Infelizmente a Terra Não É Plana: Dados Georreferenciados na Agricultura

Fernanda Silva
Syngenta Digital Insights
4 min readJun 14, 2023

O sonho de todo desenvolvedor(a) que trabalha com agricultura é que o nosso planeta fosse plano, simplificando tremendamente toda e qualquer operação relacionada ao espaço físico das fazendas. Mas já que não é, existem algumas tecnologias e abordagens que podem facilitar a vida da pessoa programadora e garantir que o agricultor não verá sua fazenda diminuir de tamanho na tela do computador.

Comecemos com uma contextualização para os novatos na área agrícola: uma fazenda é dividida em talhões.

Talhões irrigados por Pivô Central de Irrigação

Um talhão, é uma subdivisão da área da fazenda, podendo ou não ter demarcação física. Esse tipo de técnica, chamada de Talhonamento, possibilita um controle mais eficaz da produção, capturando variáveis como gastos e produtividade de forma individualizada. Em fazendas de grande escala, talhões se agrupam em regiões, que podem ser agrupadas em regiões ainda maiores, em uma estrutura de árvore que pode ser bastante complexa e repleta de metadados. Anotações como índices de insetos, volume de ervas daninhas e tarefas pendentes são exemplos de dados anexados a essa estrutura.

Além de tudo isso, fazendas possuem outras subdivisões que podem ou não se sobrepor aos talhões definidos, como áreas de cultivo, áreas de proteção ambiental e demarcações de construções agrícolas como silos e casas de máquinas.

Dada essa definição, o armazenamento e manipulação de dados de origem agrícola pode seguir vários paradigmas, mas inevitavelmente envolve o uso de dados georreferenciados. Esses dados vão unir informações escalares, como índices pluviométricos e volume de colheitas, a coordenadas geográficas que determinam o espaço físico onde essas informações ocorrem.

O primeiro passo para que essa união de informações aconteça está na modelagem de dados. Na Syngenta Digital nós usamos polígonos georreferenciados para modelar talhões, nos quais cada vértice do polígono é uma coordenada geográfica formada de latitude e longitude. Essa abordagem cobre a maioria dos casos e é perfeitamente compatível com o GeoJSON, um dos formatos mais utilizados para trafegar estruturas de dados geográficos na internet. Dessa forma temos uma maneira simples de armazenar dados fiéis à realidade das fazendas com certos tipos de talhões; aqueles que possuem apenas formatos estritamente poligonais.

Mas nem todos os talhões são polígonos. É bastante comum a ocorrência de talhões circulares, que geralmente representam áreas irrigadas por pivôs centrais. Infelizmente, o GeoJSON não tem suporte a definição de círculos como estrutura de dados, apenas linhas e polígonos. Para contornar esse problema, pode-se transformar círculos em polígonos de vários lados, como um polígono de 64 lados, que já se assemelha bastante a um círculo. No entanto, esse tipo de operação diminui a fidelidade entre o dado modelado e o espaço real e ainda aumenta o espaço necessário de armazenamento.

O PostGIS, por sua vez, tem suporte a definição de círculos. Diferente do GeoJSON, o PostGIS é um banco de dados com ênfase em dados georreferenciadas e provê uma forma orgânica de descrever esses elementos. Além disso, o PostGIS tem sua maior força na outra parte do problema dos dados agrícolas: a manipulação de dados.

O conjunto funções de manipulação de dados geográficos do PostGIS é reconhecido por ser nativo e performático. Uma dessas funções, é o cálculo de área para geometrias georreferenciadas. Apesar de parecer simples, o cálculo da área de um talhão é delicado, já que tem que levar em conta a curvatura do planeta para que não haja diferença entre o valor computado e o medido na fazenda. Quanto maior a área, maior a diferença, podendo causar o verdadeiro terror dos agricultores que, em um software sem a devida atenção a esse detalhe, veriam menos hectares do que estes têm na realidade.

Outra função interessante é a ST_OVERLAPS. Essa função trabalha com o conceito de sobreposição de duas geometrias georreferenciadas. Essa função é essencial para validação da criação de áreas cultivadas, já que se não é possível plantar milho e abóbora no mesmo espaço no mundo real, um software não deveria permitir que isso aconteça durante o planejamento do plantio.

Se fosse necessário desenvolver essas funções sem o uso do PostGIS, estaríamos olhando para um problema que demandaria várias linhas de código e provavelmente de difícil manutenção, como sabemos por experiência própria na Syngenta Digital. Além disso, mesmo com código já produzido, este não seria mais rápido que os algoritmos aperfeiçoados pelo PostGIS, somando-se ainda a potência computacional de operações feitas nativamente em bancos de dados em relação à manipulação de dados em código.

Vale lembrar que o PostGIS não elimina a necessidade do GeoJSON. As tecnologias são, na realidade, frequentemente usadas em conjunto, como é o caso da solução atual desenvolvida por nós da Syngenta Digital. Enquanto o PostGIS oferece o armazenamento definitivo e as funções rápidas, o GeoJSON externa esse dado de forma palatável para aplicações web que mostram a informação ao usuário final.

Usando ambas as tecnologias e algumas mais, é possível trazer para dentro do computador parte da abundância de informação que encontramos no campo. Fosse a Terra plana, o trabalho seria mais fácil e poderíamos simplificar todos os problemas em planos cartesianos. Mas como a Terra gira em toda sua glória geoidal, pelo menos estamos bem servidos de tecnologias.

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