Elos que nós Amarram

Lucas Rodrigo
TRIUNFO
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9 min readNov 6, 2019

Eu não lembro exatamente quando foi a primeira vez que eu vi o Emicida, mas tenho certeza absoluta do que eu estava fazendo.

Nessa época eu morava no interior, estava começando a ter acesso a internet, o que eu consumia de música era um pouco de mpb e rock, pra ser honesto era New Metal porque sempre achei supimpa bandas com caras como Mike Shinoda do Linkin Park ou Fred Dust do Limp Bizkit que conseguiam trazer rimas mais cadenciadas sendo um contra ponto do rock clássico que nunca me cativou. O ponto aqui é como eu cheguei no Emicida ou como ele chegou até mim.

Tinha chegado da escola, fui adiantar o almoço porque meus pais trabalhavam fora e sempre fazia o possível pra ajudar e enquanto fazia isso eu sempre deixava a tv ligada pra tocar música, por mais que eu não lembre qual foi eu tenho certeza que foi Triunfo ou Só Rezo 0.2, enfim, eu senti a mesma coisa quando assisti elas. Não sabia o que sentir eu só fiquei intrigado vendo aquilo de alguma forma me prendia, e que me cativou o suficiente pra juntar minhas economias pra comprar um dos poucos bonés que tenho. A rua é noiz me atingiu.

Eu acabei não indo pesquisar na internet, mas os clipes sempre passavam na tv e aos poucos eu fui prestando atenção em tudo que aquela música tinha sem entender direito, é engraçado que nesse mesmo momento eu me sentia muito deslocado sobre a vida como um todo e foi a quando eu conheci o Kid Cudi, Pursuit of Hapinness me segurou tanto quanto aquele neguinho magrelo que estava de terno no meio de um show de rock que demonstrava toda aquela energia e emoção enquanto cantava.

Aqui eu vou ser obrigado a assumir que mesmo que vendo o Leandro pela primeira vez eu acabei deixando de lado por um tempo, mas puta merda o refrão de Triunfo e de E.M.I.C.I.D.A. são mais potentes que super bonde e eles sempre se mantiveram na minha cabeça.

O tempo passou, eu continuava a ouvir algumas coisas do Emicida, “Então Toma” era um dos clipes que eu mais gostava de ver. Meu irmão vivia cantando algumas coisas, mas na volta de uma visita a minha avó materna que mora na Zona Norte a quase 40 anos, eu estava no passageiro e então tocou “Hoje Cedo”, eu já tinha ouvido algumas vezes mas não tinha dado muita atenção, então meu pai que estava dirigindo comentou “Esse Emicida é bom, ele fala algo importante nessa música” e eu distraído questionei e a resposta veio na lata “A sociedade vende Jesus, porque eu não iria vender meu rap?”. Esse foi o exato momento que decidi que iria baixar todas as músicas e ouvir de fato o que o Emicida tinha, foi aqui que eu definitivamente virei fã e simplesmente decorei a maioria das músicas.

Depois de algum tempo eu acabei passando na faculdade de geografia e me mudei pra casa da minha avó na Zona Norte, e finalmente tinha formas de ir pra mais shows na cidade e eu lembro como se fosse ontem a primeira vez que vi o Leandro no palco.

Era uma Virada Cultura, tinha ocorrido um ataque terrorista contra terreiros e ele estava pra lançar o primeiro single do álbum novo e eu estava enfrentando as tretas que era deixar o cabelo crescer. O show foi no meio do dia, ele estava de branco, cara aquele dia foi magico, eu fui sozinho e estava me sentindo totalmente deslocado só olhando pro palco esperando o show começar e quando ele apareceu e a música começou tudo era ignorável, o melhor momento do show foi quando ele puxou a MPC pra tocar “Rua Augusta” e eu fiquei bobo vendo aquilo. Daquele dia até hoje foram muitos shows, talvez eu consiga contar todos, mas isso é besteira.

Isso pode estar ficando um pouco longo, mas estamos quase chegando na parte que importa. Durante esses anos que acompanho o menino Emicida teve outros dois momentos que simplesmente não soube como reagir por sentir muita coisa e só conseguir ficar “caralho mano que foda”.

