que as mulheres com cabelos cacheados e crespos pudessem se identificar com a marca. A ação esteve presente em países como Brasil, Estados Unidos e Reino Unido. Além disso, foram lançados produtos específicos para cabelos crespos e cacheados, se tornando uma das grandes marcas pioneiras no assunto, mas não com a maior abrangência do público em questão.
Antes de 2017, outras ações também foram lançadas onde o negro estava em voga. Mas se decidirmos abrir o número e analisar, vamos encontrar ainda um mundo de desigualdades. De acordo com a Folha de São Paulo , que publicou uma pesquisa feita no ano de 2019, apenas 7,4% dos comerciais de televisão são protagonizados por mulheres negras. Os homens também não são levados em consideração se forem negros. A mesma pesquisa afirma que apenas 22% das propagandas estreladas por homens têm homens negros.
Infelizmente não só o mundo feminino que sofre com essa desigualdade dentro do universo publicitário, outros diversos grupos de minorias passam também por esse sistema, mas sempre com papel de figurantes dessa realidade, mesmo sendo muitas vezes os responsáveis pela a ação final de uma campanha: a compra.
Nos últimos anos, o mundo publicitário se sentiu cobrado por representatividade entre diversos grupos considerados minorias. Os negros, toda a classe LGBT+ e qualquer outra pessoa que não se encaixe nos padrões vistos pelas campanhas, estão movimentando um processo de identidade e representatividade. Basicamente isso diz que, se uma campanha pretende atingir esses grupos, é necessário que ela conheça e represente a sua história.
Além de ser um mercado visivelmente racista, parece que também se trata de um mercado sem interesse nos lucros, como afirmou a publicitária Raphaella Martins Antonioao Folha de São Paulo, visto que uma campanha sem pluralidade é uma má decisão de negócio.
Quando se trata da questão LGBT+, grandes marcas já abordaram o público de alguma forma para que pudessem levar representatividade ao mercado, mas muitas vezes foram julgadas por somente estarem fazendo uso do que dentro da comunidade em questão é chamado de “Pink Money”, que em tradução livre do inglês significa “dinheiro rosa.” As marcas têm enxergado o Pink Money como uma grande oportunidade mercadológica, de acordo com o grande potencial de consumo dentro da comunidade LGBT+. Em realização de pesquisa a consultoria InSearch Tendências e Estudos de Mercado, percebeu que a comunidade é responsável pela movimentação de cerca de 150 milhões de reais ao ano no Brasil em diversos setores da economia. Outra pesquisa feita pelo IBGE em 2010 afirma casais homo afetivos gastam cerca de 30% a mais que casais hetero sexuais e juntos possuem duas vezes mais renda que essa outra parcela da população.
A comunidade LGBT+ foi representada em um comercial pela primeira vez em 1994, ou seja, o tema já está no mercado há anos! Então porque tanto tabu ao se falar do que deveria ser encarado com mais normalidade? A questão é simples: Como eu posso falar de diversidade sexual, cultural, étnica ou de pensamentos sem que eu tenha essa diversidade dentro da minha equipe, que teoricamente, são as cabeças que produzem todo o meu processo. Em junho de 2017 foi feita uma pesquisa pelo site Planta o plomo, onde diz que 33% das grandes empresas não confiariam cargos de chefias a LGBT+ e 61% dos profissionais LGBT+ optam por esconder a sexualidade dos gestores. Sendo assim, parece que já achamos a maior dificuldade desse público que, por mais que sejam parcialmente representados em campanhas, eles não se sentem representados. São pessoas falando deles e por eles, mas não para eles. Todo LGBT+ tem sua própria voz. Se financeiramente se trata de algo lucrativo, e a produção criativa não será afetada negativamente (muito pelo contrário), por que não dar lugar a quem por direito pode assumir? Trata-se de uma situação clara de preconceito enraizado na nossa sociedade.
Esses são alguns dos muitos exemplos que uma sociedade exclusiva e não homogenia pode gerar. Ser diferente é incrível! Tão diferente que a sua singularidade não caberia num pote de shampoo, ou na tela de um comercial. E que cada um viva a sua liberdade, a sua minoria pode ser muito maior que o todo. Viva bem a sua singularidade, e que seja válida a sua definição do que é viver bem.
Que novas agências tomem ciência do poder criativo que levam nas mãos, da importância que uma oportunidade gera, do impacto social que a igualdade trás e do que é realmente um local de trabalho plural. São tantos sofrendo com a desigualdade e são tantos com o poder de ser um agente transformador. Que cada um de nós tome o seu lugar dentro da sua luta.