Emicida, das primeiras mixtapes a AmarElo: estava tudo lá

Rogedson
TRIUNFO
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3 min readNov 10, 2019

Quem acompanha a carreira de Emicida pode constatar a sua evolução através dos 10 anos de estrada. O rapper paulistano de 34 anos demonstra ao longo de cada um dos seus trabalhos um apuro estético e artístico cada vez mais refinado. Dos "samples chiados" e com rimas pesadas do ep "Pra quem já mordeu cachorro por comida até que eu cheguei longe", até a qualidade harmônica e de arranjos de "AmarElo", Emicida passou por diversas fases na carreira.

O rapper, que já distribuiu manualmente seu discos no início da carreira, hoje é, junto com seu irmão Fioti, um dos responsáveis pela Laboratório Fantasma, empresa que produz e distribui os seus discos, além de ser uma grife autoral e de gerenciar a carreira de outros grandes nomes do rap nacional, como Drika Barbosa e Rael. Óbvio que esse crescimento do garoto da Zona Norte de São Paulo que apareceu pra cena nas batalhas de mcs despertou crítica de muita gente. Não são poucos na Internet os haters que dizem que Emicida "se perdeu", "se vendeu" ou que passou a "ganhar dinheiro". Como se isso fosse crime.

O que essas pessoas não veem, no entanto, é que, em que pese a constante evolução a cada um dos novos discos lançados, a essência de Emicida está presente e continua muito próxima do rimador do primeiro ep.

Em algumas entrevistas, como a concedida ao colunista do UOL Ronald Rios, Emicida já revelou que o novo álbum está totalmente ligado à sua nova fase da vida: um cara que é pai, que tem família estabelecida e que hoje se relaciona com o mundo de forma menos rancorosa. Mas como esse Emicida pai já estava, em essência, no ep "Pra quem já mordeu cachorro", dez anos atrás?

Em meio a canções que exaltavam a origem nas batalhas como "Vai ser Rimando" e outras de cunho social como "Triunfo", "Eu tô bem" e "Ela diz" são duas canções que, já naquele momento, mostram um Emicida que não tem medo de ser mais casa e menos rua. Um rapper que já no seu início não vê "problema em viajar de classe A" e que já cantava um cotidiano de relacionamento amoroso como o trazido em algumas canções de AmarElo.

"Essa é pra você primo" e "Oooorra" são duas canções dolorosas, que falam sobre traumas, perdas e de como essas experiências construíram a trajetória do Emicida. Mas mesmo nelas, pode se perceber o homem preocupado com a família, e que - talvez por essas experiências - faria de tudo para valorizar esse momento atual. Essa valorização surge pra gente em "Pequenas Alegrias da Vida Adulta" e em "Cananeia, Iguape e Ilha Comprida". O Emicida caseiro, que valoriza o cotidiano estava lá e nos é revelado aqui, agora como pai.

Mas não só esse último trabalho encontra ecos nas primeiras mixtapes de Emicida, mostrando, antes de tudo, uma coerência e um espírito firme. O álbum de forte teor racial "Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa", que foi concebido durante viagem do rapper ao continente africano, também tem marcas de uma continuidade com as primeiras mixtapes do rapper. "Avua Besouro", do álbum "Emicídio" se liga de forma especial a "Mandume": um manifesto épico cantado a seis vozes no penúltimo álbum de estúdio de Emicida. Uma das diferenças entre as músicas com temática racial nesse álbum é o local de fala - não no sentido corrente e esgotado pelos tais pós-modernos. Em "Sobre Crianças" é nítido que a voz de Emicida e de suas parcerias não gritam daqui do Brasil, mas gritam diretamente da África.

Dizer que os últimos trabalhos de Emicida têm referências nos primeiros eps e mixtapes não é dizer que o rapper não evolui, de forma alguma. Como dito no início do texto, a evolução artística e apuro estético é palpável. A reverência a referências musicais nacionais como Belchior, Wilson das Neves e Jair Rodrigues é um dos grandes trunfos de AmarElo e também do "Sobre Crianças" e do "O Glorioso Retorno de quem Nunca Esteve Aqui". Emicida se transforma em cada um dos álbuns, estuda, desenvolve novas texturas e arranjos cada vez mais elaborados e casados com a proposta de cada um dos discos. Olhando pra frente, podemos imaginar que, mesmo não sabendo ainda, muitas das referências do próximo álbum do rapper já estão plantadas.

Temos, por fim, um artista que ousa, inova e que consegue, ao mesmo tempo, manter-se coeso e coerente à sua história e à sua proposta. E se hoje ele canta sobre esperanças e sobre amor é porque ele já havia avisado em "E Agora?", primeira faixa de Emicídio: "Agora nós tem carro, casa, comida/ e vai cantar que não dá pra vencer na vida?".

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