Como é ser mulher e ser designer? 6 mulheres e 5 perguntas

Karine Lima
Sympla Design
Published in
10 min readMar 19, 2020
Mosaico de fotos das mulheres entrevistadas neste artigo.

De acordo com uma pesquisa realizada em Harvard Business Review em 2019, Women Score Higher Than Men in Most Leadership Skills (Mulheres têm pontuação maior que homens na maioria das habilidades de liderança), embora bastante competentes, as mulheres apresentam mais dificuldade para se candidatarem em vagas de emprego quando não cumprem quase 100% dos requisitos exigidos. Quando comparada a um homem que possui a mesma qualificação, e ambos não possuem experiência necessária para um cargo ou promoção específica, nota-se a diferença de comportamento: Homens têm autoconfiança em assumirem o desafio e se comprometem a aprender o que falta. Já mulheres tendem a ser mais receosas, e às vezes duvidam da própria capacidade para seguir em frente.

Outro artigo, também pela Harvard em 2018, What Most People Get Wrong About Men and Women (O que a maioria das pessoas entende errado sobre homens e mulheres), traz um contraponto sugerindo que mulheres não têm baixa autoconfiança por natureza. Segundo o artigo, estudos reforçam que, nas mulheres, autoconfiança é gradativa: quanto mais velhas, mais confiantes, equiparando-se aos homens. Nessa perspectiva, a ideia é que profissionais homens e mulheres sejam igualmente incentivados e confiados pelos seus líderes à cargos importantes, independente de autoestima elevada ou não.

Entrei na Sympla em dezembro de 2019 e faço parte de um time de mulheres que vem crescendo desde então. Nosso time de design na Sympla aumentou de 4 para 18 integrantes (com mais 7 vagas para serem preenchidas), e com 6 mulheres a mais. A realização de ver mulheres participando ativamente das etapas de ideação, execução e da tomada de decisões nos produtos da empresa gera entusiasmo. E também inspira outras mulheres.

Como comemoração do Dia Internacional da Mulher, que nunca nos falte lugar de fala. Por isso, eu e mais 5 mulheres que trabalham com Design aqui na Sympla, respondemos 5 perguntas elaboradas por mim, que norteiam o contexto de ser mulher, ser designer e trabalhar com produto e tecnologia.

Sendo mulher, ouvir o que outra mulher tem a dizer é sentir-se acolhida e saber que não se está só. É ter o conforto de receber um “ela me entende” e que não, “o problema não sou eu”. Sendo homem, ouvir o que uma mulher tem a dizer é contribuir para que o diálogo seja ferramenta de mudanças propositivas.

Este artigo é o compartilhamento do resultado dessa experiência. Faça bom uso e boa leitura!

-

1. Sendo mulher e designer, qual a maior dificuldade que devemos estar preparadas para enfrentar o mercado de trabalho?

Beatriz Pawlow (UX Designer com foco em Acessibilidade): Durante minha graduação em Design de Produto, nas aulas de História da Arte, estudei obras de autores masculinos, sabendo que, certas vezes, era a mulher a verdadeira responsável pela criação. Ao ingressar no mercado de trabalho como designer, como afirmar que eu era capaz de ocupar aquele lugar, de fazer um trabalho eficiente com resultados coerentes e que muitas vezes poderia ser melhor que os dos meus colegas homens? Foi um trabalho mental diário, lembrando sempre do propósito de estar onde estou hoje e trabalhando como UX Designer.

Fernanda Ferraz (Designer Ops): Acredito que a maior dificuldade é a desigualdade de gênero. O número de mulheres inseridas no mercado de trabalho e, principalmente, assumindo cargos estratégicos ou de poder vem crescendo de uns anos pra cá. Mas o julgamento ou não-aprovação ainda existe pelo simples fato de ser uma mulher. Desigualdade de gênero, na minha opinião, vai muito além de uma questão salarial. É também uma questão social e cultural que reforça a mulher como submissa, frágil e incapaz, no qual seu mundo deve-se resumir em cuidar de filhos, marido e lar.

