Notas para um dia difícil

Talita Chiodi
Talita Chiodi
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5 min readJul 28, 2019

Você já teve um dia difícil? Um dia daqueles que quando termina, dá vontade da gente terminar junto com ele. Vontade de agarrar no sol e se pôr também. Você já sentiu essa sensação de falta de energia vital, de querer poder virar micro-partícula e evaporar. Que a gente faz num dia desses?

Já pro banho! Você pode pensar que banho é coisa boa pra ficar cheiroso e livre dos germes. Você está certo, é isso sim, é também oferecer ao nosso corpo uma nova relação térmica, quente ou fria, e a chance dele se despertar para regulação da nossa temperatura, empenhando esforço nessa atividade. É acionar intencionalmente todos nossos portais de experiências: olfato, visão, paladar, tato e audição, nesta jornada de sons de chuva, cheiro de infância, sensações de aconchego, massagem, toque, vapor, cores e texturas diversas. É também do ponto de vista simbólico, momento de se purificar. São séculos de história de significações com a água e com a transformação de quem se propõe mergulhar e emergir dela, ativando essa memória tão primitiva e se conectando com tantos anos de passado. Águe-se.

Alimentando de amor, não de dor! Não é sair abocanhando qualquer porcaria pela frente para tentar suprimir o desconforto do dia com prazeres efêmeros de algo que não te faz bem e que te fará indigesto, arrependido ou estufado. É escolher gentilmente algo que não pese, que você possa dizer pra si “tô cuidando bem de mim”, que te aqueça e se possível, que te transporte para uma relação afetiva importante. Bolo de chocolate com café me transporta direto para o colo da minha avó, sem esforço nenhum. E lá eu posso me reerguer de qualquer queda devastadora. Sopa de legumes e arroz branco me aproximam da minha mãe e me confortam mesmo se ela não estiver na minha frente. Alimente-se.

Recolha-se! Nem sempre é hora de encher a cara e sair para festejar. Tem hora que o melhor pra nós, é pegar na mão de uma, duas ou três pessoas e ficar em silêncio deitada no ombro delas. Chamo essas pessoas de “figuras-acolhedoras”, é quem te abraça, te dá colo e te deixa chorar sem falar nada. Às vezes é tempo de se preservar, se guardar, se recolher. Ir para o escuro, para dentro da caverna que fica embaixo do seu edredom, para se recuperar e reunir forças para o momento seguinte, como um guerreiro ferido, que não está sangrando para fora mas que está com a alma em hemorragia. Recupere-se.

Hidrate-se! Beba muita água, facilite tudo que puder para o seu corpo. Ele já está sobrecarregado, tentando te ajudar a enfrentar esse momento desafiador. Se você está ruminando um pensamento, seu corpo inteiro está respondendo à isso. Não há separação, você é um todo integrado, mesmo que se sinta desintegrado neste momento. Água por fora e por dentro. Pode ser uma água morna, melhor até que a água gelada. Ah, não esquece que na manhã seguinte, é água morna com limão espremido para começar.

Alongue-se! Dando suporte para seu corpo eliminar qualquer toxina. Seu corpo estará respondendo ao seu processo emocional provavelmente travando fluxos e atrofiando movimentos, gerando um tensionamento nos ombros, lombar, maxilar, testa, pelve, pés. Estique-se, libere os fluxos, faça uma auto-massagem, dê o seu melhor para aliviar essas tensões. Repita uma, duas, três vezes. Você vai saber a medida.

Estique-se em movimentos sutis de presença.

Respire fundo e preste atenção! Inspire e exale com profundidade. Inspire e exale soltando um som de alívio pela boca. Inspire e exale com completude e atenção. Ancorando-se no presente que te cabe. Nem divagando em algo que já passou, nem ansioso por algo que ainda não chegou, simplesmente ancorado no instante presente da sua respiração, percebendo cada pedacinho do seu corpo respirando em perfeita harmonia e sabedoria, contemplando toda inteligência que te preserva vivo.

Expressão criativa! Não é teste de escola com nota e avaliação. Então não paralisa na frente da tela em branco, do palco vazio ou do microfone feito de garrafa pet. É expressão autêntica por você e sem destino. Desenhe, pinte, cole, cozinhe, borde, chore, grite, cante, dance, toque, costure, só deixa transbordar para fora alguma ação menos intelectualizada e o mais legítima possível. Potência criativa pela arte.

Lucidez! Lembre o nome de 3 pessoas lúcidas com as quais você pode contar. Escreva o nome delas em algum lugar que você possa colocar os olhos facilmente porque acredite, momentos exigentes, dias difíceis, podem trazer nossa loucura pra superfície e como a gente é bem habilidoso em falar mal de si e contar histórias perversas que nunca existiram além de dentro da nossa própria cabeça, é bom que a gente se lembre destes vínculos de segurança, de quem pode te trazer à lucidez, não passar a mão na cabeça, não te abraçar, não te colocar no colo, sim te mostrar o cenário mais claro e limpo possível, mesmo que seja horroroso olhar para o cenário, mesmo que seja dolorido enxergar com clareza, é bom ver toda sua responsabilidade diante do cenário.

Para então agir.

Ação! Ação de autocuidado. Uma caminhada, uma conversa, um movimento, um encontro. Escolhas atravessadas pela potência, pela conexão com a nossa essência. Ocupação saudável, não é o fazer por fazer para fugir do que não quero investigar, pra dar uma resposta mal- adaptativa de comer em excesso, trabalhar em excesso, falar em excesso, beber em excesso. É o ocupar-se com o que posso agora, com o que me cabe, com o que alcanço e o que me faz bem. Agir consciente e presente.

Natureza! Volta para ela. Recolha-se, banhe-se, inspire-se, movimente-se, reabasteça-se nela. Frente à sua grandiosidade generosa, apequene-se em humildade e encoraje-se em energia. Siga, novos dias virão.

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Talita Chiodi
Talita Chiodi

Designer de experiências & de espaços de aprendizagem | Facilitadora de processos de evolução cultural | criatividade + presença + conexidade + colaboração