Bíblia de venda

A idéia é rei! ou como apresentar seu projeto: título, logline, o high-concept, sinopse, sinopse longa, pitching, one pager, apresentação, justificativa, biografias, descrição do mundo, storyboard, fotos ou desenhos.

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Estes comentários não são normativos. Existem inúmeros modos de apresentar seu trabalho. Não há regras. Repito: não há regras. Em última instância, o que “vende” um filme ou série é sua sinceridade e criatividade. Seu leitor precisa sentir que o texto foi escrito com garra e livre de clichês.

Mas também é verdade que muitas vezes um projeto se ressente de falhas que poderiam ser facilmente evitadas. Espero que esse texto ajude o roteirista estreante.

Sua maior ambição seria ajudar a definir um padrão tanto de formatos, como de escrita. Nunca tivemos uma tradição forte de roteiristas na produção independente. Daí que o roteiro não ocupou o lugar central que deveria possuir no processo de produção. Agora, com a multiplicação de séries e o crescimento da produção em outras bases, faz-se necessário organizar o campo. As equipes precisam falar a mesma língua e serem capazes de entender os documentos que circulam.

Há muitos exemplos americanos no texto. Isso me incomoda. Nas minhas aulas faço questão de mesclar cinematográfias e gêneros. Mas o padrão mundial quem definiu foram os Estados Unidos. Nossas equipes vão trabalhar em produções internacionais que seguem esses padrões. Não tem muito como escapar.

Bíblia de venda

As partes de uma bíblia de venda variam muito e você podem combinar de várias maneiras os formatos de documentos descritos a seguir. As vezes, o formato é definido por um concurso, as vezes pela demanda de um produtor, ou então pela sua necessidade interna como escritor.

Título

O título é o primeiro contato do leitor com seu texto. Ele precisa despertar a atenção, dar pistas do filme que será realizado e suscitar curiosidade.

Vamos a alguns exemplos.

- Cidade de Deus é irônico e indica que justamente aquela cidade foi abandonada por Deus.
- Made in USA deixa explicita a ironia crítica de Godard.
- O Ano Passado em Marienbad transmite a enganosa noção de que algo aconteceu em Marienbad, é uma armadilha narrativa, assim como o filme todo.
- O Espelho e A Separação introduzem metáforas poderosas que fundam os dois filmes.
- Scream e Psycho definem de imediato qual o gênero do filme.
- Spy Kids já possuí implícita sua premissa: e se James Bond fosse uma criança?
- Star Wars instantaneamente transmite algo da história.
- Terra em Transe é tão bom que virou expressão para descrever o Brasil, justamente por captar de modo sintético as contradições do nosso país.
- Toy Story define com clareza qual o seu conceito.

Essa lista é interminável. Mas o bom título antecipa o filme que vamos assistir.

Nunca use “Título Provisório.” Um título provisório, vago ou genérico, são marcas do escritor estreante, inseguro.

Na minha experiência, paga-se um preço alto por títulos longos. Mas essa é mais uma observação cheia de excessões!

Logline

É o resumo do filme em uma frase. É muito difícil de escrever e tremendamente estratégico para vender o projeto. Sempre que você for apresentar seu filme oralmente a primeira questão vai ser: “O que é o seu filme?” E sua resposta tem que estar na ponta da língua, sem hesitação.

O chamado “pitching do elevador” é uma logline. Digamos que um dia você entra em um elevador e quem está lá é Steven Spielberg. Esta é uma chance única. A logline é a frase que você usaria para vender a Steven seu projeto.

A logline pode ser mais importante que um roteiro, pois uma boa idéia é muito difícil de encontrar e ela sozinha pode viabilizar o projeto. Num mercado altamente competitivo como o do audiovisual, onde são escritos e concebidos milhares de projetos todo ano, é natural que histórias muito originais -ainda não contadas ou então com uma engenhosidade narrativa surpreendente- consigam sobreviver com mais facilidade.

Jeffrey Katzenberg, um dos maiores produtores de Hollywood, quanto ainda era encarregado da produção dos estúdios Disney escreveu um memorando (1991) revelador afirmando que a “a ideia é rei.”

No vertiginoso mundo da realização cinematográfica, nós não devemos ser distraídos de um conceito fundamental: a idéia é rei. Estrelas, diretores, escritores, máquinas, efeitos especiais, novos sistemas de som… todos podem desempenhar um papel no sucesso de um filme, mas eles devem servir como humildes servos da supremacia da idéia

Se um filme começa com uma idéia ótima e original, existe uma boa chance que ele venha a ser um sucesso, mesmo se executado de modo apenas bom. No entanto, se um filme começa com uma idéia falha, ele vai quase com certeza fracassar, mesmo se realizado com talento “A” e com um marketing fabuloso. (KATZENBERG, 1991. Tradução minha.)