Isadora Santos (UX Designer): Minha dificuldade não é relacionada à minha profissão, mas à minha condição de mulher negra. Fazer parte deste grupo no mercado de trabalho é estar ciente da necessidade de, às vezes ganhando menos, sempre fazer mais pelo mesmo (ou nenhum) reconhecimento e ser justificada ou abafada em reuniões de trabalho.

Karine Lima (UX Designer): Pode ser que a gente não seja ouvida ou que ouçamos um não sem uma justificativa plausível. Pode ser que sejamos contrariadas mesmo quando tivermos autoridade no assunto. A maior dificuldade portanto, é estarmos preparadas para, sabendo de tudo isso, ter força e energia suficiente para propor e acreditar em mudanças.

Marina Frizzarin (Product Designer): Acredito que devemos estar preparadas principalmente para receber os baques, os resultados negativos e as frustrações de ter empecilhos em nossa jornada no mercado. Isso, lembrando sempre de que é assim que nos tornamos mais fortes, independente do tempo que esses empecilhos precisem durar.

Thaís Falabella (UX Researcher): Como mulheres, lidamos com muitos preconceitos e visões socialmente construídas sobre nós. Como mulher designer, sinto que sou automaticamente designada às funções ligadas ao relacionamento com outras áreas e entendimento do usuário, no mesmo passo que sou desqualificada nas conversas de aspectos mais estratégicos e relacionados às métricas. Além disso, a área do design depende bastante de uma habilidade de se posicionar, conquistar espaços, mostrar valor do trabalho e ser reconhecida. Nesse sentindo, mulheres costumam ter mais dificuldades em se expor, se colocar no lugar de fala, e dificuldade em serem reconhecidas e terem confiança no próprio trabalho.

_

2. Para inspirar outras mulheres: ao olhar para trás, qual conselho você daria para si mesma e qual aprendizado você não gostaria de esquecer?

Bia: Eu tranquilizaria a Beatriz do passado, que teve muitas crises de ansiedade por achar que não era boa o suficiente. Também diria que em vários momentos ela vai errar e errar feio mas, tudo bem! Vai servir como motivação para pesquisar muito mais sobre determinado assunto e se tornar a pessoa que vai falar especificamente sobre uma área do design para a empresa inteira. Para nunca esquecer: Junte-se às outras mulheres, fortaleça sua rede de contatos, traga exemplos femininos de trabalho para o seu dia-a-dia para que todas as pessoas que trabalham com você valorizem as mulheres em produto. Seja resiliente mas entenda até onde vai o limite de compreensão.

Fernanda: Você enfrentará muitos desafios durante essa jornada, mas não perca a fé de que todo seu esforço valerá a pena e será recompensado. Estude muito, dedique-se ao máximo e não tenha dúvida de que será uma excelente profissional. Ah, procure se orgulhar da sua trajetória pois este reconhecimento será importante pra você. Tudo nesta vida passa! Momentos felizes e tristes e, no fim das contas, o que importa é quem você é e não o que tem!

Isa: Como mulher, me aconselharia a não ter medo ou insegurança em falar durante as aulas e expor minhas opiniões. Que mulheres também podem errar e que os erros também são necessários para a construção e formação. Também não devo deixar de reconhecer meu trabalho e mostrar que ele é meu sempre que possível. Isso ainda é muito difícil pra mim.

Karine: É fácil aconselhar coisas do passado tendo a nossa maturidade e o nosso repertório de agora. Então, hoje com 27 anos, se eu dissesse para a menina de 17 ir com calma, provavelmente ela responderia “não vou não, obrigada”. Mas é importante lembrar de que construir uma carreira profissional é uma longa escada em que cada degrau é um processo que exige desapego, paciência e adaptabilidade. Não quero esquecer dos momentos difíceis superados, das pequenas conquistas, dos amigos feitos no meio do caminho, e da ideia de que absolutamente tudo tem seu tempo para acontecer (ou para não acontecer).