Era Outubro de 2016 e antes de continuar eu preciso deixar explícito pra quem não me conhece que eu sou apaixonado por animes e mangas a mais tempo do que eu me entendo enquanto pessoa, na pré-escola eu almoçava assistindo Pokemon e nas primeiras series do fundamental era Yu-Gi-Oh, retornando, estava rolando algumas notícias sobre uma possível nova coleção da Laboratório Fantasma que iria ter como referência a figura do Yasuke, o primeiro samurai negro, eu estava muito curioso, mas moleque eu juro por Deus, ninguém nessa terra estava preparado para o que eles mostraram, a música, a coleção, o desfile, aquilo bagunçou todo mundo. Até hoje quando vejo o desfile e escuto a música eu fico bobo e triste por não ter conseguido comprar mais peças da coleção porque aquilo juntava duas paixões que fazem parte do que sou, me vi naquela passarela, usando aquelas roupas e acho que foi a primeira vez eu me senti representado de fato.

Um pouco mais pra frente, setembro de 2018, mais uma informação importante, em casa são quatro moleques e meus pais acreditavam que vídeo games poderiam ajudar a lidar com tanta energia, deu certo, mas criou alguns apaixonados por jogos e isso sempre foi algo que esteve presente na minha vida. Eu sempre tive dificuldade de me enturmar, mas jogos online me ajudaram bastante nisso e o principal deles foi o League of Legends que faz parte da minha vida a bastante tempo por uma série de motivos e então voltamos para setembro do ano passado. Era mais uma final do Circuito Brasileiro e como sempre a Riot organizou uma cerimônia de abertura e cara essas cerimônias são sempre muito fodas, mas esse ano tinha algo especial, nesse dia eu tinha acordado, lavado o cabelo, tomado café e sentei no computador olhando o twitter e vendo a cerimônia e do nada o nosso protagonista solta um tweet “fica de olho na final do cblol” a minha única reação foi gritar “QUE?” e na hora começou, cara eu não sabia o que dizer, o que sentir, o que passava na minha cabeça, eu estava completamente bobo, rindo sozinho admirando aquilo, era meu artista favorito cantando na final do meu jogo favorito utilizando de várias gírias que são singulares da comunidade e mais uma vez eu me senti normal e feliz por ser tudo que sou e que amar tudo que amo. Mais uma vez o Emicida fez dois universos se juntarem com maestria e elegância.

E agora a pergunta que deve estar na sua cabeça é “PRA QUE TUDO ISSO?”

A resposta é simples, pra mim é impossível falar sobre AmarElo sem falar sobre a relação que construí no longo desses anos e eventos com o Emicida e com o Leandro. Todo mundo tem uma história e essa história sempre vai dialogar com o presente e com tudo que produzimos e fazemos e AmarElo é sobre isso.

Quando o primeiro anuncio surgiu, que tinha como provocação “Permita que eu fale e não minhas cicatrizes” eu já imaginava o que poderia vir e estava muito animado, porque todas as falas estavam direcionando a um resgate da nossa ancestralidade e de juntar tudo que o Leandro recolheu como referência e estudo em um único projeto. A cada nova postagem e trecho eu ficava mais animado e criando as teorias e possíveis coisas que poderiam vir ao mundo e finalmente o primeiro single foi oficializado.

Durante o lançamento dos singles, “Eminencia Parda”, “AmarElo” e “Libre” a Laboratório Fantasma organizou alguns eventos para aproximar os fãs e o Emicida e graças as meninas do FC Triunfo, em especial a Beatriz (SALVE NEGAH), eu pude ver o cara que sou fã de perto e foi uma experiencia incrível, mas por hora vamo dar uma segurada nessa parte e ir pro álbum.

A primeira vez que escutei o mais novo projeto, ou experiencia social, chamada de AmarElo eu não soube como me sentir, porque eu reconheci uma das pessoas que mais admiro depois da minha mãe, te amo Dona Rosângela, tinha tudo que eu imaginava que poderia ter mas ao mesmo tempo era algo diferente, e a cada ouvida, cada reflexão eu tentava entender um pouco mais de como tudo que estava ali dialogava comigo e pra ser bastante honesto eu ainda acho que tem bastante coisa que precisa entender, mas esse não é o ponto.

AmarElo é diferente, é inovador e ao mesmo tempo é ancestral das produções, que o próprio Emicida nomeia de Neo Samba, até as propostas líricas que conta histórias com uma abordagem diferente e isso é perceptível logo na primeira ouvida. As participações são fundamentais pra criar esse ambiente completamente novo e nos deixar confortável, mas chega de questões técnicas.

