Tailândia-Brasil #04: Mais um mês e as perguntas ainda sobram no meu caderninho

Murillo Leal
Expresso Tailândia-Brasil
4 min readMay 29, 2020

Este texto faz parte de uma troca de correspondências entre os escritores Matheus de Souza e Murillo Leal. Durante a quarentena, toda sexta-feira, um dos autores escreve uma carta no Expresso Tailândia-Brasil.

Leia a carta anterior de Matheus aqui.

Meu amigo,

Hoje me reservo o direito de eliminar todas as cordialidades convencionais que prefaciam uma carta. Vou direto ao ponto. Lendo sua última carta, me dei conta de algumas coisas extremamente importantes.

Notei, primeiramente, que se passou um mês inteiro desde que me escreveu pela primeira vez. Não pude deixar de notar a petulância que temos com este projeto. Ele é, sem querer, uma afronta a comodidade da comunicação moderna, um insulto a banalidade das conversas fáceis e um desacato a velocidade ultrassônica das mensagens e suas respostas imediatas.

Escrever cartas num mundo de mensagens de texto instantâneas é completamente insurgente, é praticamente uma má-criação, mas, tudo bem, nada mais rebelde que essa nossa amizade. (Às vezes, penso que o universo nos mantém bem distantes justamente para prezar pela nossa própria saúde.)

Falando em amizade, te conheço o suficiente para saber que escrever este projeto tem agradado seu coração assim como o meu. Nessas palavras trocadas semanalmente, podemos simular uma boa aproximação.

Tenho coragem de dizer a ti, coisas que não diríamos numa conversa informal de WhatsApp, na cara serena da terapeuta de meia-idade com ar de equilibrada ou numa palestra para mil pessoas na Fiesp. Aqui é um espaço para sermos a gente mesmo. E, é isso que acho incrível.

Sou o cara das metáforas exageradas. Penso que somos como dois viciados (não-literalmente, claro) tentando sair da realidade corriqueira e chata, juntando moedinhas pelos faróis (assim que chamam sinaleiro em Sp. Acho brega.) em meio a trapos imundos rumo a uma drogadição voluntária da mente.

Repare, há sempre solidariedade na loucura conjunta. Penso que escrever é meio que entorpecer-se diante das realidades, para ignorar temporariamente o cruel jeito do mundo nos punir, e adormecer inconsciente, até ser acordado pelo sol na calçada e outro dia começar.

Embora muita gente vai me acusar de criar uma imagem deplorável, é assim que boa parte das pessoas se sentem em meio a mundo em pandemia, as pessoas desesperadas, a mente enfurecida, o corpo inteiro sentindo-se inválido e aquela recorrente sensação de impotência que o brasileiro ganha de berço.

Faço, obrigatoriamente outra nota necessária sobre essa troca: O Matheus da última carta não era qualquer Matheus. Era o Matheus da roda do bar. Não aquele nômade reconhecido pelas peripécias ébrias e pelas aventuras loucas. O Matheus da última carta é o ser humano por inteiro. O equilibrista na corda da vida que oscila como um ser em busca da sua maior essência. Tente nunca perdê-lo de vista.

Admiro o seu desafio de, mesmo sendo aqui do nosso sul, ignorar os deuses da carne e ter a coragem de tornar-se vegetariano. Não julgo que eu conseguiria. É realmente corajoso e ousado evitar uma picanha. Mas, tenho evitado o álcool também. Na verdade, ando com o estômago sem sintonia com a minha mente e dizem que o estômago é o medidor de paz do corpo. Penso que faz algum sentido. (Se encontrar algum guru oriental por aí, faça questão de perguntar para mim?)

Tenho me sentido bastante sozinho aqui também. Apesar da companhia do Chet Baker, boa parte do meu dia é trancado em um quarto. Mas, não há do que sentir pena, todos os que vivem boa parte do tempo consigo mesmo aprendem a deslocar suas expectativas de um jeito bom.

Quando morava em São Paulo, cada dia que saia na rua percebia que o Nelson Rodrigues estava certo ao dizer que “a maior forma de solidão é a companhia de um paulista”. A cidade é feita para a individualização. Um formigueiro de isolados sentindo-se vivos pelas coisas temporárias como poder e dinheiro. Sem julgamentos, essa vida só não é para um lunático como eu.

No entanto, aprendi que quando você está sozinho, aprende a viver seus limites, a ponderar seus exageros e a ter que lidar com suas frescuras e caprichos de outra forma. Outro dia, li um livro que falava que a vida intelectual ela é realmente solitária porque não permite penduricalhos. Achei exagerado, mas depois, confesso que fui acometido por uma lucidez que me jogou contra a parede da realidade.

A verdade, meu amigo, é que nunca vamos ser completos, mas tenho certeza que somos privilegiados por ter encontrado um bom trabalho, por ter cruzado com pessoas bacanas, por cagar para o relógio em determinadas situações, por desprezar os altares que muitos tentam nos colocar.

Coleciono caderninhos de anotações. E os uso sempre para as ideias mais malucas. Faz mais de um mês que começamos a trocar essas palavras, e quero te agradecer por me provocar a ter muitas ideias. Meu caderninho tá cheio.

Feliz ano novo tailandês. E parabéns pelo aniversário no último dia 25, o abraço fico te devendo. O churrasco cancelado e a cerveja, só se for do nosso bar do Copan.

Ideia para um novo livro:

Sorriso no rosto, toba na mão

Nele eu narro a história de influenciadores que fingem que tá tudo bem, mesmo em meio a uma pandemia.

Ideia para podcast:

Podtirarocavalinhodachuva.

30 minutos entrevistando pessoas que se arrependeram de votar nos seus candidatos.

Ideia para série de TV:

Apenas pare com isso.

12 episódios, 20 minutos cada, biografia de um cara divorciado de 30 anos que não sabem mexer no tiktok, passa o dia vendo videos de animais no youtube e coloca “simpático, inteligente e gente boa” na descrição do Tinder.

Em Desconstruindo Harry, Harry Block, interpretado por Woody Allen retoma detalhes de seu passado fracassando em três casamentos e se consultando com seis psicanalistas. Por aqui, uma terapeuta e meia dúzia de linhas escritas me dão uma paz danada.

Um abraço efusivamente brazuca,

Murillo

--

--

Murillo Leal
Expresso Tailândia-Brasil

#Jornalista e #escritor • TOP VOICE #linkedin 390 mil seguidores • Especialista em #storytelling • Colunista @rockcontent | murilloleal.com.br