Mari: Paciência e confiança. Principalmente no início dos estudos e da carreira é muito importante ser firme em buscar os sonhos mesmo que tudo pareça dar errado. Do mesmo jeito que acredito no design, também vou encontrar oportunidades e pessoas pelo caminho que também acreditam no meu trabalho. Não quero me esquecer de que não estou sozinha. Em todos os lugares que passei e principalmente na Sympla sempre tive o forte apoio de mulheres incríveis que se unem no que for preciso. Que eu ainda tenha mulheres incríveis ao meu redor e que ainda possamos evoluir e nos ajudar muito até lá ;)

Thaís: Confie no seu trabalho e capacidade, as oportunidades surgem para quem faz isso. Fique sempre atualizada sobre as novidades do mercado. Aprenda tudo que puder! Conhecimento nunca é demais e seu repertório acabará te ajudando em algum momento. Lembrar sempre dos princípios do design e aplicar eles no dia a dia: empatia, colaboração e experimentação.

_

3. Qual designer mulher você mais admira? Por quê?

Bia: Quando estava escolhendo qual curso faria na Universidade, pensei em me matricular no percurso gráfico. Uma das personalidades que mais me inspirava na área (e que continua inspirando) é a Jéssica Walsh. As obras dela têm significado cultural e referencial muito grande e, quando associadas às peças de marketing, trazem um apelo crítico. Há alguns anos, ela divide com Stefan Sagmeister um famoso e premiado escritório de Design em Nova York. Além disso, criou o Ladies, Wine & Design, um espaço onde mulheres podem compartilhar referências, trocar ideias e inspirações, e apoiar umas às outras. Atualmente, acontecem encontros da rede em mais de 280 cidades no mundo, inclusive em Belo Horizonte. Vale a pena conferir!

Fernanda: Coco Chanel, estilista de moda, é a mulher que mais admiro por sua personalidade, autenticidade, irreverência, ousadia e história de vida. Filha de lavadeira e vendedor de roupas, morou em orfanato, foi cantora de cabaré, aprendeu a costurar e abriu sua primeira loja. Chanel foi a primeira mulher a desenhar peças inspiradas no guarda roupa masculino que, para aquela época, era algo totalmente ousado e inovador. Para mim, ela é exemplo de superação e força. Uma mulher realmente decidida e imponente. Trabalhou até os últimos dias de sua vida e sua moda atemporal, fez da marca uma referência mundial.

Isa: Não tenho referências de designers mulheres negras que admiro, mas a mulher que mais admiro como profissional é a Nina Silva. Para mim, ela representa alguém que saiu da posição de desprivilegio e com grandes degraus para subir, e se tornou uma das 20 mulheres empreendedoras mais reconhecidas no Brasil.

Karine: Admiro muito a Julie Zhuo. Julie é asiática-americana, empresária e cientista da computação, vice-presidente de design de produtos do Facebook, e autora de The Making of a Manager. Com tantos títulos importantes, Julie consegue escrever sobre design, liderança, tecnologia e vida, com a sensação de igual para igual, compartilhando dores, aprendizados e motivações, sempre convidando para o auto-questionamento. É uma forma de inspiração para lembrarmos que podemos chegar muito longe e de que o caminho não é tão simples quanto parece.

Mari: Gosto MUITO da história da Carolyn Davidson, ela criou o logo da Nike nos anos 70, ainda na Universidade, por um preço muito simbólico. Só depois de mais de 10 anos recebeu reconhecimento. É um exemplo bastante conhecido que representa parte de onde começamos a discussão sobre a participação das mulheres no mercado e que também reforça aonde queremos chegar em 2020.

Thaís: Admiro a Patrícia Mourthe pela sua experiência, trajetória e generosidade. A Marcela Abreu por sua atuação no mercado, conquistas e abertura para colaborar.

_

4. Como você se enxerga daqui 5 anos na sua área de trabalho?

Bia: Me enxergo dando mais valor para as minhas entregas e em um cargo de liderança no time de UX, sendo referência para outras mulheres que também procuram se estruturar na carreira profissional.

