A DIMENSÃO DA DESIGUALDADE RACIAL NO ESTUDO DA SUSTENTABILIDADE

Waleska Miguel Batista
Sustineri
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3 min readNov 23, 2017

Passaram-se 129 anos desde que a Lei Áurea aboliu a escravidão, e mesmo assim, a população negra continua sendo inferiorizada em todos os âmbitos sociais. Segundo os dados do IBGE, a população negra representa 54% da população brasileira, mas é o grupo que ocupa em maior número os empregos menos qualificados, recebem os menores salários, padecem as mazelas das violências urbanas e a maioria não possui moradia adequada (CERQUEIRA, ET AL., 2017, p. 31–37).

Houve a implementação de ações afirmativas que promovem a integração da população negra. A Constituição Federal de 1988 estabelece o exercício da cidadania (artigo 1º, inciso II), a erradicação da pobreza e marginalização das desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, inciso III), o repúdio ao racismo (artigo 4º, inciso VIII) e a igualdade entre todas as pessoas (artigo 5º, caput). Todavia, no que tange aos homens negros e as mulheres negras, esses dispositivos não são materializados.

Em que pesem esses diplomas normativos, a desigualdade racial ainda faz com que os negros tenham mais dificuldade do que os brancos no acesso ao desenvolvimento social, econômico e ambiental. Moreira (2017, p. 837) afirma que existe um privilégio branco que está normalizado nos comportamentos das pessoas, e na própria estrutura social, que reproduz as desigualdades.

Em 2015, foi realizada a conferência da Cúpula do Desenvolvimento Sustentável, e como os países já estavam reunidos, e havia a necessidade da definição de novos objetivos para o planeta, porque os objetivos do milênio tinham fracassado, foram definidos os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), inspirados na RIO+20. A agenda pós-2015 foi definida com 17 objetivos e 169 metas a serem cumpridas até o ano de 2030.

O ODS número 10 estabelece a redução da desigualdade dentro dos países e entre eles, para que todas as pessoas tenham igualdade de condições, e para que alcancem os três aspectos da sustentabilidade, com a finalidade de que se tenha uma sociedade sustentável. A meta 10.3 prescreve “Até 2030, empoderar e promover a inclusão social, econômica e política de todos, independentemente da idade, gênero, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição econômica ou outra”

Desta forma, as lutas de combate ao racismo, desigualdade racial e discriminação contra a população negra é uma das dimensões que devem ser debatidas dentro do estudo interdisciplinar da sustentabilidade, uma vez que produz reflexos no aspecto social, econômico e ambiental.

A partir do momento que o racismo impede que os negros tenham o exercício de sua cidadania, perpetuando-se a pobreza e condições inadequadas de convívio social em vários aspectos, estamos diante de uma sociedade insustentável.

A desigualdade racial é um obstáculo para o desenvolvimento sustentável no Brasil, a ponto de ter sido reafirmado o compromisso de combater os preconceitos e discriminações contra os negros. O Sistema ONU lançou a Campanha Vidas Negras importam com o “objetivo de chamar atenção e sensibilizar para os impactos do racismo na restrição da cidadania de pessoas negras, influenciando atores estratégicos na produção e apoio de ações de enfrentamento da discriminação e violência” (NAÇÕES UNIDAS, 2017, b). A agenda de 2030 não terá os seus objetivos e metas atingidos se a dimensão da desigualdade racial não for contemplada pelas políticas definidas pelo Estado-parte.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 19 de novembro de 2017.

CERQUEIRA, Daniel; ET. AL. Atlas da violência 2017. Rio de Janeiro: IPEA, 2017. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/170609_atlas_da_violencia_2017.pdf. Acesso em: 15 de novembro de 2017.

MOREIRA, Adilson José. Direito, poder e ideologia: discurso jurídico como narrativa cultural. Revista Direito e Práxis, v. 08, n.2, 2017, p. 830–868. Disponível em: http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/revistaceaju/article/view/21460. Acesso em: 16 de novembro de 2017.

NAÇÕES UNIDAS. Objetivos do desenvolvimento sustentável. Disponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods10/. Acesso em: 18 de novembro de 2017.

NAÇÕES UNIDAS, b. Campanhas vidas negras importam. Disponível em: https://nacoesunidas.org/vidasnegras/. Acesso em: 19 de novembro de 2017.

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Waleska Miguel Batista
Sustineri

Advogada, Mestranda em Sustentabilidade e Bacharel em Direito, tudo pela PUC-Campinas. Estuda segregação social e territorial da população negra.