A música evangélica é repleta de novidades. Conheça como o mercado vem crescendo nesse segmento.

A imagem pública que a maior parte das pessoas possuem da chamada música evangélica é de um cenário homogêneo de musicalidade e pouco variado de temas, pautado principalmente por elementos mais antigos da música pop.

Tiago Abreu
Superplayer & Co
5 min readOct 2, 2018

--

Será que esta visão corresponde à realidade?

A cena musical evangélica se construiu há muitas décadas. Desde os cânticos tradicionais versionados e os crooners, uma geração dos anos 1950 e 1960 foi formada por nomes como Victorino Silva, Luiz de Carvalho, Jair Pires e Feliciano Amaral. O primeiro álbum evangélico saiu em 1958. Em anos antes, os lançamentos eram somente em singles nos chamados compactos simples.

Nesta época, não havia uma formação de mercado propriamente dita. As gravadoras tinham baixa amplitude, não havia emissoras fortes de conteúdo evangélico entre rádios e TVs e, em termos artísticos, era latente uma desconexão entre o “religioso” e o “profano”. Enquanto a música nacional vivia uma explosão de sons, temas e gêneros, a música evangélica estava totalmente desligada do mundo externo.

O primeiro passo de aproximação se deu ainda durante a década de 1970 com a ousadia artística de bandas como Grupo Elo e Vencedores por Cristo, que incluíram elementos de MPB, rock, pop e jazz em suas músicas, mas ainda limitados ao público pequeno e menos tradicional dentre os protestantes.

A explosão se dá no início da década posterior, com o Rebanhão. O grupo, que permaneceu cerca de 10 anos como a banda evangélica mais famosa do cenário, foi responsável por misturar elementos pop e rock de Beatles, Clube da Esquina, Keith Green e Mutantes, fazer críticas ao establishment, se apresentar em importantes casas de shows do país até então frequentados por nomes consagrados — como o Canecão — e produzir canções de apelo popular.

O mercado gospel dá as caras, não o gênero

Em meados de 1987, o momento de transição era visível. O meio evangélico já possuía emissoras de rádio, gravadoras em estruturação e uma série de artistas jovens despontavam. Em 1990, Rebanhão lança o álbum Princípio, considerado o start ao chamado movimento gospel. A partir deste período, por uma estratégia de mercado, tudo o que era e foi produzido em termos de música evangélica passou a ser chamada de “gospel”.

Esta ideia parte do princípio de que a música evangélica não deveria ser pensada como um gênero musical e sim como um segmento do mercado nacional. E em sentido negativo, o crescimento de mídias, como rádio, festivais de música, premiações, emissoras de TV, revistas e websites, transformaram a segmentação em uma espécie de prisão artística que, para os mais alternativos, precisava ser quebrada.

Foram as bandas de rock, como o Rebanhão, dos anos 80 e Oficina G3 e Catedral, dos anos 90, uns dos principais motores do movimento gospel. Mas, quase no início dos anos 2000, tudo mudou. Era Cassiane, na linha pentecostal, que se fortalecia com as milhares de cópias vendidas do álbum Com Muito Louvor. Além dela, uma força emergente do congregacional, representada por músicas de caráter pop rock para a igreja, sob a imagem de grupos como o Diante do Trono.

Música de igreja para música evangélica em aplicativos

Os alternativos que tinham uma visão progressista da música evangélica, como as bandas do novo movimento (Aeroilis, Tanlan e Palavrantiga), permaneceram no cenário independente, enquanto o público sinalizava, com o sucesso de nomes como Aline Barros, Trazendo a Arca, Fernanda Brum e Fernandinho, o caminho pelo qual este mercado ganhava estabilidade. O gospel mainstream tinha definido uma linguagem e temas próprios e quem precisava sobreviver, nos anos 2000, encarava um cenário de dualidade.

As majors entenderam isso. Por décadas, grandes corporações não conseguiram interpretar a linguagem do mercado e desistiram. De 2009 a 2017, o segmento evangélico recebeu reforços de quatro grandes selos, agora com estratégias revitalizadas. Isso refletiu no que está em alta. Nas novidades de 2018, é possível ouvir, por exemplo o pop de Priscilla Alcantara, o indie folk d’Os Arrais, o sertanejo de André & Felipe e o rap de Kivitz.

As grandes premiações e festivais do passado, no geral, não resistiram. Mas tudo está a plenos pulmões com lançamentos de singles. A década de 2010 viu a transição do físico para digital e uma flexibilização da antiga dualidade artística. Isso trouxe um desafio.

Música gospel e artistas que se destacaram no Brasil ao longo das décadas

Como reconhecer o multifacetado meio musical evangélico nos tempos digitais?

Para a curadoria do Superplayer & Co em relação ao meio musical evangélico, partimos de alguns entendimentos sobre este cenário:

  • A história da música feita pelos evangélicos, assim como a popular, é formada por movimentos, tensões e conflitos de poder. Mesmo num discurso menos indireto sobre as coisas religiosas, os artistas observam o mundo por um filtro chamado cosmovisão cristã;
  • Independentemente do que há produzido de ser entretenimento, existe um sentido de missão, pregação e/ou evangelização na obra de todos os artistas e bandas;
  • Os gêneros musicais trabalhados no segmento gospel não necessariamente estão totalmente alinhados artisticamente com o que se faz no mercado nacional e internacional, visto que possuem contextos diferentes;
  • A transição do físico para o digital, no gospel, é um processo ainda problemático e menos orgânico do que em outros mercados. E adultos com acesso à internet ainda optam pelo YouTube no consumo de músicas;
  • As músicas mais tocadas nas rádios gospel, na esmagadora maioria dos casos, são antigas. E as mais ouvidas nas plataformas seguem o mesmo parâmetro;
  • Apesar disso, ainda não existe uma noção de memória no gospel. Não há relançamentos comemorativos de álbuns marcantes e obras de décadas antecessoras, por vezes, são encontradas apenas em vinil.
  • O mercado evangélico vive um momento de transição. O estabelecimento do meio digital está tornando o processo de lançamentos mais rápidos e os álbuns menos frequentes. Por isso, a curadoria musical precisa estar atenta a tudo o que surge, e também alinhar o presente com o passado deste segmento.

E para você, quais são os desafios desta atual década evangélica?

Se você tiver alguma dúvida sobre músicas produzidas por cristãos, não deixe de perguntar por aqui que respondemos para você. Até mais!

--

--