A estrutura de uma boa logline indica quem é o protagonista, qual o seu objetivo, qual a força que o impede de realizar seu desejo e termina com um gancho capaz de despertar a curiosidade do seu interlocutor.

Vou dar vários exemplos, a maioria retirados de Trottier (2005).

• Um tornado transporta uma garota solitária de uma fazenda no Kansas para uma terra mágica, ela então realiza uma uma perigosa jornada para encontrar o mágico que tem o poder de envia-la para casa. O mágico de Oz (The Wizard of Oz, 1939).
• Um psicólogo luta para curar um garoto angustiado que é vitima de uma aflição bizarra: ele vê pessoas mortas. O Sexto sentido (The Sixth Sense, 1999).
• Terroristas sequestram o Air Force One. Força Aérea Um (Air Force One,1997).
• Uma secretária, depois de ser despedida e abandonada por seu namorado, recebe a carta de uma corrente e a envia para as pessoas que a prejudicaram, só que no dia seguinte todas aparecem mortas. A corrente do mal (Chain Letter,2009).
• Um garoto de 10 anos viaja 30 anos no futuro para salvar o homem careta que ele vai ser tornar. Duas vidas(The Kid, 2000).
• Um homem morre e torna-se o anjo da guarda de sua esposa. Ghost: do outro lado da vida (Ghost, 1990).
• Um faminto ator machista se traveste de mulher para conseguir um papel numa telenovela. Tootsie, (1982).
• Dois adolescentes doentes se apaixonam no encontro de um grupo de suporte para pacientes com câncer. A culpa é das estrelas (The Fault in Our Stars, 2014).

Veja como não se usa o nome do personagem, mas sim uma descrição capaz de caracteriza-lo.

O maior desafio é a logline ser única com elementos familiares. Dedicar muito tempo a brainstorms para esclarecer a logline é um trabalho fundamental.

Muitas vezes a logline contem um high-concept. A melhor definição é também de Katzenberg (1991): seria uma idéia que se vende sozinha, pois carrega dentro de si o seu marketing. Ela é fácil de ser lembrada e reproduzida, o que favorece o boca-a-boca, testemunho do seu potencial de atração. Segundo pesquisa, se numa roda de cinco pessoas, uma delas avalia negativamente um filme, destrói imediatamente a intenção de consumo das outras quatro. Uma idéia capaz de alimentar o boca-a-boca consegue se destacar rapidamente da competição.

Também é preciso reconhecer que idéias simples geram grandes filmes. O cinema está mais próximo do conto do que do romance, partilha a mesma simplicidade estrutural.

As melhores loglines são high-concept. Mas nem toda boa idéia necessariamente é high-concept. Por exemplo, Guerra nas estrelas (Star Wars, 1977) enfrentou muitas dificuldades para ser financiado porque sua história era muito complicada.

Exemplos de high-concept

Premissa

• Um adolescente é erroneamente enviado para o passado, onde precisa se assegurar que sua mãe e seu pai vão se encontrar e se apaixonar, daí ele precisa voltar para o futuro. De volta para o futuro, (Back to the Future, 1985)
• Uma criança alienígena é acidentalmente esquecida na Terra e torna-se amiga de algumas crianças que a ajudam a encontrar o caminho de casa. E.T.: o extraterrestre (E.T. the Extra-Terrestrial, 1982)

Questão em forma de premissa

• E se Peter Pan crescesse? Hook — A Volta do Capitão Gancho (Hook,1991).
• E se você descobrisse que seus amigos e seu trabalho só existem na sua imaginação? Uma mente brilhante (A Beautiful Mind, 2001).
• E se o diabo tivesse um filho? O bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby,1968).

Questão direcionada à audiência

• Qual a pior coisa que pode acontecer com uma babá? Perder a criança. Uma Noite De Aventuras (Adventures in Babysitting, 1987)
• O que você faria se você fosse acusado por um crime que você não cometeu… ainda? Minority Report: A Nova Lei (Minority Report, 2002).
• A sua namorada é capaz de apagar todas as memórias de você da mente dela. O que você faz? O brilho eterno de uma mente sem lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004).

Modificar o contexto de um filme conhecido

• Wagon Train no espaço. Jornada nas estrelas (Star Trek, 1966–1969). Este foi o pitching original de Gene Roddenberry, que usou um seriado famoso na época, Caravana (Wagon Train, 1957–1965), para apresentar um gênero pouco conhecido.
• Jaws no espaço. Aliens, o Resgate(Aliens, 1986).
• Dance with Wolfes vai ao Japão. O último samurai (The Last Samurai,2003).
• Romeo and Juliet em um barco. Titanic (1997).

