Rodrigo Cidelino
TRIUNFO
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5 min readDec 13, 2020

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“A música é só uma semente…”

Foto: Jeferson Delgado

Eu tinha 15 ou… 16, quando vi o nome Emicida pela primeira vez… A primeira música que conheci foi “Oorra”, meu irmão escutara no PC. Me lembro de perceber que tinha um sentimento muito forte naquele refrão de “Oorra”. Já conhecíamos o Rap – aliás, me sinto privilegiado de ter conhecido bem cedo, por influência do meu irmão, por ele ser 6 anos mais velho, enquanto ele ouvia na adolescência, eu crescia ouvindo junto. Os meus primeiros contatos com o Rap que me vem na lembrança é por volta de 2003 mais ou menos… Com Racionais, RZO, Facção Central, GOG, Criolo, Trilha Sonora do Gueto… Foram diversos grupos que conheci quando eu estava crescendo. Inclusive, meu irmão chegou a cantar também, formou um grupo em 2007, que durou uns 3/4 anos mas não deu certo. Ainda assim, por mais que eu tivesse uma referência em casa, até ali, 2009/10 eu nunca tinha tido uma identificação tão forte como tive quando ouvi o Emicida. Hoje entendo, que muita coisa chegava nos meus ouvidos, mas não no meu coração. Nessa fase da minha vida, eu ouvia as músicas soltas, não ouvia os álbuns inteiros, não tinha censo crítico algum, não até esse disco, mudei esse hábito, porque sabia que poderia haver diversas músicas boas que eu pudesse estar perdendo, e não me arrependo, por que logo de cara, fiquei impressionado com a “Pra quem já mordeu um cachorro…” ao ouvir todas as faixas, logo me identifiquei pela qualidade nas letras e por incrivelmente ser 25 músicas onde todas eram boas, você não pulava nenhuma ao ouvir. Particularmente, essa mixtape é meu trabalho favorito do Emicida até hoje, claro, eu amo todos os outros que se sucederam, mas esse tem um significado especial pra mim.

Foto: Revista Trip/Reprodução

Bom, veio 2010, eu com 17, fui acompanhando todos os lançamentos da Laboratório. Eu trabalhava como office-boy em Santos, vivia falando pra todo mundo que conversava sobre as músicas do zica, espalhando a palavra mesmo rs… Mas na época, pouquíssimas pessoas o conhecia no litoral. Ia trabalhar usando as camisetas com frases da MuroBR, foi quando comprei a minha primeira camiseta da Laboratório Fantasma, que inclusive tenho até hoje. Por ser menor de idade, eu ainda não colava nos shows, foi então que conheci a Dakhla, uma amiga que morava em Santos e ia sempre pra São Paulo, naquele tempo ela namorava o DJ Kiko do Pentágono, era a pessoa mais perto da Lab que eu conhecia. Quando teve o show de lançamento da Emicidio, ela insistiu pra que eu falasse com minha mãe que ela me levaria no show, minha mãe é claro, não deixou eu ir. O primeiro show que fui, foi só em janeiro de 2011, quando ele veio pra Santos junto do AXL e fez um show num restaurante – que de noite recebia shows e eventos, chamado Arena Pelé. Foi então, que a Dakhla, que me deu uma pulseira Vip que ela havia ganho e enfim conheci o Emicida pessoalmente. Por alguma razão – que eu atribuo ao nervosismo, não tenho registro desse encontro. Lembro de dar um abraço nele, comentar sobre a camiseta com o desenho da Vila Belmiro que ele havia ganho e de ter curtido o show.

Foto: Site Rolling Stone/Reprodução

Dali pra frente, eu fui em todos os shows que ele fez na Baixada Santista. Aquele ano de 2011 foi especial pra mim, porque comecei a escrever, já influenciado pelas batalhas de MC que também conheci através dele. Antes do Emicida, eu nunca tinha pensado em escrever, em rimar, em me expressar através de textos, versos, ele fazia isso tudo parecer fácil. Até hoje eu guardo muito das letras dele como ensinamentos e partes de quem eu sou, elas ecoam na minha mente e me fazem crer que é possível. Desde então, escrevo poesias pra amigos e alguns colegas. Ele me fez acreditar lá em 2011 e isso de uma certa forma ajudou a formar meu caráter enquanto indivíduo e mudou a minha visão de mundo. O Hip hop salva mesmo vidas enquanto ação social, o movimento, a música tem esse poder. São quase 11 anos acompanhando de longe e torcendo por todos da Laboratório, me sinto parte disso, tivemos a chance de ver como nasceu um império.

Foto: Júlia Rodrigues/Divulgação

Conheci muitas pessoas através do Leandro e continuo conhecendo, tanto fãs quanto referências dele. Acho que o grande lance de ter alguém que você se inspira, é tentar entender o que os inspiram. E ao longo dessa década acompanhando a carreira dele, posso dizer que sou muito grato em ter conhecido muitos nomes da nossa música através dele, como: Candeia, Cartola, Adoniran Barbosa, Djavan, Gil, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento e muitos outros. O Emicida sempre bateu nessa tecla do reconhecimento em vida e o quanto nosso país não reconhece os artistas geniais que tivemos como entidades da nossa música. Na verdade, acredito que isso acontece com artistas negros, pois a cor da pele costuma vir antes do talento, da genialidade, dúvida?! Qual artista a Rede Globo sempre convida para fazer um especial de fim de ano? Não questiono carreira e sim valorização da cultura preta. Quantos especiais tiveram artistas como Cartola, Wilson Simonal? Essa perseguição na mídia, ou melhor, esquecimento, ainda acontece com tantos outros nomes como Pelé por exemplo, que é reverenciado em qualquer lugar do planeta, mas no Brasil é muito mais lembrado pelos erros que cometeu.

Foto: Jeferson Delgado

Pois bem, tive essa reflexão ao assistir o documentário do AmarElo na Netflix, foram muitas emoções que me tomaram de uma só vez, mas como sempre, mais um material do Leandro em que recebemos muitas referências para estudar e reverenciar, entender que somos continuidade disso tudo, que não podemos esquecer a história. Há muita coisa do nosso país que não conhecemos, que me fez se questionar o por que essa informação não chega para nós, talvez, se a lei de ensino de história afro-brasileira fosse seguida a risca, não tivéssemos presenciado e sofrido com racismo desde a escola. A propósito, na minha visão, o documentário de AmarElo é um grande material de estudo que poderá ser usado em salas de aula. Não há nada mais motivador do que uma criança preta com auto estima boa, enfim, tenho muitas influencias que admiro na vida e na música, o que pra mim é uma coisa só, mas trago o Emicida como grande inspiração, até eu colecionar discos teve influência dele. Fico feliz que se as rimas dele chegaram até mim um dia, é porque era pra eu ser o ouvinte.

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