Fernanda: Com mais experiência, conhecimento, maturidade, e provavelmente tocando meu próprio negócio, desenvolvendo trabalhos dos quais eu me orgulhe.

Isa: A caminho / sendo um cargo de liderança em Design de serviços na minha própria startup.

Karine: Me enxergo como uma profissional que será referência para outras mulheres, ocupando um cargo importante, liderando e motivando outros designers. Gosto da ideia de gerar impacto para a empresa, fortalecer o time de design, e de sempre colocar-me acessível para compartilhar conhecimento e aprendizados continuamente.

Mari: Me enxergo em um lugar impactado pela diferença que eu também ajudei fazendo parte. É muito mais motivador saber que posso participar da mudança de um local ou de um processo, acreditar nisso, amar o que eu faço e colher os frutos de tudo no futuro. É nesse cenário que eu quero estar nos próximos anos.

Thaís: Não tenho um plano exato. Quero trabalhar cada vez mais com design num nível estratégico, escalando e melhorando a qualidade do trabalho de design, entregando mais valor aos usuários e negócios, e impactando cada vez mais pessoas.

_

5. Por que vale a pena falar de feminismo em 2020?

Bia: Porque ainda existe uma discrepância de direitos, acesso, comunicação e valores entre homens e mulheres. Sempre que essa diferença acontecer, ainda será necessário falar sobre feminismo. Mesmo sendo mais da metade da população mundial, ainda somos consideradas uma minoria. O motivo? Estamos a todo momento em desvantagem social e nossa segurança ainda é colocada em risco.

Fernanda: Porque finalmente as mulheres começaram a ganhar lugar de fala e precisamos lutar por nossos direitos. Ao contrário do que muitos pensam, o feminismo não é o contrário do machismo. O feminismo é igualdade de gênero. Enquanto houver machismo, precisamos nos unir, lutar e falar por nós e por todas mulheres que foram ou estão sendo silenciadas.

Isa: Vale a pena falar de feminismo não só em 2020, mas em todo momento. Considerando o momento histórico, político, social e cultural que o Brasil e mundo estão passando, estudar e conversar sobre questões ideológicas é essencial. Além disso, para evitar a formação de grupos sem entendimento reais das causas, é indispensável ser cuidadoso e claro ao conversar e trabalhar sobre essas questões.

Karine: Embora dê a impressão de que feminismo seja pauta estabelecida nas rodas de conversa e assunto midiático desde uns tempos para cá, ainda há muito a ser feito. Valerá a pena falar e insistir no feminismo sempre que existir diferenças de tratamento entre homem e mulher, minimização de espaços de fala e de atuação, salários discrepantes, cobrança e pressão social, tudo isso apenas por ser mulher.

Mari: Nesse momento de transformações, inovação e tecnologia, também é o nosso papel ensinar e mostrar mais oportunidades para todas as mulheres, que elas saibam que estamos juntas para conquistar o nosso espaço e especialmente o sonho de cada uma.

Thaís: Por mais que vejamos vários avanços, ainda existem muitas marcas da sociedade machista que atingem mulheres diariamente. Esses impactos podem estar velados, atingir psicologicamente as mulheres, serem portas de vidro, dificuldades de alavancar a carreira sem motivos claros. Ainda temos muito a avançar!

Que elas — mulheres e cada uma dessas respostas, fortaleçam outras mulheres e conscientizem melhor os homens. Cada indivíduo, naturalmente, carrega sua história, suas dificuldades, suas dores, seus traumas e suas incertezas, e as desigualdades de gênero não deveriam ser mais uma barreira.

Feliz Dia das Mulheres!

// Agradecimentos: Beatriz Pawlow, Fernanda Ferraz, Isadora Santos, Marina Frizzarin, Thaís Falabella e time Sympla.

--

--

Karine Lima
Sympla Design

designer gráfico, designer de produto e content designer. esportista, hiperbólica e desmistificadora de breguices.