Seguindo o conselho do Leandro eu tenho escutado o álbum durante a manhã enquanto faço as coisas de casa. E durante uma dessas vezes, quando tocou “A ordem natural das coisas” eu me vi sorrindo bobo lembrando de coisas da infância, enquanto nós estávamos na escola as manhãs ou melhor as madrugadas sempre foram tumuladas em casa porque todo mundo precisava se arrumar pra sair e eu lembro de como minha mãe sempre nos acordava, um de cada vez, de forma delicada, ajudando com os uniformes, preparando o café e organizando o bonde pra sair sem que ninguém perdesse o horário e aos finais de semana a gente acordava sozinho com o único objetivo de comer sucrilhos e ficar vendo desenho ou jogar vídeo game.

Quando essa memória veio na cabeça eu entendi, não só o que AmarElo é para mim, mas o que o Emicida representa pra mim.

Se quando eu era um adolescente deslocado que sabia que era preto e o mundo inteiro iria fazer questão de jogar na minha cara isso o Emicida apareceu sendo um norte, uma possibilidade. Aquele cara preto, magrelo, de terno, cheio de energia, usando um terno rimando “Talibã Latino menino bomba sem destino” me deu um caminho, uma luz e mostrou que eu poderia sentir raiva da merda que a sociedade era e que era um sentimento valido e durante todos esses anos aquele adolescente e o cara amadureceram e chegaram, de certa forma, juntos em AmarElo e toda aquela raiva ainda faz sentido, mas mostrou ser pouco eficiente e que se faz necessário se repensar o que deve ser entregue para as pessoas ao nosso redor, e bom AmarElo é sobre isso, sobre envelhecer, amadurecer, mudar e finalmente florescer tal qual as plantas que um dia nossas mães cultivaram e hoje nós cultivamos.

Essa experiencia social é uma tentativa musical e social de traçar um novo caminho para a mudança, é entender que existe diferentes possibilidades de transformar o mundo. Se um dia a raiva me abraçou e me representou, hoje o que me representa é a esperança que “As pequenas alegrias da vida adulta” como, ver minhas plantas dando brotinhos, comer o churros do Mossoró, ver minhas sobrinhas crescendo e meus amigos cada dia mais próximos de conquistar seus sonhos, criam dentro de mim e mostram que a vida é sim muito complicada e recheada de problemas mas que também pode ser leve e agradável como tomar o sol da manhã.

Se décadas atrás o Cartola nos deu “A sorrir” e mostrou que a vida pode ser bela, desde “Triunfo” o Emicida nós lembra da mesma coisa, até porque o que o nós é entregue de forma concentrada em AmarElo sempre nós foi entregue em pequenas músicas nos outros projetos como “A Cada Vento”, “Beira de Piscina”, “Velhos Amigos”, “Viva”, “Sol de Giz de Cera”, “Hino Vira-Lata” e em “Casa”.

Por mais que a nossa sociedade tente constantemente nos obrigar a entrar no ciclo de ódio que só gera mais morte AmarElo é um convite a empatia e respeito com um sorriso e os braços abertos.

Pra finalizar o que tenho a dizer é que o adolescente que viu no Emicida de Triunfo a possibilidade de ser coisas que ele nunca imaginou e que ficava maravilhado ao ver o ídolo fazendo coisas majestosas ainda vive e junto dele o adulto gostaria de agradecer pelo abraço, agradecer por todas as conversas indiretas e diretas, todos os ensinamentos e por fazer ele acreditar que ele pode ser sim um homem negro que gosta de cuidar de plantas, brincar com filhotes, aprender com as crianças e se sentir tão grande quanto o artista que ama e admira.

Obrigado as meninas do FC Triunfo, vocês são fodas! E em especial a Beatriz que é a amiga, irmã que fica tramando as melhores teorias comigo!

Obrigado Dona Jacira por dar ao mundo uma das vozes mais importantes dessa geração.

Obrigado Leandro por sempre me dar assas pra alcançar novos patamares e espero que algum dia a gente possa trocar algumas mudinhas de planta.

E antes que eu me esqueça, talvez eu não tenha outra oportunidade pra te falar MAS A DUBLAGEM DO EKKO TRUE DAMAGE FICO FODA PRA CARALHO PUTA QUE PARIU!

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