Essa é uma das dificuldades de base dos projetos brasileiros. Em geral inventamos histórias muito complicadas! Na Argentina desenvolvem vários projetos com high-concept. Por exemplo:

• O mal humorado dono de uma loja de ferragens verá sua vida virar de cabeça para baixo quando ajudar um chinês perdido que não fala uma palavra em espanhol a encontrar seu tio em Buenos Aires. Um conto chinês(Un cuento chino, 2011)

Não confundir a logline. com a tagline, as frases que acompanham o material promocional do filme e são escritas em geral quando o filme esta pronto. Por exemplo, em Cidade de Deus (2002):

Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.

Sinopse

0 que é a sua história? Cinco linhas bem objetivas que introduzem o leitor na premissa do filme. Um exercício muito bom é resumir toda a história em três frases que descrevem o estado inicial, a complicação e o gancho para o final.

Na verdade, a sinopse é uma logline maior, com mais de uma frase. Eis um bom exemplo de Central do Brasil (1998).

Dora, uma amargurada ex-professora, ganha a vida escrevendo cartas para pessoas analfabetas, que ditam o que querem contar às suas famílias. Ela embolsa o dinheiro sem sequer postar as cartas. Um dia, Josué, o filho de nove anos de idade de uma de suas clientes, acaba sozinho quando a mãe é morta em um acidente de ônibus. Ela reluta em cuidar do menino, mas se junta a ele em uma viagem pelo interior do Nordeste em busca do pai de Josué, que ele nunca conheceu.

Sinopse Longa

Muitas vezes são solicitadas sinopses de uma página em editais. Aí vai um exemplo para o filme Contra todos (2004).

Na aridez de um bairro da periferia de São Paulo vivem Teodoro, sua filha adolescente, Soninha, e sua segunda mulher, Cláudia. Mas o dia-a-dia dessa família classe média baixa está assentado sobre mentiras. Por trás da fachada de homem religioso, Teodoro ganha a vida como matador, bate na revoltada Soninha e tem uma relação extraconjugal com Terezinha, sua companheira de culto. Vaidosa e insatisfeita no casamento, Cláudia vive um caso com Júlio, filho do açougueiro da vizinhança. Em torno do grupo, orbita Waldomiro, amigo e sócio de Teodoro e objeto do desejo de Soninha. A ação é desencadeada pelo assassinato de Júlio. Culpando o marido, Cláudia destrói a casa e foge. Num hotel do Centro, conhece o porteiro Lindoval, com quem começa um namoro. Exausto, Teodoro decide deixar sua vida em São Paulo, casar-se com Terezinha e mandar Soninha para a casa da avó. Mas nada sai como planejado. Quando Lindoval é espancado por carecas até quase a morte, Cláudia suspeita do ex- marido. Na mesma noite, Terezinha recebe em casa uma fita de vídeo em que Teodoro transa com Cláudia. O matador atribui a idéia da fita a Cláudia. O engano duplo prepara o desfecho chocante da história, entrecortado por várias revelações e por uma surpresa final.

Eu não quis contar o final. Mas muitas vezes é necessário, depende da função da sinopse.

Pitching

É a defesa oral que você faz do seu filme. Toda conversa com um produtor, distribuidor ou canal pode facilmente se transformar num pitching. Mas em geral é uma apresentação com formato fixo, de 5 ou 10 minutos. As vezes pode ser para uma platéia ou em sessões individuais.

Antes de mais nada é preciso apresentar o título e formato do projeto. É um longa? é uma série? se for série, de quantos capítulos? com qual duração? de qual gênero?

E então ir direto ao enredo: como começa a história? Enquanto você fala, seu ouvinte precisa ter a impressão que está vendo um filme. Por isso é importante apresentar os personagens em ação dentro da história, não em uma biografia separada. Quando for impossível apresentar todas as ramificações de um enredo, tente deixar um gancho no ar.

Todos os projetos começam com defesas orais. Uma vez vendida a idéia, um produtor pode pedir um argumento ou financiar a escrita do roteiro.

Pitchings precisam ser ensaiados, pois são uma performance. Esse é um trabalho difícil, as vezes constrangedor, mas fundamental. O texto precisa ser claro, compreensível de cara. Encontre um platéia e ensaie o seu pitching.

Uma página (One pager)

É o documento que você deixa para o produtor depois de um pitching. Uma página que apresenta o seu projeto. Nunca vi pedirem no Brasil, mas seria muito útil. Ela deve conter:

• Título
• Seu nome
• Tagline (opcional)
• Gênero
• Formato (para TV)
• Logline
• Sinopse
• Audiência
• Seu contato

Lembrando, a tagline tem função diferente da logline. É uma frase que ajuda no marketing. Uma provocação que ajuda a entender qual a pegada do filme.

Se o projeto é televisivo, deve dizer quantos são os episódios e sua duração.

A sinopse deve contar todo o filme, inclusive o desenlace.

A audiência deve ser bem definida. Não vale dizer velhos, jovens, homens e mulheres. Todo projeto gostaria de ter alcance universal! Mas você sempre deve mirar um nicho e trabalhar com características que esses fans vão reconhecer. É com eles que começa a divulgação.

E, claro, telefone e email.

Apresentação

É um filme de baixo orçamento? é uma superprodução? vai ser filmado em digital? tem apelo de público? é uma mini-série? são episódios autônomos? qual a duração? é um curta? é ficção ou documentário?

O que é o projeto e quais os seus trunfos. Evite sobretudo dizer suas intenções. Seja afirmativo e aponte as qualidades do projeto. Uma apresentação em geral tem meia página, mas podem ser pedidas com uma página.

Justificativa

Porque esse filme é tão importante? o que ele significa para você? porque você resolveu dedicar anos da sua vida a esse projeto? porque ele pode ser importante para a sociedade brasileira? Enfim, porque esse filme deve ser feito? É uma defesa temática do filme.

É importante falar do seu filme. Não faça digressões sobre o cinema brasileiro ou sobre como seu filme se insere, ou se diferencia, do gênero de que faz parte. Sobretudo não use nenhuma palavra empolada como diegese. Seu filme não é um trabalho acadêmico. Também não use a palavra intenção. Você não está dizendo o que pretende fazer, mas sim o que fará. O texto deve ser positivo. Intenções sempre são vagas. Justificativas são curtas, no máximo uma página.

Biografias

No máximo cinco linhas por personagem! Devem ser curtas e descrever o físico, mas também a personalidade e as relações com os outros personagens. Sobretudo é importante definir os traços característicos do personagem, aquilo que o faz único.

A descrição tem que ser substantiva, explicar sua aparência, seu passado ou sua personalidade. Não coloque na biografia elementos do enredo do projeto, frases como “Ela não sabia ainda a armadilha em que ia cair!” Essa armadilha é parte da sinopse da história, não da biografia.

Muitas vezes um argumento de filme é precedido por uma curta biografia do protagonista. Em séries de televisão e telenovelas, dado o grande número de personagens, são obrigatórias essas listas para ajudar o leitor a se localizar. No caso de telenovelas, os personagens são agrupados por núcleos: O Núcleo da Vila, O Núcleo da Casa de Antenor, O Núcleo da Fábrica, etc.

Por exemplo, a descrição de Omar do seriado A escuta (The Wire, 2002–2008):

OMAR — um ladrão de traficantes, 30 anos, uma alma independente que voluntariamente começa a ajudar McARDLE quando a facção de Barksdale mata seu jovem parceiro em retaliação por um assalto a um drogado. Ele é destemido, tendo sobrevivido por dez anos roubando traficantes. Ele será o personagem chave que se encarrega de levar o caso até BARKSDALE.

Mas atenção: só descreva personagens que aparecem na sinopse ou no argumento.

Descrição do mundo

Se o seu mundo tiver algo especial vale a pena dar um pouco de referências. Por exemplo, se a ação se passar em numa mansão assombrada, é preciso explicar a história e circunstâncias daquela casa. Se está ambientado em um futuro distópico, quais são as regras desse mundo? Tudo em não mais de 10 linhas… Mas se o mundo for muito complicado o número de linhas vai para o espaço!

Storyboard, fotos ou desenhos

No caso de animações ou video-games os materiais visuais são obrigatórios. Trata-se de criar do zero um mundo novo e é importante que você mostre que está a altura do desafio. O material visual facilita muito imaginar como será esse mundo e seus personagens. O traço já sugere o tom do projeto.

No caso de filmes e séries de TV já é diferente. A tradição é apresentar textos muito despojados e capazes de sugerir o visual do filme.

No entanto, muitas vezes quem vai ler um projeto não é um profissional. Pode ser um gerente de marketing. Também é verdade que para o júri de uma comissão de seleção as vezes é uma benção um projeto com imagens em meio à leitura de centenas de projetos sem nenhum charme. Por isso são produzidos folhetos que ajudam muito na apresentação.

Referências

QUINN, J. C. E. The Pitch. Londres: Faber and Faber, 2006.

KATZENBERG, J. The World is Changing: Some Thoughts on our Business. 1991 November 11. Disponível em: http://www.lettersofnote.com/2011/11/some-thoughts-on-our-business.html. Acesso em: 3 set de 2015.

TROTTIER, D. The Screenwriter’s Bible: A Complete Guide to Writing, Formatting, and Selling Your Script. Los Angeles: Silman-James Press, 2005.